Amaral Gurgel (escritor) – Wikipédia, a enciclopédia livre

Amaral Gurgel
Amaral Gurgel (escritor)
Gurgel em seu escritório
Nome completo Francisco Ignácio do Amaral Gurgel
Pseudônimo(s)
  • Assis Machado
  • Duke
Nascimento 24 de janeiro de 1910
Araraquara, São Paulo
Morte 1988 (78 anos)
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
Nacionalidade brasileiro
Ocupação redator, dramaturgo, ator, locutor

Francisco Ignácio do Amaral Gurgel (Araraquara, 24 de janeiro de 1910Rio de Janeiro, 1988), mais conhecido pelo sobrenome Amaral Gurgel, foi um autor de radionovelas, telenovelas, dramaturgo, ator, locutor e escritor brasileiro. Em seus trabalhos iniciais empregou os pseudônimos Assis Machado e Duke.

Gurgel foi autor de "centenas de textos para o rádio e a televisão, além de diversas peças para o teatro", sendo considerado um "precursor da radionovela" no país.[1] Começou sua carreira no teatro em Araraquara em meados da década de 1930, sendo convidado para trabalhar na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, em 1940.[2] Em 1941 atuou em Em Busca da Felicidade, uma das primeiras radionovelas brasileiras, no papel de Fonseca[3] e, já em 1942, lançou sua primeira radionovela, chamada Gente de Circo.[4] Suas obras Penumbra[5] e Ternura encontraram grande sucesso no rádio, a segunda contando com trilha sonora original gravada por Francisco Alves em 1944.[6] No teatro, as peças Pão Duro e Gente Honesta fizeram enorme sucesso, sendo esta segunda adaptada para o cinema pela Atlântida.[7][8] Nas palavras do acadêmico Arnaldo Niskier, foi "O rei das novelas de rádio" e um "gênio da literatura brasileira".[9]

Primeiros anos

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Nasceu em Araraquara em 24 de janeiro de 1910, filho de um funcionário dos Correios de nome Luiz Ignácio do Amaral Gurgel com uma dona de casa de nome Sebastiana Assis Machado Gurgel.[10][11][12] Seus primeiros anos de vida são conhecidos apenas através de entrevistas e do depoimento concedido em 1976 para a Rádio Nacional, na ocasião do aniversário de quarenta anos da emissora.[12] Gurgel ficou órfão de pai bastante jovem, vítima da gripe espanhola em 1918, e cursou até o segundo ano do curso primário.[9] Segundo o depoimento, a família (constituída por Gurgel, sua mãe e sua irmã) teria se mudado para Cedral e posteriormente retornado a Araraquara por volta de 1923. Sobre o período em Cedral, o escritor diz:

[...] ali, conheci tipos que ficaram na minha memória: caboclos de pés descalços e bolsos recheados de dinheiro, capangas de profissão, ladrões de cavalo, imigrantes de todos as raças, inclusive japoneses, que começaram a vir para o Brasil. Assisti brigas, tiroteios e vi homens caírem baleados. Muitos desses tipos registrei mais tarde nas histórias que conto.[12]

De volta a Araraquara, Amaral Gurgel retomaria os estudos primários, trabalhando como entregador, ajudante em uma farmácia e vendedor de títulos de capitalização.[12] Foi com essa idade que teria ingressado na Companhia Estrada de Ferro Araraquara, de início sem receber salário, sendo posteriormente promovido a escriturário.[12] No início dos anos 1930, Gurgel começaria a publicar sonetos e artigos nos jornais O Imparcial e Diário de Notícias, ambos de Araraquara, sob o pseudônimo Duke.[12][13] Tal pseudônimo ficou associado ao escritor em sua cidade natal, sendo incluído na praça batizada em sua homenagem[14]

Panfleto de cor azul desbotada onde lê-se a programação do evento Primeiro Festival Artístico pró Sociedade S. Vicente de Paulo, organizado pela Caravana Azul, em Araraquara. Na primeira parte verifica-se o título Sonho de um Pierrot seguido por "Fantasia Sincronizada por F. Gurgel (Xiko); Música por J. Tescari.
Panfleto do primeiro festival artístico promovido pela companhia de teatro amador Caravana Azul no Teatro Municipal de Araraquara em 1931 - interior.

Em 1931, Gurgel participa da companhia de teatro amador Caravana Azul com sua peça Sonho de Pierrot, encenada no Teatro Municipal de Araraquara, descrita por Renato Murce como "uma ópera falada com música do maestro José Tescari[2] e por Gurgel como “um ‘mudrama’, pois que todos os movimentos dos personagens eram acompanhados pela música. Uma espécie de ópera falada. Mas também poderia ser considerada uma opereta, pois tinha trechos cantados!".[12] Foi através da pela que o autor relata ter conhecido Amélia D'Alva de Mattos, com quem viria a se casar em 1937.[11] O primeiro filho do casal, Luis Carlos, nasceu em 1939 e o segundo, José Sérgio, em 1941.

Carta enviada por Mario de Andrade a Amaral Gurgel em 21/10/1936 informando sobre a vitória de Terra Bendita no concurso de peças teatrais promovido pelo Departamento de Cultura de São Paulo.
Carta enviada por Mario de Andrade a Amaral Gurgel em 21/10/1936 informando sobre a vitória de Terra Bendita no concurso de peças teatrais promovido pelo Departamento de Cultura de São Paulo.

Por volta de 1933 teria começado a atuar na incipiente PRD-4 Rádio Cultura de Araraquara.[2][12] Em 1936 o Departamento de Cultura do Município de São Paulo, sob direção de Mario de Andrade, lançou um concurso de peças teatrais, no qual uma peça de Gurgel chamada Terra Bendita recebeu a segunda colocação, sendo publicada como livro no ano seguinte.[15] Há um erro na edição, conforme o próprio autor explica, pois na capa do livro não foi publicado seu nome, mas sim o pseudônimo Assis Machado, que empregou para a inscrição no concurso.[12] O erro se repetiu por muitos anos a partir dessa fonte. Procópio Ferreira leva a peça para os palcos do Teatro Municipal de Araraquara em 1937, atuando no papel de Juvêncio, e depois para o Teatro Boa Vista em São Paulo.[16] Em 1939 o programa Teatro em Casa, da Rádio Nacional, transmitiu uma adaptação de Terra Bendita, identificando o autor ainda pelo pseudônimo.[17]

A partir de então a emissora carioca passa a encomendar obras de Gurgel, a saber as peças: Não Julgueis (veiculada em 20 de Agosto de 1939),[18] Trapézios Volantes (em 8 de dezembro)[19] e Os Transviados (em 22 de dezembro).[20] Estes dois últimos fizeram enorme sucesso de público e acabaram publicados como romance em uma mesma edição pela Editora da Rádio Nacional em 1944.[21] A aproximação entre o escritor e a emissora teve como principal mediador locutor Celso Guimarães.[12][2] Ele é finalmente contratado, se mudando para o Rio de Janeiro em 1940.[12]

Livro de capa marrom onde se lê "Assis Machado / Terra Bemdita: Romance em tres actos"
Capa do livro Terra Bendita, de Assis Machado (pseudônimo de Amaral Gurgel), de 1937, publicado pelo Departamento de Cultura do Município de São Paulo.

Ainda em 1939, Gurgel enviou um conto chamado “Amanhã É Domingo” para um concurso do Semanário Dom Casmurro, recebendo a sexta colocação.[22][23] Dois votos favoráveis partiram dos jurados Oduvaldo Vianna e Graciliano Ramos.

Novelista na Rádio Nacional

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A Rádio Nacional surge como rádio-sociedade em 1936, mudando de direção três vezes até ser incorporada ao Estado por Vargas[24]. Em um contexto de Estado Novo, Vargas atribuía à empresa um papel de integração nacional e de comunicação direta do governo varguista com as camadas mais pobres da população[25]. Para cumprir tal projeto, o governo aposta em músicas populares, programas humorísticos e radioteatro para atrair público[25].

Amaral Gurgel e sua família recém-chegados ao Rio de Janeiro nos anos 1940.
Amaral Gurgel e sua família recém-chegados ao Rio de Janeiro nos anos 1940.

A literatura sobre o rádio brasileiro costuma considerar Em Busca da Felicidade, de 1941, como a primeira radionovela irradiada no país.[25][2] Nos últimos anos, os usos dos termos radioteatro e radionovela passaram a ser mais discutidos e esse pioneirismo deixa de ser tão auto-evidente como se considerava. De toda forma, Em Busca da Felicidade foi um marco histórico pelo engajamento do público, abrindo caminho para toda uma era do rádio que tinha as radionovelas como atração principal. Amaral Gurgel já escrevia ficção para a Rádio Nacional desde 1940, inclusive com obras seriadas. São exemplos de trabalhos desse tipo: As Aventuras de Frank Vernon (obra seriada),[26] João Timbira em Redor do Brasil[27] (obra "animada no microfone") e Policial Vassalo (atração ficcional dentro do Programa Luiz Vassalo[28]). No depoimento, Amaral Gurgel cita também uma outra atração chamada Bazar que teria ficado sob sua responsabilidade, a respeito da qual não foram encontrados mais vestígios:

Deram-me um programa matinal das nove às onze (os horários nobres só começavam depois das dezenove horas), dei-lhe o título de Bazar. Para me auxiliar, dois locutores ótimos: Aurélio de Andrade e Rubens do Amaral, que também faziam a narração. Pedi duas vozes femininas, mas não iam usar na rádio atriz para tal horário. Celso Guimarães chamou uma mocinha de Niterói que já fizera pequenos papéis no Teatro em Casa, e surgiu uma outra atriz que fizera Teatro de Estudante. Foram contratadas. Eram apenas Isis de Oliveira e Yara Sales.[12]

Nesse período também participou como locutor do concurso “As Mais Lindas Cartas de Amor”, fazendo par com Yara Sales.[29] Teve as seguintes obras veiculadas no Teatro em Casa: A Mulher que eu Pago (05/01/1940, adaptada de sua peça de teatro de mesmo nome),[30] O Mandarim (23/02/1940, adaptado do romance de Eça de Queiroz),[31] Linda (19/04/1940)[32] e Luta (31/01/1941)[33] Pouco depois da estreia de Em Busca da Felicidade, Oduvaldo Vianna escreve Fatalidade, “a primeira radionovela criada no Brasil”, para a Rádio São Paulo[34]. No ano seguinte, a Rádio Nacional encomenda a Amaral Gurgel a novela Gente de Circo, sua primeira incursão no gênero[4][12]. No ano seguinte, mais três novelas de Gurgel chamam a atenção do público. A primeira se chamava Três Vidas, transmitida às 21h39[35]. A segunda, chamada A Outra[25], entrou na programação no horário das 10h30. Já a última, chamada Penumbra, parece ter atraído ainda mais ouvintes no horário das 13h00[36][37]. Penumbra foi anunciada como próxima adaptação para o cinema pela produtora Atlântida em 1947, porém o filme nunca chegou a ser lançado[34][38]. O depoimento aponta que esta se chamaria Alvorada, mas foi inicialmente rejeitada pela Nacional por se passar em um morro carioca:

Amaral Gurgel ao lado de Paulo Gracindo no estúdio da Rádio Nacional.
Amaral Gurgel ao lado de Gerdal dos Santos no estúdio da Rádio Nacional.

Vagando o novo horário das treze horas, Victor [Costa] pediu-me uma novela. Escrevi Alvorada, um enredo no qual eu queria mostrar a vida nos morros cariocas. No ensaio, Paulo Gracindo e Zezé Fonseca torceram o nariz. Uma história num ambiente de pobreza e miséria não iria funcionar. Levaram seus protestos a Victor Costa, que me chamou. Discutimos. Irritado, rasguei os primeiros capítulos que já havia escrito. Victor empalideceu: a novela ia começar poucas horas depois e não existia nenhum outro original. Mais calmo, sentei-me à máquina e bati rapidamente o primeiro capítulo de uma novela, na qual eu pretendia gozar os artistas e o público. Queriam mistérios com fundos falsos, medalhinhas e outras bobagens? Eu faria. Queriam cenas lacrimogêneas, forçadas pelos pais a um casamento que não os agradava? Eu faria. Mas, casamentos forçados estavam fora de época. Por isso situei a história em mil oitocentos e trinta, e não assisti aos ensaios, nem ouvi os primeiros capítulos. Só quando começaram a me cumprimentar pelo sucesso, e o próprio Victor veio me abraçar, compreendi que aquilo que começara como molecagem era um bem de ouro. [...] Foi assim que nasceu a novela PENUMBRA, o meu maior sucesso do gênero. Paulo Gracindo deu à sua filha, nascida naquele ano, o nome da heroína nossa da história: Lenora.[12]

As radionovelas ocupavam um lugar na cultura popular que rendia em muitos momentos críticas duras dos profissionais especializados. Curiosamente, ao mesmo tempo que essa crítica conseguia reconhecer os méritos de alguns desses escritores, como é o caso de Ghiaroni chamado de “um poeta, que, para ganhar o pão, faz novela de rádio”, e do próprio Amaral Gurgel, suas obras eram criticadas pelo excesso de “choro-tiro-facada”[34]. Lia Calabre discorre:

E o terceiro gênero de programa entre os mais criticados estava o das radionovelas. Seguindo uma tradição folhetinesca, as radiodramatizações mantinham a fórmula do suspense ao final da cada capítulo da apresentação de histórias com alto grau de sofrimento e lágrimas. As radionovelas foram amplamente difundidas em toda a América Latina, sendo extremamente populares. No Brasil, as novelas radiofônicas sempre despertaram a ira dos intelectuais, apesar das várias adaptações de clássicos da literatura para transmissão radiofônica. Em junho de 1947, A Noite Ilustrada, publicou o resultado de uma pesquisa sobre as novelas e a intelectualidade mineira. A apreciação do poeta Alphonsus de Guimarães sobre a novela radiofônica foi a seguinte: Ela não é somente uma contrafação da realidade, penetrada de um falso romanesco. Pela sua linguagem, pelas situações que explora, só pode mesmo contribuir para empobrecer o nosso já pobre nível cultural[39].

Elaborando essa má fama das radionovelas, Amaral Gurgel relata:

No entanto, como as novelas fizeram sucesso, desencadeou-se uma campanha contra o que era chamado de sub-literatura e sugerindo que a rádio chamasse os verdadeiros intelectuais. A Nacional, então, contratou Joracy Camargo para escrever Ódio. Cartazes, entrevistas e muita badalação, e foi estreada. Já no quinto capítulo Joracy estava arrependido. Dizia que aquilo era trabalho para malucos, pois no tempo gasto para escrever três capítulos, poderia escrever uma peça que lhe daria mais fama e mais dinheiro. Desanimou, e Victor Costa chegou a trancá-lo na sala até que terminasse o capítulo que deveria apresentar no dia seguinte. Joracy passou a responder com palavrões aos amigos que vinham felicitá-lo por ter aderido ao rádio. Encerrou a novela no décimo sexto capítulo e nunca mais quis saber de rádio.[12]

Em 1944 Gurgel escreve mais uma novela de grande repercussão, Ternura, que se destacou pela música tema, com melodia composta por Lírio Panicalli e letra do próprio novelista[40]. Foi gravada na época por Francisco Alves[40][41] e depois por Cauby Peixoto[42][43], em 1972. Foi traduzida para italiano e inglês[44]. No mesmo ano , Gurgel migra da Rádio Nacional para a recém fundada Rádio Globo, convidado por Gagliano Neto[12].

"Pão Duro" e outros sucessos no teatro

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Panfleto da peça Pão Duro (1941) de Amaral Gurgel, encenada pela Companhia Procópio Ferreira. Assinatura de Procópio, Bibi Ferreira e outros atores.
Panfleto da peça Pão Duro (1941) de Amaral Gurgel, encenada pela Companhia Procópio Ferreira.

Nesses primeiros anos no Rio de Janeiro, Amaral Gurgel produziu algumas obras para o teatro. Uma delas, chamada “Pão Duro”, foi levada aos palcos pela Companhia Procópio Ferreira no Teatro Serrador em 1941, contando com Bibi Ferreira no elenco, em um de seus primeiros trabalhos[45][46]. A história gira em torno de um homem que pedia esmola de pão adormecido no Rio de Janeiro e que, quando morreu, descobriram que possuía uma fortuna escondida. Essa peça ocupa um lugar especial nas memórias sobre o autor, que é apontado algumas vezes como o inventor da expressão popular “pão duro”[47][48]. Ele próprio não reivindicava tal autoria e dizia que a ideia da peça partido de Procópio[12].

Já a comédia Gente Honesta foi levada aos palcos do Teatro Regina em 1943, e depois para o cinema no ano seguinte pela produtora Atlântida, trazendo Oscarito no elenco[49][50].

Em 1947, Gurgel escreveu, já para a Globo, uma novela chamada Meu Nome É Doutor, que teve posteriormente seus direitos de adaptação negociados com a Paulistana Film e resultou na comédia Macumba na Alta, com direção de Maria Basaglia em 1958[51][52].

Amaral Gurgel ao lado de Graciliano Ramos em 1949.
Amaral Gurgel ao lado de Graciliano Ramos em 1949.

No fim de 1944, surge a Rádio Globo AM, contando com um robusto cast de radioatores, humoristas e orquestra própria[53]. Amaral Gurgel é contratado ainda em 1945 como diretor do departamento artístico[12].

A passagem de Amaral Gurgel pela Globo parece ter sido seu período mais profícuo. O concurso “Melhores do Rádio”, promovido pela Revista do Rádio, premiou Amaral Gurgel como melhor novelista por quatro anos consecutivos, entre 1951 e 1954 [54][55][56][57]. Na primeira edição, contou com a presença do então vice-presidente Café Filho[54] e, na segunda, do presidente Getúlio Vargas[55]. Na tentativa de trazer mais prestígio para o rádio, Gurgel adapta São Bernardo, de Graciliano Ramos em 1949[58][59][12].


O novelista relata ter sido convidado por Victor Costa para retornar à Nacional[12]. Em 1953 a Globo realizou uma grande mudança em sua linha editorial, podando as radionovelas de sua programação[60].

Presidente Getúlio Vargas na premiação "Os Melhores do Rádio" de 1951, junto de Amaral Gurgel e outros trabalhadores do setor.

A Globo já tinha despedido as orquestras e havia boatos de que o mesmo iria acontecer com o rádio-teatro. A única dúvida para mim era a diferença de salários. A Nacional costumava pagar muito mal a seus artistas, mas houve um acerto: Victor me daria um salário pela exclusividade, outro como ensaiador e pagaria direitos autorais à parte. Era o sistema da Nacional naquela época: dar inúmeras funções ao contratado para acertar o ordenado. Deu resultados naqueles tempos, mas era falho. Edmo do Valle, grande contrarregra de rádio-teatro, era ativista musical e tinha mais três ou quatro funções. Para os artistas então era um desastre, como se viu depois um Celso Guimarães, um César Ladeira, uma Isis de Oliveira, em fins de carreira ganhando ordenados irrisórios[12]

Organizações Victor Costa (OVC)

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Cartaz de divulgação da radionovela É Preciso Viver, de Amaral Gurgel para a Rádio Mundial.
Cartaz de divulgação da radionovela É Preciso Viver, de Amaral Gurgel para a Rádio Mundial.

Amaral Gurgel migra entre diversas emissoras de rádio e de televisão a partir de sua saída da Globo em 1952. Grande parte delas pertencia às Organizações Victor Costa (OVC), seja totalmente, seja tendo parte de suas ações controladas pela companhia. A migração de Gurgel entre elas provavelmente foi facilitada pelo ex-diretor da Rádio Nacional, que àquela altura montava seu conglomerado privado.

Em 1953 Gurgel escreve Banzo para a Rádio Nacional de São Paulo, emissora fundada por Victor Costa, de propriedade privada, que não tinha relação com a estatal sediada no Rio de Janeiro[61]. Em 1955 escreve Que o Céu Me Condene[62] para a mesma emissora e É Preciso Viver para a Rádio Mundial[63]. Esta foi objeto de um desentendimento quando, anos depois, a peça Come Back My Little Sheba chegou ao Brasil com o mesmo título[64]. O novelista segue na Mundial no ano seguinte com Retalhos da Vida e Enquanto o Sono Não Chega[65][66].

A Mayrink Veiga também tem ações compradas pela OVC e lá Gurgel escreve em 1956 Olhai o Sol nas Alturas e, em 1957, Hotel do Luar[67]. Em 1962 escreve Era Uma Vez Uma Farmácia[68], para a Nacional de São Paulo, e em 1963 escreve O Dono da Saudade para a Rádio São Paulo[69]. Seus trabalhos de maior sucesso nesse período foram quase todos na Nacional de São Paulo, no depoimento ele lista O Direito de Matar, Sua Excelência o Garçom e Romance das Cartas[12].

Trabalhos na televisão

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Agradecimento do elenco de O Tempo Não Apaga (Tv. Record, 1972) a Amaral Gurgel.
Agradecimento do elenco de O Tempo Não Apaga (Tv. Record, 1972) a Amaral Gurgel.

Em 1952, informa que Gurgel é contratado pela TV Tupi[70]. As radionovelas contribuíram para a construção da linguagem televisiva do gênero e não foi incomum a migração de autores entre os dois meios. Em 1964, Gurgel entra para a equipe da TV Rio e sua radionovela Banzo vai ao ar pela emissora, com adaptação de Roberto Freyre[61]. Em 1972 estreia sua principal obra televisiva, O Tempo Não Apaga, na TV Record [71].

Retorno à Rádio Nacional (Rio de Janeiro)

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Gurgel se reaproxima da Rádio Nacional (estatal do Rio de Janeiro) por volta de 1965 com a peça "O Drama de Cada Um"[59]. Sua volta para a emissora pode ser consequência do desmantelamento da OVC em 1966, sete anos após a morte de seu fundador.

O declínio da Rádio Nacional tem motivos diversos, se iniciando em meados dos anos 1950[72][25]. Entre os diversos motivos, Miriam Goldfeder aponta que a perda da eficácia simbólica da Nacional contribuiu muito no processo[73]. Com a absoluta falta de renovação de seu projeto como um todo, a Nacional teria “deixado de responder às necessidades culturais e psicológicas do público ao qual se dirigia” a partir da segunda metade da década de 1950[73].

Amaral Gurgel passa a enfrentar também grande dificuldade em atrais público com suas radionovelas, ao mesmo tempo que suas investidas na televisão não parecem tem sido tão profícuas. A Rádio Nacional se mantém para ele como um refúgio.

Em 02 de abril de 1964, apenas um dia depois do golpe militar, o intervém na Rádio Nacional, trocando sua direção e afastando 67 profissionais da emissora, além de colocar outros 81 sob investigação[72].

Da relação inicial de indiciados sairia uma lista de 36 demitidos pelo Ato Institucional n°1, dos quais seis morreram antes de ver a chegada da anistia, 17 anos depois, em julho de 1980. Dos 30 anistiados, 12 foram reintegrados e 18 aposentados, sem que tal fato tenha até agora (julho de 1984) se refletido de alguma forma no panorama geral da emissora e seu desempenho perante o mercado radiofônico.[72]

A intervenção do regime militar e as constantes perseguições políticas atingem a Nacional em um momento que já era de bastante dificuldade [72]. Gurgel se mantém trabalhando até 1983, quando é enfim demitido. Morre em 1988, decorrente de pneumonia e mal de Parkinson[59][74]. Uma coluna de Artur da Távola no Jornal O Globo em 1983 diz:

Falar em Rádio Nacional e dos seus tempos áureos é lembrar o nome do novelista Amaral Gurgel. Seus textos emocionaram o país tal e qual hoje a televisão. [...] Pois Amaral Gurgel, com mais de 70 anos, foi demitido recentemente da Rádio Nacional. Desconheço as causas mas demitir um servidor como Amaral Gurgel em idade avançada em qualquer circunstância configura ato de violência. Ninguém fica demissível repentinamente, após mais de 30 anos de impecáveis e meritórios serviços. Vivesse Amaral Gurgel num país em que a literatura popular radiofônica fosse respeitada e estaria (como está) entre os nomes principais, merecendo o acatamento intelectual compatível com o vulto e o valor social de seu trabalho. No Brasil, está sendo demitido... Aqui, ser idoso é pecado[75].

Amaral Gurgel em idade avançada segurando o troféu onde se lê "Ídolos do Rádio".
Amaral Gurgel em idade avançada segurando o troféu onde se lê "Ídolos do Rádio".

Últimos anos e acervo

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Amaral Gurgel foi diretor de redação da revista Sétimo Céu onde, entre outros trabalhos, escreveu as biografias de artistas como Jerry Adriani, Roberto Carlos e Wanderley Cardoso; foi tradutor e editor da Editora Bruguera que, no Brasil, traduzia as principais obras literárias da época.[9] Hoje, grande parte da produção sobrevivente de Amaral Gurgel se encontra no acervo do MIS-RJ e no Arquivo da Rádio Nacional (atualmente vinculada à EBC), no Rio de Janeiro[59]. O novelista menciona no depoimento que uma grande parte de seu acervo pessoal teria se perdido em um incêndio no Teatro Carlos Gomes[12].

Em 1988 a Prefeitura de Araraquara nomeou a praça Francisco Ignácio do Amaral Gurgel (Duke) em sua homenagem[14]. Em 2018 a editora Chiado publicou um livro de memórias familiares de Amaral Gurgel, intitulada “Da locomotiva à máquina de escrever”.[9][76] Em 2022 a Rádio Nacional publicou suas radionovelas A Vidente e o Vigarista e Poronga, Terçado e Coragem em seu site e nas plataformas de streaming[77][78]. Seu acervo pessoal, bem como sua biografia, foram objetos da pesquisa de mestrado "Entre a Memória Familiar e o Arquivo", de Guilherme Gurgel, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, em 2023.[59]

Obras radiofônicas (incluindo radionovelas e peças de radioteatro)[59]

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Título Período Emissora Horário
Adeus Querida 01/07/1949 Globo 14:30
Amigo, O 1970 Nacional
Ano Novo 31/12/1949 Globo 20:30
Ao Soar do Gongo ? - 28/11/1947 Globo 2ª, 4ª e 6ª - 20:30
Arrependimento 21/09/1948 - 15/11/1948 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Aventuras de Frank Vernon 1940-1942 Nacional
Banzo 1953 Rádio Nacional (São Paulo) 21:05
Boa Noite Luigi Nacional
Caminho das Bandeiras, No 1974 Nacional
Caminho do Amor 1982 Nacional
Casa da Solidão, A Nacional
Chininha Nacional
Colonos, Os ? - 29/08/1947 Globo
Como a Estrada É Longa Nacional
Como te Odeio Meu Amor 04/03/1969 - 09/09/1969 Nacional
Conceição da Vila 23/06/1949 - 20/08/1949 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Decepção 18/01/1949 - 24/02/1949 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Destinos Cruzados Nacional
Dever 04/05/1945 - 18/05/1945 2ª, 4ª e 6ª - 11:30
Diário de Mulher, Um 13/05/1947 - 12/06/1947 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Direito de Matar, O 1965 Rádio Nacional (São Paulo)
Dorme Menino, Dorme 18/12/1966 - 27/06/1967 Nacional
Drama de Cada Um 23/08/1965 - 31/12/1965 Nacional
Duas Irmãs 13/11/1947 - 29/11/1949 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Dúvida, A 02/06/1951 - 17/07/1951 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Dono da Saudade, O 1963 Rádio São Paulo 2ª, 4ª e 6ª - 11:00
É Preciso Viver 1955 Rádio Mundial 2ª, 4ª e 6ª - 21:00
É Sempre Tempo de Amar 06/08/1980 - ? Nacional
Enquanto o Sono Não Chega 1956 Rádio Mundial 2ª, 4ª e 6ª - 21:00
Era Uma Vez Uma Farmácia 1962 Rádio Nacional (São Paulo)
Felicidade Custa Pouco, A 23/10/1968 - 26/03/1969 Nacional
Filha do Mar, A 21/09/1948 - 19/10/1948 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 14:30
Gente de Circo 26/03/1942 - 25/11/1942 Nacional Variou
Grande Aventura, A 01/12/1947 - 31/12/1947 Globo 2ª, 4ª e 6ª - 20:30
Grande Pecado, O 05/1944 - ? Nacional
Herança Maldita 02/05/1949 - 26/06/1949 Globo 2ª, 4ª e 6ª
História em Cada Casa, Uma 23/01/1970 - 05/03/1970 Nacional
Homens Sem Bandeira 02/03/1948 - 01/04/1948 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Hotel ao Luar 1957 Mayrink Veiga
Imigrantes, Os 15/02/1945 - 17/04/1945 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 19:30
João Timbira em Redor do Brasil 1940 Nacional
Maldição de Íbis, A 05/12/1950 - 30/12/1950 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Mãos Que Falam Nacional
Mãos Vazias 10/1980 - ? Nacional
Memórias de um Vagabundo 03/03/1949 - 30/04/1949 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Meu Nome É Doutor 3ª, 5ª e sábado
Mulher de Verde, A 15/07/1947 - 11/09/1947 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Mulher Sem Nome, A 14/07/1970 - 08/10/1970 Nacional
Natal, O 02/12/1947 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Noturno 19/04/1945 - 30/12/1947 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 19:30
Olhai o Sol nas Alturas 1956 Mayrink Veiga
Outra, A Nacional 3ª e 5ª - 10:30
Padre Prior, O 06/03/1948 - ? Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Papai Noel Mentiu Pra Mim 16/12/1985 - 20/12/1985 Nacional
Passado Não Volta, O ? - 03/02/1945 Globo 3ª, 5ª e sáb, - 19:30
Passageira sem Destino, A 10/03/1951 - 05/05/1951

(Retransmissão pela Rádio Nacional entre 02/04/1968 - 10/05/1968)

Globo (Retransmitida pela Rádio Nacional) 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Pedro Mestiço (autoria compartilhada com Pedro Macário) 1951 Globo 20:30
Penumbra (inicialmente Alvorada) 11/10/1943 - 24/12/1943 Nacional
Pequeno Napoleão, O 01/05/1949 - 20/06/1947 Globo 2ª, 4ª e sáb. - 20:30
Piedosa Mentira, A 18/12/1950 - 31/01/1951 Globo 2ª a 6ª - 18:45
Policial Vassalo 21/06/1942 - 22/11/1942 Nacional Domingos
Ponte, A 01/04/1970 - 07/10/1970 Nacional
Poronga, Terçado e Coragem 1979 Nacional
Preço da Honestidade, O 1983 Nacional
Primeiros Deuses, Os 1972 Nacional
Professora, A 06/12/1949 - 30/01/1950 Globo 2ª, 4ª e 6ª - 14:30
Que o Céu Me Condene 1952 Rádio Nacional (São Paulo) 2ª - 20:00
Raça 17/03/1980 - 05/08/1980 Nacional
Rei Mago Que Não Viu Jesus, O 1983 Nacional
Rendas e Mantilhas 03/07/1946 - 30/08/1946 Globo 2ª, 4ª e 6ª - 20:30
Retalhos da Vida 1956 Rádio Mundial 3ª, 5ª e sáb. - 21:00
Riso de Menina, Um 16/10/1945 - ? Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Romance das Cartas 1952 Rádio Nacional (São Paulo)
Sangue Bandeirante 10/1982 - 04/1983 Nacional
São Bernardo ? - 20/06/1949 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Secretária, A 01/09/1949 - 29/09/1949 Globo 5ª e sáb. - 20:30
Sombra de Mulher, Uma 05/1983 Nacional
Senhor Ninguém 23/08/1949 - 20/09/1949 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30
Sonho de Natal, O 25/10/1985 - 30/10/1985 Nacional
Sua Excelência, O Garçom 1953 Rádio Nacional (São Paulo)
Tatinha 01/05/1974 - 09/08/1974 Nacional
Táxi, Por Favor Nacional
Teatro de Sonho: diversas peças 08/09/1948 - 13/12/1949 Globo 21:35/21:00
Ternura Nacional
Tio Bené, O Nacional
Travessuras de Um Anjo 10/09/1969 Nacional
Três Vidas Nacional 2ª, 4ª e 6ª - 21:00
Velha História, Uma 16/03/1948 - 13/07/1948 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 14:30
Velho Moço, O 1974 Nacional
Vidas Cruzadas 09/10/1970 - 14/01/1971 Nacional
Vidas Opostas ? - 30/03/1950 Globo 3ª, 5ª e sábado
Vidente, A ? - 30/04/1945 2ª, 4ª e 6ª - 11:30
Vidente e o Vigarista, A 10/12/1980 - 01/10/1981 Nacional
Violino na Sombra, Um 31/05/1945 - 28/07/1945 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 19:30/20:00
Volta, A 01/06/1945 - 29/06/1945 11:30
Vozes de Bronze Nacional
Vovó Emília 03/01/1948 - 28/02/1948 Globo 3ª, 5ª e sáb. - 20:30

Peças teatrais[59]

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Título Ano Montagens
Estrelas Também Morrem, As 1962
Gente Honesta 1943 Teatro Regina - Rio de Janeiro (RJ)
Homem que Perdeu o Olfato, O
Pão Duro 1941 Teatro Serrador - Rio de Janeiro (RJ)
Rua Nova
Sonho de um Pierrot 1931 Teatro Municipal de Araraquara (SP)
Terra Bendita 1936 Teatro Municipal de Araraquara (SP); Teatro Bela Vista - São Paulo (SP)
Transviados, Os 1939

Livros e publicações[59]

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Título Ano Publicação
Amanhã É Domingo 1939 Semanário Dom Casmurro (RJ)
Antes que se Escureça o Sol 1965 Editora Brughera
Banzo 1964 Editora Brughera
Não se Foge do Amor 1965 Editora Brughera
Rua Nova 1952 Edição da Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais
Segredos do Radio-Teatro 1964 Editora Brughera
Terra Bendita 1936 Editora do Departamento de Cultura do Município de São Paulo
Trapézios Volantes e Os Transviados 1941 Editora da Rádio Nacional

Trabalhos televisivos[59]

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Título Ano Emissora Tipo
Homem que Perdeu o Olfato, O 1958 TV Rio Teatro televisionado
Tempo Não Apaga, O 1972 TV. Record Novela

Participações[59]

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Título Período Emissora Tipo Função
Bazar 1940 Nacional Variedades Não especificada
Busca da Felicidade, Em 1940-1943 Nacional Novela Atuou no papel de Fonseca
Mais Lindas Cartas de Amor, As 1940 Nacional Concurso Participava da leitura das cartas
Teatro em Casa: diversas peças 1939 - Nacional Programa de radioteatro Escreveu algumas peças para o programa

Referências

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