Antônio Conselheiro – Wikipédia, a enciclopédia livre
Antônio Conselheiro | |
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A única foto conhecida de Antônio Conselheiro, místico rebelde e líder espiritual do arraial de Canudos (1893-1897), Bahia, Brasil. Foto tirada duas semanas após sua morte, pelo fotógrafo Flávio de Barros, a serviço do Exército. | |
Nome completo | Antônio Vicente Mendes Maciel |
Nascimento | 13 de março de 1830 Nova Vila de Campo Maior, Província do Ceará, Império do Brasil |
Morte | 22 de setembro de 1897 (67 anos) Canudos, Província da Bahia, Primeira República Brasileira |
Nacionalidade | brasileiro |
Ocupação | Líder religioso |
Antônio Vicente Mendes Maciel (Nova Vila de Campo Maior, 13 de março de 1830 — Canudos, 22 de setembro de 1897), mais conhecido como Antônio Conselheiro, também se autodenominando "O Peregrino",[1] foi um líder religioso brasileiro.[2] Figura carismática, adquiriu uma dimensão messiânica ao liderar o arraial de Canudos, um pequeno vilarejo no sertão da Bahia que atraiu milhares de sertanejos, entre camponeses, indígenas e escravos recém-libertos, e que foi destruído pelo Exército da República, na chamada Guerra de Canudos, em 1897.[3]
A imprensa dos primeiros anos da República e muitos historiadores retrataram-no como um louco, fanático religioso e contrarrevolucionário monarquista perigoso. No dia 14 de maio de 2019, a Lei 13 829/19 incluiu Antônio Conselheiro no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.[4]
Biografia
[editar | editar código-fonte]Infância e vida no Ceará
[editar | editar código-fonte]Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em 13 de março de 1830, na cidade de Quixeramobim, então um pequeno povoado perdido em meio à caatinga do sertão central da paupérrima província do "Ceará Grande". Desde o início da vida, seus pais queriam que Antônio seguisse a carreira sacerdotal,[2] pois entrar para o clero era naquela época uma das poucas possibilidades que os pobres tinham para ascender socialmente. Com a morte de sua mãe, em 1834, a meta de transformar Antônio Vicente em padre teve seu fim. Em 1855 morreu o pai de Antônio, e aos 25 anos de idade ele abandonou os estudos e assumiu o comércio da família, o que malogrou de vez quaisquer sonhos sacerdotais.
Em 1857, Antônio casou-se com Brasilina Laurentina de Lima, jovem filha de um tio seu. No ano seguinte, o jovem casal mudou-se para Sobral, onde Antônio Vicente passou a viver como professor do primário, dando aulas para os filhos dos comerciantes e fazendeiros da região, e mais tarde como advogado prático, defendendo clientes em troca de pequena remuneração. Mudou-se constantemente em busca de melhores mercados para seus ofícios; primeiro foi para Campo Grande (atual Guaraciaba do Norte),[2] depois Santa Quitéria e finalmente Ipu, então um pequeno povoado localizado na divisa entre os sertões pecuaristas e a fértil Serra da Ibiapaba. Em 1861 ele flagrou a sua mulher em traição conjugal com um sargento de polícia, em sua residência na Vila do Ipu Grande. Envergonhado, humilhado e abatido, abandonou o Ipu e foi procurar abrigo nos sertões dos Cariris, já naquela época um polo de atração para penitentes e flagelados, iniciando aí uma vida de peregrinações pelos sertões do nordeste.[3]
Peregrinações
[editar | editar código-fonte]Em Sergipe, no ano de 1874, o jornal O Rabudo trouxe a primeira menção pública de Antônio Maciel como penitente conhecido nos sertões:
- Há seis meses que por todo o centro desta Província e da Província da Bahia, chegado (diz ele) do Ceará, infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antônio dos Mares. O que, a vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito, tem dado lugar a que o povo o trate por S. Antônio dos Mares. Esse misterioso personagem, trajando uma enorme camisa azul que lhe serve de hábito à forma do de sacerdote, pessimamente suja, cabelos mui espessos e sebosos entre os quais se vê claramente uma espantosa multidão de bichos (piolhos). Distingue-se pelo ar misterioso, olhos baços, tez desbotada e de pés nus; o que tudo concorre para o tornar a figura mais degradante do mundo.[5]
Já famoso como "homem santo" e peregrino, Antônio Conselheiro foi preso em 1876, nos sertões da Bahia, pois corria o boato de que ele teria matado mãe e esposa. Foi levado para o Ceará, onde se conclui que não há nenhum indício contra a sua pessoa: sua mãe havia morrido quando ele tinha seis anos. Antônio Conselheiro foi posto em liberdade e retornou à Bahia.[2]
Em 1877, o Nordeste do Brasil passou pela Grande Seca, uma das mais calamitosas de sua história; levas de flagelados perambulavam famintos pelas estradas em busca de socorro governamental ou de ajuda divina; bandos armados de criminosos e flagelados promoviam justiça social "com as próprias mãos", assaltando fazendas e pequenos lugarejos, pois pela ética dos desesperados "roubar para matar a fome não é crime". Crescia a notoriedade da figura de Antônio Conselheiro entre os sertanejos pobres. Para eles, o "Bom Jesus", como também passou a ser chamado, seria uma figura santa, um profeta enviado por Deus para socorrê-los.
Com o fim da escravidão, em 1888, muitos libertos e expulsos das fazendas onde trabalhavam sem ter então nenhum meio de subsistência, partiram em busca de Conselheiro.
Arraial de Canudos
[editar | editar código-fonte]Em 1893, cansado de tanto peregrinar pelos sertões e então sendo um "fora da lei", Conselheiro decidiu se fixar à margem Norte do Rio Vaza-Barris, num pequeno arraial chamado Canudos.[6] Nasceu ali uma experiência extraordinária: em Belo Monte (como a rebatizou Antônio Conselheiro, apesar de encontrar-se em um vale cercado de colinas), os desabrigados do sertão e as vítimas da seca eram recebidos de braços abertos pelo peregrino, era uma comunidade onde todos tinham acesso à terra e ao trabalho sem sofrer as agruras dos capatazes das fazendas tradicionais. Um "lugar santo", segundo os seus adeptos. Durante o período em que liderou o povoado de "Belo Monte", escreveu os "Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Salvação dos Homens",[7][8] que consiste de uma coletânea de reflexões sobre temas diversos, de matiz fundamentalmente religioso.
O lugar atraiu milhares de agricultores pobres, índios e escravos recém-libertos, que começaram a construir uma comunidade igualitária inspirada no exemplo da doutrina Católica. Por meio do trabalho comunitário, conseguiu-se que ninguém passasse fome. Tratava-se de uma comunidade rural, com uma economia autossustentável, baseada na solidariedade. A religião era um instrumento da libertação social.[9]
A Guerra de Canudos
[editar | editar código-fonte]Em 1896 ocorreu o episódio que desencadeou a Guerra de Canudos: em 24 de novembro foi enviada a primeira expedição militar contra o povoado, sob comando do Tenente Pires Ferreira. Mas a tropa foi surpreendida pelos fiéis de Antônio Conselheiro, durante a madrugada, em Uauá. Após um combate corpo a corpo são contados mais de cento e cinquenta cadáveres de conselheiristas. Do lado do exército morreram oito militares e dois guias. Estas perdas, embora consideradas "insignificantes quanto ao número", nas palavras do comandante, ocasionaram o retiro das tropas.[10] Em 29 de dezembro de 1896 teve início uma segunda expedição militar.[3] Assim como a primeira, esta foi violentamente debelada pelos conselheiristas.
No ano seguinte ocorreu a terceira expedição, comandada pelo coronel Antônio Moreira César, conhecido como "o Corta-Cabeças", por suas façanhas na Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul. Mas, acostumado aos combates tradicionais, Moreira César não estava preparado para eliminar Canudos e foi abatido por tiros certeiros de homens leais a Antônio Conselheiro. A tropa fugiu em debandada, deixando para trás armamentos e munição. Para os conselheiristas, tratava-se de uma prova cabal da santidade do beato de Belo Monte. Em 5 de abril de 1897 ocorreu a quarta e última expedição, desta vez o cerco foi implacável; até muitos dos que se renderam foram mortos; eliminar Canudos e seus habitantes tornou-se uma questão de honra para o exército.[3]
Morte
[editar | editar código-fonte]Em 22 de setembro de 1897, morreu Antônio Conselheiro. Não se sabe ao certo qual foi a causa, mas as razões mais citadas são ferimentos causados por uma granada e uma forte "caminheira" (disenteria).
Em 5 de outubro de 1897 foram mortos os últimos defensores de Canudos, com o exército iniciando a contagem das casas do arraial. No dia seguinte o cadáver de Antônio Conselheiro foi encontrado enterrado no Santuário de Canudos, sua cabeça foi cortada e levada até a Faculdade de Medicina de Salvador para ser examinada pelo Dr. Nina Rodrigues, pois para a ciência da época, "a loucura, a demência e o fanatismo" deveriam estar estampados nos traços de seu rosto e crânio (vide frenologia). O arraial de Canudos foi completamente destruído.
Em 3 de março de 1905, um incêndio na antiga Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, em Salvador (BA), destruiu a cabeça de Antônio Conselheiro.
Nina Rodrigues, uma célebre autoridade sanitária da época, diagnosticou Maciel como portador de uma psicose sistemática progressiva.[11]
Memorial Antônio Conselheiro
[editar | editar código-fonte]Há dois centros culturais relacionados a Antônio Conselheiro e à Guerra de Canudos; um está localizado em Quixeramobim, no interior do Ceará, que conta a história de seu filho ilustre e está situado no centro da cidade. O imóvel, tombado pelo Ministério da Cultura em 2006, foi a casa em que Antônio Conselheiro nasceu e viveu até os seus 27 anos de idade. Após o tombamento, foi criada no local a Casa de Cultura e Memorial do Sertão Cearense.[12] O outro centro cultural está situado em Canudos, Bahia, criado pelo Decreto 33 333, de 30 de junho de 1986 (publicado no Diário Oficial de 1º de julho), mantido e administrado em parceria com a UNEB.
Lenda
[editar | editar código-fonte]Com o passar do tempo, a casa de Antônio Conselheiro em Quixeramobim foi se tornando palco de contos de assombração. Acredita-se na cultura popular que a casa abriga espíritos e que existem tesouros enterrados em vasos de barro. Essas histórias passaram a fazer parte do folclore local.[13]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ NOGUEIRA, Ataliba, António Conselheiro e Canudos. São Paulo, Editora Atlas S.A., 1997
- ↑ a b c d Thais Pacievitch (8 de julho de 2008). «Antônio Conselheiro». InfoEscola. Consultado em 22 de setembro de 2012
- ↑ a b c d «Antônio Conselheiro». UOL - Educação. Consultado em 22 de setembro de 2012
- ↑ «Antônio Conselheiro entra para o panteão de heróis da pátria». Câmara dos Deputados do Brasil
- ↑ Silva, Manoel Lopes de Sousa (22 de novembro de 1874). O Rabudo (7)
- ↑ NOVAIS SAMPAIO, Consuelo. Canudos - Cartas para o Barão, páginas 231-232.
- ↑ Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - OS APONTAMENTOS DA DIVINA LEI DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO SEGUNDO ANTONIO CONSELHEIRO: TRAZENDO À TONA UM MANUSCRITO CENTENÁRIO. Gisele da Silva & Pedro Lima Vasconcellos. Acessado em 13/03/2018.
- ↑ Canudos: subsídios para a sua reavaliação histórica. Fundação Casa de Rui Barbosa, colaborador: José Augusto Vaz Sampaio Neto. 1986, pág.18, ISBN 9788570040923 Adicionado em 13/03/2018.
- ↑ Os santos do povo: padre Ibiapina, Antonio Conselheiro e Padre Cícero, acesso em 14 de janeiro de 2015.
- ↑ PIRES FERREIRA, Manuel da Silva. Relatório do Tenente Pires Ferreira, comandante da 1a Expedição contra Canudos. Quartel da Palma, 10 de dezembro de 1896.
- ↑ Rodrigues, R. Nina (2006). As Coletividades Anormais 🔗. Col: Edições do Senado Federal. Brasília, DF: Senado Federal, Conselho Editorial (publicado em 1939). 208 páginas
- ↑ «Homenagem a António Conselheiro». quixeramobimnews.com. 2 de fevereiro de 2018. Consultado em 6 de março de 2018. Cópia arquivada em 6 de março de 2018
- ↑ Jotabê Medeiros (9 de janeiro de 2006). «Ceará tomba a casa de Antonio Conselheiro». O Estado de S. Paulo. Ministério da Cultura. Consultado em 6 de março de 2018. Cópia arquivada em 6 de março de 2018
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Cunha, Euclides da. Os Sertões; 1866 – 1909. Os Sertões;- Campanha de Canudos- 17ª ed. Rio de Janeiro. Ediouro, 1995.
- Paro, Iana Cossoy: Antônio Conselheiro. Ver. Caros Amigos; Rebeldes Brasileiros; fascículo 2. Ed. Casa Amarela, S. P. Sem data de publicação.
- Fonseca Aleilton. Os Sertões: as prédicas de Antônio Conselheiro e a poesia de Canudos UFBA, Olho da historia nº3
- Olavo, Antônio Acervo virtual da história de Canudos
- Boaventura, Edivaldo. O Parque Estadual de Canudos disponível em html e em E-Book tipo pdf
- Pordeus, Ismael. Escritos sobre Antônio Conselheiro e a Matriz de Quixeramobim. Coleção Outras Histórias, vol.65, Museu do Ceará, Secretaria de Cultura do Ceará. 2011.
- A Guerra do Fim do Mundo - Mario Vargas Llosa.