Filosofia anarquista – Wikipédia, a enciclopédia livre
Filosofia anarquista é um tendência distintiva da filosofia, principalmente da filosofia política, que tem origem e se desenvolve juntamente com os desdobramentos históricos do movimento anarquista.[1] Segundo o filósofo Todd May, a filosofia anarquista é uma filosofia política tática que se produz numa imersão entre o dever ser e o que é de cada circunstância geohistórica, buscando analisar e criticar as condições concretas e institucionais dessas circunstância e entrever futuros alternativos que possam ser realizados, o que é uma característica comum entre filosofias políticas socialistas.[2] Esse modo de filosofia política também reconhece o caráter contingente da história, e busca pensar reflexivamente a situação em que se encontrar e que lhe dá forma; o que o pensador vê de especialmente distintivo na filosofia anarquista é sua recusa de reduzir a análise política à um problema fundamental, e se recusa portanto à localizar um centro singular do poder e circunscrever sua intervenção à este. "O anarquismo é uma 'filosofia tática' porque reconhece a natureza multifacetada e difura do poder e se recusa à reduzir todas as instâncias particulares de opressão à uma forma básica".[3]
Apesar de não ter desenvolvido, e nem pretendido fazê-lo, um sistema de ideias fixo, completo e contido, os anarquistas elaboraram um corpo de ideias e críticas que serve à reflexão de um vasto arranjo de problemas de teorias e circunstâncias sociais, políticas e econômicas. Em razão de sua constituição teórica flexível e aberta, o anarquismo foi acusado de ser uma ideologia 'não-científica', 'utópica' e 'anti-intelectual' por diversas correntes da esquerda e direita.[3] Pensadores anarquistas, por outro lado, criticam a marginalização de escritos que serviram como auto-exprpessão teórica do movimento e articularam relevantes conceitos analíticos e normativos, frequentemente tachadas de mera propaganda por acadêmicos da história e ciências sociais, entre outras disciplinas.[4] Essas elaborações anarquistas, quando incluídas na história do pensamento filosófico, costumam ser referidas de maneira redutiva como "anarquismo clássico", que denominariam o conjunto de ideias de Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin e Peter Kropotkin, tratando-as como próximas o suficiente para serem tratadas como algo singular - essa abordagem, porém, é denunciada como mito acadẽmico por pesquisadores contemporâneos, como Nathan Jun, que enfatizam a diversidade de proposições anarquistas que sempre animaram os debates internos do movimento, como também os desdobramentos contínuos dessas ideias que não podem ser catalogadas sob o adjetivo de 'clássico'.[4]
Crítica ao "Anarquismo filosófico"
[editar | editar código-fonte]O termo 'anarquismo filosófico' (philosophical anarchism) foi popularizado no século dezenove pelos autores individualistas associados ao jornal Liberty, principalmente Benjamin Tucker. Apesar do nome, o anarquismo filosófico não se reduzia à uma teoria, denominava, mais precisamente, uma oposição de princípios ao Estado e o capitalismo, e suas manifestações coercívas. Entretanto, em contraste com o anarquismo propriamente, defendiam uma superação 'evolucionária' e pacífica do Estado capitalista, ao invés da estratégia revolucionária do restante do movimento. Apesar dessa origem, e, em grande parte, independentemente dela, o termo 'anarquismo filosófico' tem tido usos relevantes no debate filosófico anglofóno contemporâneo, associado fundamentalmente à teoria libertarianista, e pensadores como Robert Nozick e Robert Paul Wolff. Essa corrente foi resumida enquanto um "(...) ceticismo em relação à legitimidade e autoridade dos Estados", seja os Estados atualmente existentes, ou ao Estado por definição.[5]
O uso do termo na literatura acadêmica frequentemente implica um diferenciação entre o 'anarquismo filosófico' e o 'prático', associado ao movimento anarquista histórico. Essa distinção é criticada por filósofos anarquistas por criar uma exclusão do movimento anarquista do campo da filosofia política, e tratá-lo como uma atitude pré-teórica e indígna de atenção.[5] O que resulta disso é uma corrente teórica descrita como 'inerte' e desconectada da origem de sua terminologia.[5] A própria definição de 'anarquismo' como essencialmente uma oposição ao Estado é rejeitada por pensadores anarquistas como uma forma de reducionismo e esvaziamento, dado que o movimento anarquista propriamente dito se define por um projeto político positivo de superação de estruturas assimétricas de poder e práticas coercivas, manifestadas em um vasto arranjo de formas encontradas nas dimensões sociais, econômicas e políticas da humanidade.[5]
Autores
[editar | editar código-fonte]Mikhail Bakunin
[editar | editar código-fonte]Trajetória
[editar | editar código-fonte]Mikhail Bakunin é possivelmente a figura mais notória da história do anarquismo, e ao lado de seu engajamento político, possuiu também amplas relações com importantes intelectuais europeus da sua época, e um papel significativo no desenvolvimento da história da filosofia no século XIX. Ele é representativo de um amplo grupo de intelectuais Russos influenciados por Hegel, como Ivan Turgenev, Alexander Herzen, Vissarion Belinsky e Dostoiévski.[6] Bakunin iniciou seus estudos filosóficos na Universidade de Moscou, em 1835, onde conheceu e foi influênciado pelo circulo de estudantes em torno do poeta e filósofo Nikolai Stankevich, que teve uma influência importante na difusão do pensamento de Georg Wilhelm Friedrich Hegel na Rússia da época. Bakunin cultivou um interesse pela filosofia alemã, abrangendo o estudo de Kant, Fichte e Schelling. Ele chegou à traduzir para o Russo, em 1836, o texto de Fichte Lições sobre a vocação acadêmica, como também traduziu, em 1838, os textos das Lições de Ginásio de Hegel, dadas pelo filósofo no colégio de Nuremberg, para o qual Bakunin escreveu um prefácio, onde expõe suas primeiras reflexões sobre o uso crítico da filosofia para combater da alienação moderna.[7] Em 1840 ele foi estudar na Universidade de Berlim, onde conheceu alguns dos principais alunos de Hegel. Em Estatismo e Anarquia Bakunin oferece um testemunho da sua experiência em Berlim, e do lugar da universidade em meio à política da Prússia de então. Ele frequentou as aulas do hegeliano Karl Werder, e também, brevemente, de Schelling.[7] As pesquisas acadêmicas sobre o pensamento de Bakunin tem comumente dividido seu período de estudos filosóficos em Berlim da sua radicalização tardia e desenvolvimento da teoria anarquista. Outras abordagens afirmam uma maior continuidade na formação filosófica e política de Bakunin, indicando seu conhecimento prévio do pensamento Hegeliano ainda em Moscou.[8]
Entre 1842 e 1844 Bakunin viveu em Dresden, onde trabalhou junto com Arnold Ruge na publicação de um jornal, em seus artigos ele expunha sua apreciação da filosofia hegeliano, tratando-a como o auge da filosofia de sua época, em que a concepção de dialética e a explicação imanente da história favoreceriam um movimento do pensamento para a ação no mundo, e constituiria um apelo para a rebelião contra a ordem repressiva do mundo.[9] No inicio de 44 o jornal foi proibido, e tanto Bakunin como Ruge se mudaram para Paris. Lá eles conheceram Proudhon e Karl Marx, que passaram à influenciar profundamente Bakunin. Nesse mesmo ano o governo da Rússia ordenou o retorno de Bakunin ao país, que foi logo condenado in absentia ao não cumprir com a ordem. Em 1847 ele foi expulso da França, e passou para Bruxelas, após criticar publicamente o Estado russo pela repressão dos Poloneses. Esse foi um momento de intensa atividade política para Bakunin, que viajou por diversos países encorajando insurreições. Ele acabou preso em 1849 e extraditado para a Rússia, onde ficou detido na Fortaleza de São Pedro e São Paulo até 1857, quando foi exilado na Sibéria, escapando apenas em 1864. É nesse período após a fuga que Bakunin passou à morar em diversos lugares da Europa ocidental, e teve o auge de seu engajamento político no movimento socialista e no estabelecimento do anarquismo.[9]
Crítica ao Idealismo
[editar | editar código-fonte]A crítica do idealismo foi um dos pontos centrais da filosofia madura de Bakunin, seus escritos desse período, como Deus e o Estado (1871), são permeados pela defesa do materialismo na forma que era concebido nas ciências naturais de sua época, acima de tudo pelo evolucionismo Darwinista.[10] Bakunin promove uma explicação imanente do humano, localizando-o no contínuo do desenvolvimento da natureza, enquanto a forma mais complexa existente no momento. Bakunin afirma, ainda assim, em acordo com Hegel, que o desenvolvimento do humano representa um distanciamento da natureza animal, e uma negação gradual dessa animalidade, processo necessário para a formação do espírito.[10] Em Deus e o Estado, Bakunin trabalha esse tema através da interpretação do mito bíblico da Queda do homem, reafirmando alguns elementos da interpretação que Hegel havia feito antes.
Filósofos anarquistas e de inspiração libertária
[editar | editar código-fonte]- Nathan Jun
- Chiara Bottici
- Miguel Abensour
- John Clark
- Silvio Gallo
- Jesse S. Cohn
- Daniel Colson
- Paul Mclauglin
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ Jun, p. 45.
- ↑ Jun, p. 48.
- ↑ a b Jun, p. 49.
- ↑ a b Jun, p. 50.
- ↑ a b c d J. Jun, Nathan (2016). «On Philosophical Anarchism». Radical Philosophy Review. 29 (3). doi:10.5840/radphilrev201521928
- ↑ Steward 2021, p. 229.
- ↑ a b Steward 2021, p. 230.
- ↑ Steward 2021, p. 231.
- ↑ a b Steward 2021, p. 232.
- ↑ a b Steward 2021, p. 233.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Jun, Nathan (2010). «Anarchist Philosophy: Past, Problems and Prospects». Anarchism and Moral Philosophy. [S.l.]: Palgrave Macmillan. pp. 45–66
- Stewart, Jon (2021). «Bakunin's Theory of Anarchy». Hegel's Century - Alienation and Recognition in a Time of Revolution. [S.l.]: Cambridge University Press. pp. 229–257. ISBN 978-1-316-51998-1
- Hoppen, Franziska (2021). Liminality and the Philosophy of Presence. [S.l.]: Routledge. ISBN 9781003039839
- Vaccaro, Salvo (2012). «ANARQUISMO E ONTOLOGIA». POLÍTICA & TRABALHO (36): pp.91-102. Consultado em 20 de maio de 2022
- Brito, Luciana (2016). «OS ANARQUISTAS ORDENAM O MUNDO: A FILOSOFIA DE PROUDHON E BAKUNIN». Em curso - Revista da Graduação em Filosofia da UFSCar (3)
- , Vários (2015). Plastic materialities: Politics, legality, and metamorphosis in the work of Catherine Malabou. [S.l.]: Duke University Press
- , Vários (2021). Unchaining Solidarity and Mutual Aid: Reflections on Anarchism with Catherine Malabou. [S.l.]: Rowman & Littlefield