Adalzira Bittencourt – Wikipédia, a enciclopédia livre

Adalzira Bittencourt
Nascimento 2 de novembro de 1904
Bragança Paulista, SP, Brasil
Morte 28 de outubro de 1976 (71 anos)
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Cidadania Brasil
Ocupação advogada, poeta, escritora

Adalzira Cavalcanti de Albuquerque Bittencourt Ferrara (Bragança Paulista, 2 de novembro de 1904 - Rio de Janeiro, 28 de outubro de 1976) foi uma advogada, poeta e escritora brasileira.

Adalzira Bittencourt foi uma das primeiras a escrever sobre a importância da mulher brasileira na literatura. Passou sua vida inteira dedicando-se a escrever sobre a capacidade das mulheres em realizarem ações e feitos grandiosos e desafiadores em meio à sociedade machista.

Logo em sua adolescência, Adalzira foi fundadora, diretora e redatora do jornal Miosótis, em Piracicaba (SP). Ainda jovem, ela mudou-se para a capital paulista, lugar onde iniciou seus estudos.[1] Desde a infância, ela é atraída pela poesia, mas foi apenas por volta dos 15 anos que ela começou a ter seus primeiros poemas publicados na imprensa mineira e paulista. Começou a lançar livros de poesia em 1919. Seu primeiro poema publicado foi Mal-me-quer, que contou com o prefácio escrito por Vicente de Carvalho.

Em 1927, formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), sendo a única mulher de sua turma.[2] Fez cursos de aperfeiçoamento na Europa (estudou Sociologia na Itália e Direito Internacional na Holanda) e foi professora universitária em Buenos Aires (Argentina). Além disso, como militante da divulgação e propagação da poesia brasileira, ela realizou conferências sobre literatura brasileira no Brasil e também no exterior (Estados Unidos, México e Argentina).

Enquanto morou em Buenos Aires, ela promoveu a "Hora da poesia brasileira" na Associação Cultural Argentina-Brasileira Júlia Lopes de Almeida. Além disso, foi redatora do jornal internacional La Jeunesse et La Paix Du Monde.[3]

Em 1932, fundou uma escola para menores abandonados e a liga infantil Pró-Paz, considerada a primeira organização pacifista do Brasil.[1] Interessada por aspectos educacionais, Adalzira fundou uma escola destinada especificamente para menores abandonados, uma questão que a preocupava muito. E que, inclusive, foi enfatizada no seu memorialístico Trinta e Sete Dias em Nova York. No qual ela revela que tinha ideias de como lidar com essa questão: fundando uma escola que oferecesse educação específica para eles.[1]

Nas Letras, Adalzira foi membro-fundador da Academia Feminista de Letras, no Rio de Janeiro, sendo aclamada sua primeira presidente. Em 1943, Adalzira organizou a Primeira Exposição do Livro Feminino no Rio de Janeiro e participou do 3º Congresso da Raça, promovido pela Sociedade Brasileira de Urologia.[3] Em 1949, realizou o mesmo evento em São Paulo.

Foi membro da Academia de Letras das Três Fronteiras, da Academia Guanabarina de Letras, do Pen (Poetry, Essay and Novel, isto é, Poesia, Ensaio e Romance) Clube do Brasil, da União Brasileira de Escritores, e de outras entidades culturais, nacionais e estrangeiras.[4]

Mais tarde, em 1951, ela também fundou o jornal Mensageiro do Lar das Crianças, no Rio de Janeiro. Anteriormente, já havia sido redatora do jornal internacional La Jeunesse et La Paix Du Monde, além de fundar e dirigir o periódico O Miosótis, em São Paulo. Ainda na área da Educação, criou o Clube Cruz Verde, no Rio de Janeiro, com o propósito de ensinar a juventude a amar e respeitar a natureza, em uma antecipação das recentes preocupações ambientalistas.[1]

Campo da Escrita

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Como escritora, publicou contos, romances, novelas, poemas, muitos deles traduzidos para o espanhol ou alemão. Sob o pseudônimo de Alba Maguary, também contribuiu em jornais e revistas brasileiras. Sua extensa obra permaneceu praticamente desconhecida, até que, na década de 1990, grupos de estudos feministas em universidades brasileiras começaram a utilizá-la como base.[3]

Em 1929, publicou o seu primeiro romance: Sua Excelência: a Presidente da República no Ano 2500, no qual o feminismo venceu e libertou o país das calamidades causadas pelos homens.

Dentre suas importantes produções literárias sobre a mulher brasileira, destacam-se Mulheres e livros (1948), A mulher paulista na história (1954). Seu projeto de maior fôlego foi o Dicionário bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil (1969), obra que pretendia catalogar todas as mulheres de destaque no país. Adalzira publicou três volumes do Dicionário (correspondentes às letras A e B), mas a obra ficou inacabada devido à sua morte em 1976.[4]

Campo Político

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Mesmo não havendo registros de envolvimento direto de Adalzira nas lutas sociais das mulheres no século XX - com o movimento organizado de mulheres da década de 1930, engajado na luta sufragista, ou no pós-1945, participando dos embates pela afirmação da cidadania feminina -, ela representou o feminismo em seu trabalho em prol da valorização da história feminina. Valores e posicionamentos, como supernacionalismo, autoritarismo e fanatismo, presentes na obra Sua Excelência: a Presidente da República no Ano 2500, fazem parte da posição da autora.[5]

Como membro de várias comissões governamentais durante a ditadura de Getúlio Vargas, Adalzira participou de decisões políticas referentes a exames médicos pré-nupciais, aborto, eutanásia e esterilização involuntária.[3]

Militante do Partido Republicano Feminino, que se apoiava predominantemente no ideário de Auguste Comte, o qual valorizava a mulher como moralmente superior ao homem e verdadeira base da nação, como esposa e educadora dos futuros cidadãos do mundo.[3]

Adalzira fez parte da primeira onda de feminismo brasileiro.[2] Em determinado momento, ela defende o seu próprio conceito de feminismo: feminismo brasileiro. Não o feminismo importado, mas, sim, o feminismo latino. É colocar a mulher no seu lugar. Ela deve saber ensinar o caminho reto do dever, a aplicação de patrimônios, a honestidade e a justiça aos seus filhos.[3]

Sua Excelência: a Presidente da República no Ano 2500 - (1929)

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Bittencourt não define seu livro como um romance, muito menos como ficção científica,[6] pois, para ela, sua intenção não era narrar uma história em si, mas apresentá-la dentro de uma proposta pedagógica, ainda que exista por trás uma história romântica tradicional no texto, mesmo que seja um romance proibido.[1] O livro assemelha-se ao inventado por Monteiro Lobato em 1926 (O choque de raças ou O presidente negro - Romance americano), exceto pela repercussão, que não foi nem próxima deste.[3]

O livro de Lobato mostra como a divisão do eleitorado branco em 2228 permite a eleição nos EUA de um presidente negro, o que faz os brancos se unirem novamente para colocar os negros “sob controle”

Ela retrata uma sociedade utópica, na qual o Brasil é governado por Mariângela de Albuquerque, uma paulista de 28 nos formada em Medicina e Direito - que é a personificação dos seus ideais positivistas de perfeição física e moral de Adalzira. A visão do progresso nacional de Bittencourt estava baseada no movimento eugênico dos padrões americanos.

O feminismo[7] triunfara e, a partir de então, medidas radicais foram tomadas para efetivamente transformarem o país. A principal delas foi a formação de uma super-raça, com homens que atingiam a altura média de até 2,40 metros e mulheres até 1,80 metro, expectativa de vida variando na média de 130 a 180 anos e cidadãos geneticamente bem constituídos.

A sociedade católica criada por Bittencourt buscava a perfeição. Nessa nova República a eutanásia era permitida através de uma injeção narcotizante para os doentes da popularmente conhecida como lepra (hanseníase). Além disso, não havia nenhum tipo de vício, mendicância - aos mendigos que podiam trabalhar foi dado trabalho e, aos demais, a internação em sanatórios -, analfabetismo, luz elétrica, rede de esgoto e saúde eram garantidas para todos os cidadãos.[2]

O divórcio era permitido e os prostíbulos foram fechados, pois o sexo existia apenas com a finalidade de procriação e tinha lugar definido (o Palácio das Princesas do Brasil), no qual moças jovens e eugenicamente perfeitas relacionavam-se sexualmente com homens em iguais condições para gerarem filhos que seriam entregues a casais estéreis. As crianças, então, passariam aos cuidados do Governo para serem educadas até o final da adolescência, (assim como representado em A República, de Platão).[2]

Para demonstrar que as mulheres não são mais levadas por questões sentimentais, o romance mostra a autora do projeto tendo um filho com lepra, porém, ela não volta atrás e seu filho também é eliminado por não fazer parte do grupo de pessoas que eram dignas de viver.[1]

Com o tempo, o brasileiro se transformaria naturalmente em agricultor, industrial-inventor e ecologista. A formação do homem é certamente uma preocupação central na obra e, principalmente, na vida de Adalzira, que oscila entre posições conservadoras e progressistas, tanto nesse campo quanto em toda a sua obra.[1]

Ponto crucial em sua vida pessoal: a educação. Ela defende que a educação do futuro deve ser ativa, em consenso com as ideias do educador brasileiro Anísio Teixeira e do Manifesto da Escola Nova de 1932. Aspecto tipicamente progressista para a época, mas, ao mesmo tempo, no futuro imaginado em seu romance, o exercício mental da memorização é uma prática vigente. Tem-se um fusão de propostas contraditórias e pouco compatíveis.[1]

Apesar de não haver pobreza extrema e mendigos, o governo de Mariângela impunha o poder estatal através do medo, não promovendo, assim, a união pacífica entre todas as classes. Ao mesmo tempo em que a protagonista defende a posição da mulher como um agente transformador da sociedade, sua postura é conservadora em relação à maternidade e ao papel da mulher no lar.

Ao mesmo tempo em que defende um novo papel social para as mulheres, Bittencourt estabelece a necessidade de uma “Escola das Mães”, para que “renasça em suas jovens discípulas a tradição de que a mulher deve saber que a mais bela missão que tem sobre a terra é a de ser mãe”. Essa utopia biológica e moral, em que o homem brasileiro teria atingido seu ápice, seria a grande realização dos eugenistas brasileiros.[1]

O grande porém de todo o romance é que a presidente Mariangela de Albuquerque apaixona-se por um pintor, Jorge, com quem não conhece pessoalmente, apenas troca cartas amorosas. Cansada de esperar o amante, a primeira mandatária ordena que ele seja trazido, algemado, em sua presença. O problema foi quando ela o encontrou pessoalmente, ele era o tipo de pessoa que Mariangela jamais teria permitido que vivesse. “Era lindo de rosto, mas tinha não mais do que 90 cm de altura e tinha nas costas uma corcunda enorme.” Após a sua surpresa, a presidente eugenista ordena, implacável e imediatamente, a eutanásia no até então amado.[6]

  • 1919 - Mal-me-quer
  • 1929 - A corça e leão
  • 1940 - Alegria
  • 1943 - Surgiu no céu mais uma estrela
  • 1948 - De rosas tapecei teus caminhos
  • 1951 - Ofertório
  • 1957 - Voltou a primavera
  • 1963 - Galope de astros
  • 1963 - Um violão ao luar
  • 1964 - Cantigas e rosas para a noiva da colina
  • 1929 - Sua Excelência: a Presidente da República no Ano 2500

Não ficção

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  • 1942 - Trinta e sete dias em Nova York
  • 1942 - Liameradas
  • 1946 - Louros e livros
  • 1948 - Mulheres e livros
  • 1951 - Coletânea de poetas paulistas (org Enéas de Moura)
  • 1952 - Getúlio Vargas visto no estrangeiro
  • 1954 - A Mulher Paulista na História
  • 1969 - Dicionário bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil

De volta ao Rio de Janeiro, Adalzira veio a falecer em 28 de outubro de 1976. Adalzira deixou uma obra inacabada: o Dicionário bio-bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil, publicado em 1969. Bittencourt só conseguiu completar os três primeiros volumes, referentes às letras A e B.

  • 1904 - Nascimento em São Paulo.
  • 1919 - Começou a lançar livros de poesia.
  • 1927 - Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).
  • 1929 - Escreveu seu principal romance Sua Excelência: a Presidente da República no Ano 2500.
  • 1932 - Fundou uma escola para menores abandonados e a liga infantil Pró-Paz, considerada a primeira organização pacifista do Brasil.
  • 1943 - Organizou a Primeira Exposição do Livro Feminino no Rio de Janeiro.
  • 1943 - Participou do 3º Congresso da Raça, promovido pela Sociedade Brasileira de Urologia.
  • 1949 - Realizou o mesmo evento em São Paulo.
  • 1951 - Fundou o jornal Mensageiro do Lar das Crianças, no Rio de Janeiro.
  • 1969 - Começou a escrever o seu último livro Dicionário bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil.
  • 1976 - Falecimento no Rio de Janeiro.

Escritoras relacionadas

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Referências

  1. a b c d e f g h i SMANIOTTO, Edgar Indalecio (2012). «QUANDO UMA MULHER FOR PRESIDENTE: FEMINISMO E EUGENIA NA OBRA DE ADALZIRA BITTENCOURT» (PDF). UNESP de Marília 
  2. a b c d QUINHOES, Elenara Walter (2015). «Entre o real e o imaginário: configurações de uma utopia feminina em A Rainha do Ignoto, de Emília Freitas» (PDF). Universidade Federal de Santa Maria 
  3. a b c d e f g COELHO, Nelly Novaes (2002). Dicionário crítico de escritoras brasileiras. São Paulo: Escrituras 
  4. a b SCHUMAHER, Maria Aparecida; BRAZIL, Érico Vital (2000). Dicionário mulheres do Brasil: De 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar 
  5. BARCELLA, Laura; LOPES, Fernanda (2018). Lute como uma garota: 60 feministas que mudaram o mundo. São Paulo: Cultrix 
  6. a b «O futuro do presente no pretérito : Revista Pesquisa Fapesp». revistapesquisa.fapesp.br. Consultado em 28 de novembro de 2018. Arquivado do original em 3 de agosto de 2018 
  7. RAMOS, Maria Bernardete (2002). «Ao Brasil dos meus sonhos: feminismo e modernismo na utopia de Adalzira Bittencourt» (PDF). Revista Estudos Feministas 

Ligações externas

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