Magnetorrecepção – Wikipédia, a enciclopédia livre
Magnetorrecepção (ou magnetocepção) é a capacidade de detectar um campo magnético para perceber direção, altitude ou localização. Desempenha um papel na capacidade de navegação e orientação de várias espécies animais e tem sido postulada como um método dos animais desenvolverem mapas regionais.
Magnetorrecepção é mais comumente observado em aves, onde sensores de campo magnético da Terra são importantes para a capacidade de navegação durante a migração. Também tem sido observado em muitos outros animais incluindo moscas, abelhas, bactérias magnetotáticas,[1] fungos, lagostas, tubarões, arraias e tartarugas.[2] Acredita-se que os seres humanos não tenham um sentido magnético, mas existe uma proteína (um criptocromo) no olho que pode ter essa função.[3]
A orientação dos animais através do campo magnético da Terra é um fenômeno notável que tem intrigado cientistas por décadas. Embora ainda haja muito a ser descoberto sobre os mecanismos exatos envolvidos, a evidência acumulada sugere que muitas espécies animais são capazes de detectar e utilizar o campo magnético como uma bússola interna para se orientar em suas migrações.[4] Além disso, pesquisas nesse campo podem ter implicações na compreensão de doenças neurológicas em humanos, uma vez que o campo magnético tem sido associado a alterações no funcionamento cerebral.[5]
Magnetismo terrestre
[editar | editar código-fonte]A Terra possui um campo magnético gerado pelo movimento do seu núcleo líquido de ferro e níquel em seu interior. Esse campo magnético estende-se desde o núcleo até a superfície, envolvendo todo o planeta. A intensidade e a direção do campo magnético variam de acordo com a localização geográfica.[6] Essa característica fundamental da Terra tornou-se uma fonte de orientação para muitos animais.[7] Diversas espécies animais, incluindo aves migratórias, tartarugas marinhas, baleias, abelhas, formigas e até mesmo algumas espécies de peixes, possuem a habilidade de se orientar utilizando o campo magnético da Terra. Esses animais têm a capacidade de perceber as variações no campo magnético e utilizá-las como uma bússola para se direcionar em suas migrações e viagens.[8]
História
[editar | editar código-fonte]Os biólogos há muito se perguntam se os animais migratórios, como pássaros e tartarugas marinhas, possuem uma bússola magnética embutida, permitindo que eles naveguem usando o campo magnético da Terra. Até o final do século XX, a evidência disso era essencialmente apenas comportamental: muitos experimentos demonstraram que os animais podiam de fato obter informações do campo magnético ao seu redor, mas não davam nenhuma indicação do mecanismo. Em 1972, Roswitha e Wolfgang Wiltschko mostraram que as aves migratórias respondiam à direção e inclinação (mergulho) do campo magnético. Em 1977, M. M. Walker e colegas identificaram magnetorreceptores à base de ferro (magnetita) nos focinhos da truta arco-íris. Em 2003, G. Fleissner e colegas encontraram receptores baseados em ferro nos bicos superiores de pombos-correio, ambos aparentemente conectados ao nervo trigêmeo do animal. A pesquisa tomou uma direção diferente em 2000, no entanto, quando Thorsten Ritz e colegas sugeriram que uma proteína fotorreceptora no olho, o criptocromo, era um magnetorreceptor, trabalhando em escala molecular por emaranhamento quântico.[9]
Perguntas não respondidas
[editar | editar código-fonte]É provável que dois ou mais mecanismos complementares desempenhem um papel na detecção de campos magnéticos em animais. É claro que essa potencial teoria do mecanismo duplo levanta questões sobre até que ponto cada método é responsável pelo estímulo e como eles produzem um sinal em resposta ao fraco campo magnético da Terra.[10]
Além disso, é possível que os sentidos magnéticos sejam diferentes para diferentes espécies. Algumas espécies podem apenas detectar o norte e o sul, enquanto outras podem apenas diferenciar entre o equador e os polos. Embora a capacidade de sentir a direção seja importante na navegação migratória, muitos animais têm a capacidade de sentir pequenas flutuações no campo magnético da Terra para mapear sua posição em poucos quilômetros.[10][11]
Mecanismos de detecção magnética
[editar | editar código-fonte]Ainda não se compreende completamente como os animais conseguem detectar o campo magnético da Terra. No entanto, existem várias teorias que buscam explicar esse fenômeno. Uma das teorias sugere que os animais possuem células especializadas, chamadas células magnetoceptoras, que contêm pequenas partículas magnéticas, como magnetita, que respondem às mudanças no campo magnético. Essas células estão conectadas aos sistemas nervosos dos animais, permitindo que eles percebam e interpretem as informações magnéticas.[12]
Outra teoria propõe que os animais podem utilizar reações químicas sensíveis ao campo magnético para detectar sua direção. Essas reações ocorreriam dentro dos olhos ou do nariz dos animais, onde os pigmentos sensíveis ao campo magnético seriam ativados. Esses mecanismos de detecção ainda estão sendo investigados e são objeto de pesquisa contínua.[13][14]
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ Bússolas vivas, Revista Pesquisa FAPESP Online, julho, 2007
- ↑ Wolfgang Wiltschko, Roswitha Wiltschko (agosto de 2008). «Magnetic orientation and magnetoreception in birds and other animals». Journal of Comparative Physiology. A, Neuroethology, Sensory, Neural, and Behavioral Physiology. 191 (8): 675–93. PMID 15886990
- ↑ Foley, Lauren E.; Gegear, Robert J.; Reppert, Steven M. (junho de 2011). «Human cryptochrome exhibits light-dependent magnetosensitivity». Nature Communications. 356 páginas. ISSN 2041-1723. PMC 3128388. PMID 21694704. doi:10.1038/ncomms1364. Consultado em 16 de janeiro de 2022
- ↑ «Magnetic maps in animals: nature's GPS». journals.biologists.com. doi:10.1242/jeb.001313. Consultado em 24 de junho de 2023
- ↑ Wiltschko, Roswitha; Wiltschko, Wolfgang (setembro de 2019). «Magnetoreception in birds». Journal of The Royal Society Interface (em inglês) (158). 20190295 páginas. ISSN 1742-5689. PMC 6769297. PMID 31480921. doi:10.1098/rsif.2019.0295. Consultado em 24 de junho de 2023
- ↑ «Serviço Geológico do Brasil». www.cprm.gov.br. Consultado em 24 de junho de 2023
- ↑ Deutschlander, M. E.; Phillips, J. B.; Borland, S. C. (abril de 1999). «The case for light-dependent magnetic orientation in animals». The Journal of Experimental Biology: 891–908. ISSN 1477-9145. PMID 10085262. doi:10.1242/jeb.202.8.891. Consultado em 24 de junho de 2023
- ↑ Günther, Anja; Einwich, Angelika; Sjulstok, Emil; Feederle, Regina; Bolte, Petra; Koch, Karl-Wilhelm; Solov’yov, Ilia A.; Mouritsen, Henrik (janeiro de 2018). «Double-Cone Localization and Seasonal Expression Pattern Suggest a Role in Magnetoreception for European Robin Cryptochrome 4». Current Biology (2): 211–223.e4. ISSN 0960-9822. doi:10.1016/j.cub.2017.12.003. Consultado em 24 de junho de 2023
- ↑ Winklhofer, Michael (3 de fevereiro de 2010). «Magnetoreception». Journal of the Royal Society Interface. 7 (suppl_2): S131-4. PMC 2843998. PMID 20129954. doi:10.1098/rsif.2010.0010.focus
- ↑ a b Rodgers, C. T.; Hore, Peter J. (2009). «Chemical magnetoreception in birds: The radical pair mechanism». PNAS. 106 (2): 353–360. Bibcode:2009PNAS..106..353R. PMC 2626707. PMID 19129499. doi:10.1073/pnas.0711968106
- ↑ Gould, J. L. (2008). «Animal navigation: The evolution of magnetic orientation». Current Biology. 18 (11): R482–R48. PMID 18522823. doi:10.1016/j.cub.2008.03.052
- ↑ Wiltschko, Wolfgang; Wiltschko, Roswitha (1 de agosto de 2005). «Magnetic orientation and magnetoreception in birds and other animals». Journal of Comparative Physiology A (em inglês) (8): 675–693. ISSN 1432-1351. doi:10.1007/s00359-005-0627-7. Consultado em 24 de junho de 2023
- ↑ Pinzon-Rodriguez, Atticus; Bensch, Staffan; Muheim, Rachel (março de 2018). «Expression patterns of cryptochrome genes in avian retina suggest involvement of Cry4 in light-dependent magnetoreception». Journal of The Royal Society Interface (em inglês) (140). 20180058 páginas. ISSN 1742-5689. doi:10.1098/rsif.2018.0058. Consultado em 24 de junho de 2023
- ↑ Mouritsen, Henrik; Hore, PJ (1 de abril de 2012). «The magnetic retina: light-dependent and trigeminal magnetoreception in migratory birds». Current Opinion in Neurobiology. Neuroethology (em inglês) (2): 343–352. ISSN 0959-4388. doi:10.1016/j.conb.2012.01.005. Consultado em 24 de junho de 2023
Leitura adicional
[editar | editar código-fonte]- Beason, R. C., & Brennan, L. A. (2014). Understanding avian magnetic compass orientation: the role of the visual system. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 369(1637), 20130173.
- Walker, M. M., & Bitterman, M. E. (1985). The avian magnetic compass: its bearings on the direction of bird migration. Animal Behaviour, 33(3), 944-953.