Basal (filogenética) – Wikipédia, a enciclopédia livre

Em sistemática filogenética, basal refere-se à direção da base (ou raiz) de uma árvore filogenética enraizada ou de um cladograma. Por exemplo, clado C pode ser descrito como basal dentro de um clado mais abrangente D se sua raiz é diretamente ligada (adjacente) à raiz de D. Se C é um clado basal dentro de D que tem a categoria taxonômica mais baixa de todos os clados basais incluídos em D, C pode ser descrito como o táxon basal daquela categoria incluído em D. Embora deva sempre haver dois ou mais clados igualmente basais divergindo da raiz de todo cladograma, esses clados podem ser marcadamente diferentes em categoria taxonômica ou diversidade de espécies. Maior diversificação pode estar associada com mais novidades evolutivas, mas caracteres ancestrais não devem ser imputados aos membros de um clado menos diverso sem evidência adicional pois não há garantia de que essa suposição seja válida.[1][2][3]

Em geral, clado A é mais basal que clado B se B é um subgrupo do grupo-irmão de A. Dentro de grandes grupos, o termo "basal" pode ser usado de forma menos precisa como sinônimo de 'mais próximo da raiz do que a maior parte dos táxons do grupo', e nesse contexto terminologias como "muito basal" podem aparecer. Um core clade é um clado representando todos os clados com exceção do clado basal de categoria mais baixa dentro de um clado maior.

Um grupo basal forma um grupo-irmão em relação ao resto do clado mais abrangente, como no exemplo abaixo:

Grupo basal

Grupo não-basal 1

Grupo não-basal 2

Grupo não-basal 3

Presume-se nesse exemplo que os ramos terminais do cladograma retratam todos os táxons extantes de uma dada categoria taxonômica dentro do clado; do contrário o diagrama pode ser muito enganoso.

Em filogenia, o termo basal pode ser corretamente aplicado a clados de organismos, mas não a linhagens ou a características individuais possuídas pelos organismos — embora ele possa ser usado de forma errônea dessa forma na literatura técnica. Um grupo basal pode ou não representar uma boa analogia ao último ancestral comum de um clado mais abrangente. Na descrição de caracteres, é preferível usar os termos "ancestral" ou "plesiomórfico" (mas não "basal", ver Críticas) a "primitivo", pois o último pode carregar falsas conotações de inferioridade ou falta de complexidade.

A família de angiospermas Amborellaceae, restrita à Nova Caledônia no sudoeste do Pacífico, é um clado basal de angiospermas extantes, que contém a espécie, gênero, família e ordem mais basais dentro do grupo (de um total de aproximadamente 250.000 espécies de angiospermas). Embora as características de Amborella trichopoda são consideradas importantes fontes de dados para a compreensão da evolução das angiospermas, elas são uma mistura de traços plesiomórficos (arcaicos) e apomórficos (derivados) que só foram distinguidos entre si através da comparação com outras angiospermas e suas posições dentro da árvore filogenética (o registro fóssil poderia potenciamente também ser útil para isso, mas é inexistente nesse caso).[4]

Amborellales

Monocotiledôneas

Magnoliídeas

Eudicotiledôneas

Dentro da família de primatas Hominidae, os gorilas são grupo-irmão dos chimpazés, bonobos e humanos. Essas cinco espécies formam um clado, a subfamília Homininae, da qual Gorilla é o gênero basal. Apesar disso, se a análise não for restrita a gênero, o clado Homo + Pan também é basal. Essa ambiguidade semântica é discutida na seção Críticas.

Humanos (Homo sapiens)

Bonobos (Pan paniscus)

Chimpanzé comum (Pan troglodytes)

Gorila-do-oriente (Gorilla beringei)

Gorila-do-ocidentes (Gorilla gorilla)

Além disso, os orangotangos são um grupo-irmão de Homininae e o gênero basal da família como um todo.

Orangotango (Pongo spp.)

Humanos (Homo sapiens)

Chimpanzés (Pan spp.)

Gorilas (Gorilla spp.)

Ambas as subfamílias Homininae e Ponginae são basal dentro de Hominidae, mas considerando que não é subfamílias não-basais no cladograma é improvável que o termo fosse ser aplicado a elas. Em geral, uma afirmação de que um grupo (ex. orangotangos) é basal, ou diverge primeiro, dentro de outro grupo (ex. Hominidae) pode não fazer sentido a não ser que o nível taxonômico apropriado (no caso, gênero) seja especificado. Se o nível não pode ser especificado, uma descrição mais detalhada dos grupos-irmãos relevantes pode ser necessária.

Neste exemplo, orangotangos diferem dos outros gêneros em sua distribuição eurasiática. Esse fato, além do seu posicionamento basal, fornece uma evidência de que o ancestral comum mais recente dos grandes primatas extantes pode ter tido origem na Eurásia, uma sugestão que é consistente com outras evidências.[5]

Apesar da ubiquidade do termo, alguns sistematas acreditam que sua aplicação para grupos extantes é desnecessária e enganosa.[6] Isso porque um par de clado-irmãos de uma árvore filogenética têm a mesma posição (em termo de categoria taxonômica mais alta dos respectivos clados) e podem ser "girados" livremente ao redor do seu nó comum. O termo tende a ser aplicado quando um clado (o considerado "basal") é menos diverso do que outro clado (esta sendo uma situação em que se esperaria encontrar um táxon basal de categoria taxonômica mínima mais baixa).

O uso do termo basal pode ser ambíguo no sentido de também se referir à direção da raiz da árvore. Como a raiz representa um ancestral hpotético, isso consequentemente pode carregar conotações errôneas de que o grupo-irmão de um clado mais rico em espécie apresenta características ancestrais.[3]

Relevância para a história biogeográfica

[editar | editar código-fonte]
Relação entre biogeografia e filogenia da superfamília de morcegos Noctilionoidea inferida através de dados de sequência de DNA mostrando a posição basal da família malgaxe Myzopodidae. Localidades apenas com membros fósseis são indicadas pelas estrelas vermelhas.

Considerando que as divergências filogenéticas mais antigas em um clado amplamento disperso possivelmente ocorreram em sua região de origem, identificação do(s) clado(s) mais basais em tais grupos pode fornecer dados valiosos sobre sua história biogeográfica. Por exemplo:

  • Aranhas do gênero Amaurobioides estão presentes na África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Chile.[7][8] O clado mais basal é sul-africano; evidências baseadas em sequências de DNA indicam que depois que seus ancestrais sulamericanos chegaram à África do Sul, eles dispersaram para leste de volta para a América do Sul em um intervalo de cerca de oito milhões de anos.[8]
  • Lagartos iguanídeos (sensu lato) estão distribuídos pelas Américas, em Madagascar, e em Fiji e Tonga no sudoeste do Pacífico. As formas malgaxes são basais, com uma data de divergência das outras estimada de cerca de 162 milhões de anos, não muito antes de Madagascar se separar da África.[9] Isso sugere que iguanídeos já tiveram uma ampla distribuição gondwânica; após os representantes malgaxes e do Novo Mundo serem isolados por vicariância, os iguanídeos gondwânicos restantes foram extintos por competição com grupos de lagartos do Velho Mundo. Em contraste, iguanídeos do oeste do Pacífico se encontram dentro do grupo de iguanídeos americanos,[10] aparentemente tendo colonizado as ilhas isoladas onde ocorrem após uma notável dispersão oceânica de dez mil quilômetros.[11][12]
  • Existem 16 espécies de cobras-corais e mais de 65 espécies nas Américas. No entanto, nenhum dos clados americanos são basais, o que sugere que o ancestral do grupo era do Velho Mundo.[13]
  • Existem aproximadamente 238 espécies de marsupiais australidélfios na Australásia e uma espécie na América do Sul (o colocolo). O fato de o colocolo ocupar uma posição basal (espécie, gênero, família e ordem mais basal) na super-ordem é uma evidência importante de que sua origem foi na América do Sul.[14]
  • Apesar da superfampilia de morcegos Noctilionoidea ter mais de 200 espécies no neotrópico, duas na Nova Zelândia e duas em Madagascar, a posição basal do gênero e família malgaxe[15] sugere, juntamente com o registro fóssil, que a superfamília se originou na África.[16]
  1. Baum, D. A. (4 de novembro de 2013). «Phylogenetics and the History of Life». The Princeton Guide to Evolution. [S.l.]: Princeton University Press. p. 57. ISBN 978-1-4008-4806-5. OCLC 861200134 
  2. Crisp, M. D.; Cook, L. G. (março de 2005). «Do early branching lineages signify ancestral traits?». Trends in Ecology & Evolution. 20 (3): 122–128. doi:10.1016/j.tree.2004.11.010 
  3. a b Jenner, Ronald A (2006). «Unburdening evo-devo: ancestral attractions, model organisms, and basal baloney». Development Genes and Evolution. 216: 385–394. doi:10.1007/s00427-006-0084-5 
  4. Essig, F. B. (1 de julho de 2014). «What's so primitive about Amborella. Botany Professor. Consultado em 4 de outubro de 2014 
  5. Moya-Sola, S.; Alba, D. M.; Almecija, S.; Casanovas-Vilar, I.; Kohler, M.; De Esteban-Trivigno, S.; Robles, J. M.; Galindo, J.; Fortuny, J. (16 de junho de 2009). «A unique Middle Miocene European hominoid and the origins of the great ape and human clade». PNAS. 106 (24): 9601–9606. PMC 2701031Acessível livremente. PMID 19487676. doi:10.1073/pnas.0811730106 .
  6. Krell, Frank T.; Cranston, Peter S. (2004). «Which side of the tree is more basal?». Systematic Entomology. 29: 279–281. doi:10.1111/j.0307-6970.2004.00262.x 
  7. Kukso, F. (8 de novembro de 2016). «Seafaring Spiders Made It around the World—in 8 Million Years». Scientific American. Consultado em 10 de novembro de 2016 
  8. a b Kuntner, M.; Ceccarelli, F. S.; Opell, B. D.; Haddad, C. R.; Raven, Robert J.; Soto, E. M.; Ramírez, M. J. (12 de outubro de 2016). «Around the World in Eight Million Years: Historical Biogeography and Evolution of the Spray Zone Spider Amaurobioides (Araneae: Anyphaenidae)». PLOS ONE. 11 (10): e0163740. PMC 5061358Acessível livremente. PMID 27732621. doi:10.1371/journal.pone.0163740 
  9. Okajima, Y.; Kumazawa, Y. (15 de julho de 2009). «Mitogenomic perspectives into iguanid phylogeny and biogeography: Gondwanan vicariance for the origin of Madagascan oplurines». Elsevier. Gene. 441 (1–2): 28–35. PMID 18598742. doi:10.1016/j.gene.2008.06.011 
  10. Schulte, J. A.; Valladares, J. P.; Larson, A. (setembro de 2003). «Phylogenetic Relationships Within Iguanidae Inferred Using Molecular and Morphological Data and a Phylogenetic Taxonomy of Iguanian Lizards». Herpetologica. 59 (3): 399–419. doi:10.1655/02-48 
  11. Gibbons, J. R. H. (31 de julho de 1981). «The Biogeography of Brachylophus (Iguanidae) including the Description of a New Species, B. vitiensis, from Fiji». Society for the Study of Amphibians and Reptiles. Journal of Herpetology. 15 (3): 255–273. JSTOR 1563429. doi:10.2307/1563429 
  12. Keogh, J. S.; Edwards, D. L; Fisher, R. N; Harlow, P. S (2008). «Molecular and morphological analysis of the critically endangered Fijian iguanas reveals cryptic diversity and a complex biogeographic history». Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences. 363 (1508): 3413–3426. PMC 2607380Acessível livremente. PMID 18782726. doi:10.1098/rstb.2008.0120 
  13. Slowinski, J. B.; Boundy, J.; Lawson, R. (junho de 2001). «The Phylogenetic Relationships of Asian Coral Snakes (Elapidae: Calliophis and Maticora) Based on Morphological and Molecular Characters». Herpetologica. 57 (2): 233–245. JSTOR 3893186 
  14. Nilsson, M. A.; Churakov, G.; Sommer, M.; Van Tran, N.; Zemann, A.; Brosius, J.; Schmitz, J. (27 de julho de 2010). Penny, David, ed. «Tracking Marsupial Evolution Using Archaic Genomic Retroposon Insertions». Public Library of Science. PLoS Biology. 8 (7): e1000436. PMC 2910653Acessível livremente. PMID 20668664. doi:10.1371/journal.pbio.1000436 
  15. Teeling, E. C.; Springer, M.; Madsen, O.; Bates, P.; O'Brien, S.; Murphy, W. (28 de janeiro de 2005). «A Molecular Phylogeny for Bats Illuminates Biogeography and the Fossil Record». Science. 307 (5709): 580–584. PMID 15681385. doi:10.1126/science.1105113 
  16. Gunnell, G. F.; Simmons, N. B.; Seiffert, E. R. (4 de fevereiro de 2014). «New Myzopodidae (Chiroptera) from the Late Paleogene of Egypt: Emended Family Diagnosis and Biogeographic Origins of Noctilionoidea». PLoS ONE. 9 (2): e86712. PMC 3913578Acessível livremente. PMID 24504061. doi:10.1371/journal.pone.0086712. Consultado em 5 de fevereiro de 2014 

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]