Constituição brasileira de 1937 – Wikipédia, a enciclopédia livre

Constituição do Brasil

Capa da Constituição de 1937
Visão geral
Título original Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
Jurisdição Estados Unidos do Brasil
Ratificado 10 de novembro de 1937 (87 anos)
Sistema República federativa presidencialista sob uma ditadura autoritária
Estrutura do governo
Poderes Três (executivo, legislativo (limitado) e judiciário)
Câmaras Bicameral: Câmara dos Deputados e Conselho Federal
Executivo Presidente da República
Judiciário Supremo Tribunal Federal
Federação Sim
Colégio eleitoral Sim
Cláusulas pétreas 1
Histórico
Emendas 0[nota 1]
Autor(es) Francisco Campos
Signatários
Antecessor(a) Constituição brasileira de 1934
Sucessor(a) Constituição brasileira de 1946
Mídia
Documento no Commons
Texto completo

A Constituição Brasileira de 1937, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, mesmo dia em que implanta o período do Estado Novo, é a quarta Constituição do Brasil e a terceira da república, de conteúdo pretensamente democrático. Era, no entanto, uma carta política eminentemente outorgada, mantenedora das condições de poder do presidente Getúlio Vargas. A Constituição de 1937, que recebeu o apelido de “Polaca” por ter sido inspirada no modelo semifascista polonês, era extremamente centralizadora e concedia ao governo poderes praticamente ilimitados. Foi redigida pelo jurista Francisco Campos, ministro da Justiça do novo regime, e obteve a aprovação prévia de Vargas e do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra.

A Constituição de 1937 foi a primeira que republicana autoritária que o Brasil teve, atendendo a interesses de grupos políticos desejosos de um governo forte que beneficiasse os dominantes e mais alguns, que consolidasse o domínio daqueles que se punham ao lado de Vargas. A principal característica dessa constituição era a enorme concentração de poderes nas mãos do chefe do Executivo. Seu conteúdo era fortemente centralizador, ficando a cargo do presidente da República a nomeação das autoridades estaduais, os interventores. A esses, por sua vez, cabia nomear as autoridades municipais.

O Governo Vargas caracterizou-se desde o início pela centralização do poder, mas ele foi ao extremo com a ditadura de 1937 e 1945, o Estado Novo — nome copiado da ditadura de António Salazar em Portugal. Com essa Constituição, Getúlio implantou um regime autoritário de inspiração fascista que durou até ao fim da Segunda Guerra Mundial e consolidou seu governo, que começara, "provisoriamente", em 1930.

Após a queda de Vargas e o fim do Estado Novo em outubro de 1945, foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, paralelamente à eleição presidencial. Eleita a Constituinte, seus membros se reuniram para elaborar uma nova constituição, que entrou em vigor a partir de setembro de 1946. A Constituição de 1937 deu origem a vários acontecimentos na História política do Brasil que têm consequências até hoje. E, principalmente, formou o grupo de oposição a Getúlio que culminou no golpe militar de 1964. Este, por sua vez, deu origem à Constituição de 1967, a outra constituição republicana autoritária.

Contexto histórico

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Ver artigo principal: Ameaça comunista no Brasil

A sucessão presidencial que se preparava para 1938, quando Vargas entregaria o poder a um sucessor civil, já tinha dois candidatos: o governador de São Paulo, Armando Salles de Oliveira e o candidato governista, José Américo de Almeida. Mas Getúlio não deu atenção nem a um nem a outro, com a intenção de esvaziar as duas candidaturas. Preparava, sim, terreno para a continuidade de seu governo; e após várias reuniões nas cúpulas do poder, determinou-se que ela só seria possível através de um golpe de estado: o golpe do Estado Novo.

Uma das causas para a instalação do Estado Novo foi a crescente ameaça comunista, verificada não em um, mas em vários episódios ocorridos entre 1934 e 1937.

O Congresso permitira anistia aos antigos perseguidos políticos, entre eles Luís Carlos Prestes, tenentista, líder da Coluna Prestes, que estava filiando-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Sob a orientação da Internacional Comunista, de agentes comunistas estrangeiros e da direção nacional do PCB, foi fundada a ANL (Aliança Nacional Libertadora), tendo Prestes como presidente de honra, com o objetivo de organizar a revolta armada contra o governo de Vargas e formar um governo popular.

A ANL realizou uma insurreição em novembro de 1935, com levantes no Rio de Janeiro e em Natal, quando militares foram friamente assassinados enquanto dormiam em seus alojamentos,[carece de fontes?] todos deflagrados rapidamente (embora a capital potiguar tenha ficado três dias sob controle de um governo comunista). Esmagando a revolta com facilidade, Vargas usou-a como justificativa para a criação da Lei de Segurança Nacional de 1935, aprovada no Congresso alguns meses antes, que pôs a Constituição do ano anterior em suspensão de validade e permitiu a ele fechar a ANL.

A campanha alarmista da ameaça comunista chegou ao seu auge em 30 de setembro de 1937, quando foi divulgado o chamado "Plano Cohen". Esse plano seria uma estratégia comunista orientada pela URSS para a tomada do poder e inauguração de uma espécie de "república soviética brasileira". O Plano era na verdade uma farsa redigida pelo militar integralista Olímpio Mourão Filho, que mais tarde desencadearia o golpe militar de 31 de março de 1964. Seu nome é uma versão incorreta do nome Kun, de Bela Kun, que foi dirigente de um curto regime comunista na Hungria em 1919 (disseram a Mourão que "Cohen" era a versão judaica de "Kun" e que, assim, além de reforçar o anticomunismo, o integralista ainda poderia despertar o antissemitismo). Foi divulgado no rádio e em jornais governistas, fazendo o ministro da Guerra (futuro presidente Eurico Gaspar Dutra) e o chefe das Forças Armadas, General Góis Monteiro, encaminharem ao Congresso a decretação de um "estado de guerra" no território nacional, aprovada por quase três quartos dos parlamentares.

Cinquenta dias depois, com apoio dos integralistas, dos militares conservadores, da burguesia industrial e de interventores/governadores de vários estados, Vargas mandou a polícia cercar a Câmara, impôs recesso ao poder legislativo e outorgou a nova Constituição.

Elaboração e decretação

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A carta de 37 foi elaborada e redigida em sua maior parte por Francisco Campos (que mais tarde elaboraria também atos institucionais da ditadura militar iniciada em 1964), com a ajuda de líderes integralistas, um ano antes do golpe. Logo após a outorga da Constituição, Campos foi nomeado ministro da Justiça — cargo em que deve ter tido muito pouco trabalho, pois sua própria carta subordinava a Justiça aos mandos do Executivo.

Sua inspiração veio, em maior parte, da legislação fascista do ditador polonês Józef Piłsudski, e uma parte das leis do regime de Mussolini na Itália. Mas, acima de tudo, era uma constituição que tinha tudo aquilo que os positivistas de 1889 queriam: uma república com um Executivo forte, militarista, conservadora e autoritária. Ou seja, finalmente a corrente positivista, autoritária e caudilhista de Júlio de Castilhos e Flores da Cunha (e outros sob a influência do castilhismo e do Colégio Militar de Porto Alegre, onde estudaram todos os presidentes do regime militar pós-64) chegava ao poder.

Nesse sentido, o Estado Novo não teve elementos típicos do totalitarismo fascista europeu: nem partido único, nem mobilização das massas e nem projetos expansionistas — o Estado Novo foi mais um regime paternalista autoritário.

Classificação e disposições principais

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A constituição brasileira de 1937, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, caracterizou-se basicamente em uma república autoritária, atendendo a interesses de grupos políticos que ambicionavam um governo forte que consolidasse o domínio daqueles que se mostravam ao lado do presidente.

Segundo Paulo Bonavides em sua obra Curso de Direito Constitucional, como Constituição outorgada, a Carta de 1937:

“[...] representa na tela do constitucionalismo um largo esboço de limitação da autoridade do governante. O rei, príncipe ou Chefe de Estado enfeixa em suas mãos poderes absolutos, mas consente unilateralmente em desfazer-se de uma parcela de suas prerrogativas ilimitadas, em proveito do povo, que entra assim no gozo de direitos e garantias, tanto jurídicas como políticas, aparentemente por obra apenas e graça da munificência real.”

Se for feita uma análise do ponto de vista jurídico, a Constituição outorgada é um ato unilateral de uma vontade política soberana, no caso, a do outorgante. Do ponto de vista político, no entanto, representa quase sempre uma concessão feita por aquela vontade ao poder popular ascendente. As duas forças conflitantes que entram em um consenso são basicamente o princípio monárquico do absolutismo e o princípio democrático do consentimento. Resumidamente, estamos falando em uma força decadente, e outra emergente.

A respeito da Constituição de 1937, especificamente, podemos destacar como algumas de suas principais disposições a concentração dos poderes executivo e legislativo nas mãos do Presidente da República; o estabelecimento de eleições indiretas para presidente, que terá mandato de seis anos; a admissão da pena de morte; veto ao liberalismo; retira do trabalhador o direito de greve; permite ao governo expurgar funcionários que se opusessem ao regime; previu a realização de um plebiscito para referendá-la, o que na realidade, nunca ocorreu.

O regime do Estado Novo, instaurado pela Constituição de 1937 em pleno clima de contestação da liberal-democracia na Europa, trouxe para a vida política e administrativa brasileira as marcas da centralização e da supressão dos direitos políticos. Foram fechados o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as câmaras municipais. Os governadores que concordaram com o golpe do Estado Novo permaneceram, mas os que se opuseram foram substituídos por interventores diretamente nomeados por Vargas. Os militares tiveram grande importância no novo regime, definindo prioridades e formulando políticas de governo, em particular nos setores estratégicos, como siderurgia e petróleo. Em linhas gerais, o regime propunha a criação das condições consideradas necessárias para a modernização da nação: um Estado forte, centralizador, interventor, agente fundamental da produção e do desenvolvimento econômico. Por todas essas características, muitos ligaram o Estado Novo ao fascismo.

No dia 10 de novembro de 1937, depois de fechar o Congresso e assinar uma nova Constituição, Vargas fez um pronunciamento, transmitido pelo rádio, em que procurava justificar a instauração do novo regime. Em sua "Proclamação ao Povo Brasileiro", defendia a revolução como a única alternativa possível diante do clima de desagregação e de afronta à autoridade em que mergulhara a nação. Referia-se, entre outras coisas, ao perigo do comunismo, lembrando a radicalização política que atingira o país. Anunciava, ainda, uma série de medidas com que pretendia promover o bem-estar e o desenvolvimento da nação.

Entre essas medidas, destacavam-se a submissão dos governadores dos estados ao governo federal e a eliminação dos órgãos legislativos, o que levaria à criação de novas interventorias e departamentos administrativos. O jogo político representativo era eliminado em nome da eficiência e da racionalidade do Estado. O argumento para fortalecer o Poder Executivo era que a Constituição de 1934, com seu liberalismo, o havia enfraquecido e tornado vulnerável aos interesses privados. Por isso fora outorgada a Constituição de 1937, que concentrava o poder político nas mãos do presidente da República.

O golpe foi seguido de uma forte repressão a cargo da polícia política, que atingiu não apenas os comunistas ou os liberais, mas mesmo aqueles que advogavam uma ideologia semelhante à do novo regime e supunham ser seus aliados: os integralistas. Foi assim que, junto com os demais partidos políticos, a Ação Integralista Brasileira foi fechada por decreto presidencial. Em reação, seria deflagrado o Levante Integralista em maio de 1938, logo desbaratado.

A propaganda do regime e a repressão a seus opositores seriam as duas faces do Estado Novo, muito bem representadas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Criado para difundir a ideologia do Estado Novo junto às camadas populares e, a partir do ideário autoritário do regime, contribuir para a construção da identidade nacional, o DIP exercia também uma forte censura aos meios de comunicação, suprimindo eventuais manifestações de descontentamento.

Fiel ao princípio de que era necessário aplacar as disputas políticas para promover o desenvolvimento do país, o governo do Estado Novo também buscou eficiência e racionalidade no plano administrativo. Procurou implantar, no recrutamento do funcionalismo, a lógica da formação profissional, da capacidade técnica e do mérito, em substituição à da filiação partidária ou da indicação política. Para tanto, foi criado em 1938 um órgão especialmente voltado para a reforma e a modernização da administração pública, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Anos mais tarde, a preocupação com a formação de pessoal para atuar na administração daria origem à Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi o desejo de dispor de informações estatísticas confiáveis que levou à valorização do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na área econômica, criaram-se durante o Estado Novo inúmeros conselhos e órgãos técnicos cuja função era promover estudos e discussões, assessorar o governo na elaboração e na execução de suas decisões, e ainda propiciar o acesso de setores empresariais ao aparelho estatal. Das negociações entre governo e empresariado resultariam, por exemplo, a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), destinado a formar mão-de-obra para a indústria, assim como os estudos para a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), destinado a promover a difusão e o aperfeiçoamento do ensino comercial no país.

A tendência à intervenção na atividade econômica, expressa no aparecimento das primeiras companhias estatais, fez com que, a partir de 1937, ficasse difícil separar o binômio Estado e economia.

A imutabilidade e as inovações do texto constitucional

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Elaborada por Francisco Campos, a Constituição de 1937 conservou em seu texto algumas das características das Constituições anteriores, como a tripartição dos poderes, a “presença” do Distrito Federal na administração direta, tendo, no entanto, por sede o Rio de Janeiro. O país continuava laico, e o autor da Constituição de 1937 entende não haver diferença entre plebiscito e referendo, como cita Walter Costa Porto:

“[...] entende-se não haver diferença conceitual entre plebiscito e referendo, utilizando unicamente o primeiro termo para a consulta popular que sobre um ato prévio de órgão estatal, o próprio texto constitucional de 10 de novembro, quer sobre um acontecimento, como a subdivisão ou desmembramento de Estados.”

Além disso, as Constituições anteriores (1824, 1891 e 1934), não faziam referência ao plebiscito, sendo utilizado este mecanismo de participação popular com certa efetividade pela Constituição de 1946. A de 1967 mencionava apenas a consulta prévia às populações, sendo o plebiscito assegurado com maior efetividade na Constituição cidadã de 1988.

Principais características

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De suas medidas principais, pode-se destacar que a Constituição de 1937:

Emendas e modificações

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A emenda de 2 de dezembro do mesmo ano em que a Constituição foi outorgada extinguiu todos os partidos políticos. Quase todos eram efêmeros da República Velha, pois já não restava quase nada do PRP, do PRM ou do PRL, e os demais PS, PD, UDB e outros eram formados apenas em época de eleição e costumavam dissolver-se tão logo estas eram realizadas.

Os dois únicos partidos de projeção nacional em 1937 eram o PCB (Partido Comunista do Brasil) e a AIB (Ação Integralista Brasileira); sendo que o primeiro estava na clandestinidade praticamente desde sua fundação.

No novo Estado também podemos dizer que houve o fim das leis políticas e civis: fim de greves, funcionamento da campanha de nacionalização, controle dos sindicatos e sem eleições para o Legislativo e o Executivo.

Referências

Notas

  1. Nenhuma emenda autorizada pelo Parlamento Nacional.[1]
  • ARRUDA, Marcos; CALDEIRA César. Como Surgiram as Constituições Brasileiras. Rio de Janeiro: FASE. Projeto Educação Popular para a Constituinte, 1986
  • BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda.
  • BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda. 2008.
  • CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Edições Almedina.
  • MOTA, Myriam Becho; BRAICK, Patrícia Ramos. História: das cavernas ao terceiro milênio. 2 ed. São Paulo: Moderna, 2002.
  • WOLKMER, A. C. (org.). Fundamentos de história do direito. 4 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.