Carne artificial – Wikipédia, a enciclopédia livre

Carne cultivada, também conhecida como carne de laboratório, carne de cultura ou ainda carne artificial, é a carne produzida por cultura de células in vitro de células animais, em vez de de animais abatidos.[1] Ou seja, é uma carne que nunca foi parte de um animal vivo completo. A carne cultivada é produzida baseada em muitas das mesmas técnicas de engenharia de tecidos tradicionalmente usadas na medicina regenerativa.[2] O conceito de carne cultivada foi popularizado por Jason Matheny no início de 2000 após a coautoria de um artigo seminal[3] sobre a produção de carne cultivada e a criação da New Harvest, a primeira organização sem fins lucrativos do mundo dedicada a apoiar a pesquisa de carne in vitro.[4]

Em 2013, Mark Post, um professor da Universidade de Maastricht, foi o primeiro a apresentar uma prova de conceito para carne cultivada, criando o primeiro hambúrguer cultivado diretamente de células. Desde então, vários protótipos de carne cultivada ganharam a atenção dos meios de comunicação de massa. Muitos biólogos alegam que esta tecnologia está pronta para uso comercial e simplesmente precisa de uma companhia para apoiar isso. Segundo estes, a produção de carne criada em laboratório poderia até mesmo ser mais barata que a carne comum, considerando que na carne tradicional, os custos incluem o crescimento do animal e a proteção ambiental (significando que há poucos pontos negativos associados à carne in vitro).

O processo de produção ainda tem muito espaço para melhorias, mas tem avançado em várias empresas.[5] Suas aplicações levam a ter várias considerações morais, de saúde, ambientais, culturais e econômicas prospectivas em comparação com a carne convencional.[6] Os grupos defensores dos animais são a favor da carne cultivada, pois ela não possui um sistema nervoso, e por isso não pode sentir dor.[7][8] O objetivo da carne de laboratório não é atingir o público vegetariano, mas sim os "adoradores de carne". Eles procuram criar uma alternativa com bom preço, sabor agradável e valor nutricional compatível com o da carne natural. Tanto Brown quanto Post classificaram a criação de animais para a produção de carne como obsoleta e inimiga do ambiente. Um quinto das emissões globais de gases com efeito estufa está ligado à prática, que também consome muita água.[9][10]

Em dezembro de 2020, Singapura tornou-se o o primeiro país do mundo a aprovar a comercialização de carne cultivada em laboratório.[11][12][13][14]

Atualmente, uma das principais técnicas mais promissoras para o cultivo de carnes de laboratório é a bioimpressão. Utilizando-se de bioimpressoras de tecidos, pesquisadores células-tronco de animais para criar alimentos com texturas, cores e sabores semelhantes ao adquiridos da proteína animal.[15] Após o cultivo das células, estas são adicionadas à uma pasta, conhecida como biotinta, que contém aditivos que permitem a sobrevivência do material orgânico e compostos que dão resistência e maleabilidade ao tecido que será impresso. Após a impressão, o material é deixado para crescer e se desenvolver até que atinja o ponto ideal para comercialização, onde estará perfeito para cozimento.

No entanto, a discussão sobre o futuro dessa inovadora técnica de produção de alimentos está longe de alcançar um consenso definitivo. Enquanto alguns enxergam seus benefícios como promessas revolucionárias, outros expressam preocupações sobre suas implicações a longo prazo. Uma das vantagens mais proeminentes é a sua capacidade de oferecer alimentos mais seguros para os consumidores. Ao eliminar a presença da Escherichia Coli e minimizar o risco de contaminação por antibióticos usados na criação de gado, essa abordagem pode ajudar a prevenir surtos de doenças transmitidas por alimentos. [16]

Além disso, a produção de alimentos utilizando essa técnica permite um controle mais preciso dos níveis de gordura e colesterol. Essa regulamentação não só contribui para a criação de produtos mais saudáveis, mas também ajuda a mitigar potenciais problemas de saúde associados ao consumo excessivo dessas substâncias.[16]

Do outro lado da moeda, pode-se avaliar os argumentos contrários à implantação da técnica de carne cultivada. Alguns questionam os impactos no bem-estar animal e a perda de empregos no setor agrícola tradicional. Além disso, a dependência crescente da tecnologia pode levantar preocupações sobre a segurança alimentar em caso de falhas sistêmicas. No entanto, muitos defensores argumentam que essa técnica poderia desempenhar um papel crucial na alimentação global, especialmente à medida que enfrentamos desafios como a mudança climática e o crescimento populacional.[16]

Assim, enquanto o potencial dessa técnica é inegável, seu futuro permanece sujeito a um intenso debate e avaliação de seus impactos tanto positivos quanto negativos.

Em fevereiro de 2012 Mark Post, pesquisador da Maastricht University, nos Países Baixos, afirmou que apresentaria o primeiro hambúrguer de laboratório em agosto de 2012.[9][10] Houve desavença entre grupos concorrentes durante uma apresentação conjunta na reunião da AAAS (Associação Americana para o Progresso da Ciência) em Vancouver, no Canadá[17] A afirmação deu margem para que Patrick Brown, da Faculdade de Medicina da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, criticasse o outro cientista. Brown afirmou que seu grupo trabalhava com um método mais eficiente e barato, e que já havia inclusive experimentado a carne cultivada.[17]

Primeira carne cultivada apresentada ao público em agosto de 2013.[18]

No entanto, o primeiro hambúrguer in vitro apenas foi apresentado ao mundo um ano após o tempo previsto, em agosto de 2013, pela equipe de Mark Post.[18] O primeiro restaurante a servir carne cultivada está em Israel.[19][20]

Em dezembro de 2020, o governo de Singapura concedeu a Eat Just Inc., uma start-up de San Francisco, a aprovação regulatória para vender carne de frango produzida a partir de cultura celular de nuggets em biorreatores pela empresa californiana.[11][12] Dessa forma, a cidade-estado asiática tornou-se o primeiro país do mundo a permitir a venda de carne cultivada.[11][13][14]

Em 2021, as duas maiores empresas brasileiras de carne, BRF e JBS iniciaram investimentos em carne de cultura e podem chegar ao consumidor até 2024. A BRF investiu através da empresa israelita Aleph Farms,[21] enquanto a JBS investiu através da empresa espanhola BioTech Foods.[22][23] Também houve a iniciativa da startup brasileira Ambi Real Food em Porto Alegre.[24][25]

Referências

  1. Datar, I (Janeiro de 2010). «Possibilities for an in vitro meat production system». Innovative Food Science & Emerging Technologies. 11 (1): 13–22. doi:10.1016/j.ifset.2009.10.007 
  2. Post, Mark (4 de dezembro de 2013). «Medical technology to Produce Food». Journal of the Science of Food and Agriculture. 94 (6): 1039–1041. PMID 24214798. doi:10.1002/jsfa.6474 
  3. Edelman, PD (3 de maio de 2005). «Commentary: In Vitro-Cultured Meat Productionsystem». Tissue Engineering. 11 (5–6): 659–662. CiteSeerX 10.1.1.179.588Acessível livremente. PMID 15998207. doi:10.1089/ten.2005.11.659. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  4. Schonwald, Josh (Maio de 2009). «Future Fillet». The University of Chicago Magazine 
  5. «Future Food - In Vitro Meat». futurefood.org. Novembro de 2018. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  6. Rohrheim, A (Junho de 2016). «Cultured Meat». Sentience Politics. Consultado em 6 de dezembro de 2020. Cópia arquivada em 1 de dezembro de 2018 
  7. Lab-Grown Meat a Reality, But Who Will Eat It?Em inglês
  8. «ONG promete prêmio a possível criador de "carne in vitro». Folha de S.Paulo. 21 de abril de 2008. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  9. a b «Cientistas querem criar hambúrguer artificial ainda neste ano». Terra. Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  10. a b «Hambúrguer artificial ficará pronto neste ano -». gazetaonline.globo.com. Consultado em 31 de janeiro de 2020 
  11. a b c Damian Carrington (2 de dezembro de 2020). «No-kill, lab-grown meat to go on sale for first time». The Guardian. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  12. a b Amy Woodyatt; Danielle Wiener-Bronner (2 de dezembro de 2020). «Singapore becomes first country to approve lab-grown meat». CNN. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  13. a b AFP (2 de dezembro de 2020). «Singapura autoriza venda de carne de frango artificial». G1. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  14. a b «Cingapura é primeiro país a aprovar venda de carne de laboratório». DW. 3 de dezembro de 2020. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  15. «UNICREA | UNICREA | Notícias». unicrea.crea-sc.org.br. Consultado em 21 de abril de 2024 
  16. a b c Enrici, Arthur (19 de julho de 2022). «Carne Cultivada em Laboratório: Um possível caminho para um mundo mais sustentável». Blog Profissão Biotec. Consultado em 21 de abril de 2024 
  17. a b «Hambúrguer artificial vai sair neste ano, diz cientista holandês». Folha de S.Paulo. 24 de fevereiro de 2012. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  18. a b «Primeiro hambúrguer criado em laboratório é degustado em Londres». Gaúcha ZH. 5 de agosto de 2013. Consultado em 6 de dezembro de 2020 
  19. Chalmers University of Technology (7 de setembro de 2011). «Growing meat in the lab: Scientists initiate action plan to advance cultured meat». Science Daily 
  20. Bekker, Gerben A.; Tobi, Hilde; Fischer, Arnout R.H. (Julho de 2017). «Meet meat: An explorative study on meat and cultured meat as seen by Chinese, Ethiopians and Dutch». Appetite. 114: 82–92. PMID 28323057. doi:10.1016/j.appet.2017.03.009 
  21. «Brazil's BRF makes $2.5 million bet on Israel's Aleph Farms». Reuters (em inglês). 7 de julho de 2021. Consultado em 19 de setembro de 2022 
  22. Azevedo, G (18 de novembro de 2021). «JBS anuncia investimento de US$ 100 milhões em carne de laboratório». Canal Rural. Consultado em 19 de setembro de 2022 
  23. «JBS entra no mercado de proteína cultivada com aquisição da BioTech Foods e construção de fábrica na Europa». JBS Media Room. 18 de novembro de 2021. Consultado em 19 de setembro de 2022 
  24. Pio, J. «Startup de carne de laboratório 100% brasileira disputa mercado com estrangeiras - Geral». Estadão. Consultado em 19 de setembro de 2022 
  25. «Carne cultivada em laboratório deve chegar ao mercado brasileiro em 2024». foodconnection.com. 25 de maio de 2022. Consultado em 19 de setembro de 2022 
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