Notostraca – Wikipédia, a enciclopédia livre

Como ler uma infocaixa de taxonomiaNotostraca
Ocorrência: 350–0 Ma
CarboníferoRecente 
Triops cancriformis
Triops cancriformis
Classificação científica
Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Subfilo: Crustacea
Classe: Branchiopoda
Subclasse: Phyllopoda
Ordem: Notostraca
Família: Triopsidae
Géneros
Visão dorsal (à esquerda), mostrando a carapaça e furca caudal, e ventral (à direita), mostrando os apêndices, de Triops levicaudatus.

Notostraca é uma ordem dentro da classe Branchiopoda, sendo característica do grupo uma carapaça que recobre grande parte de seu corpo, apesar da exposição de segmentos abdominais e uma furca caudal. Comumente são chamados de “camarões-girinos” devido à semelhança morfológica.

Esses organismos têm hábito de vida bentônico, presentes mundialmente em corpos d’água de salinidade variada, porém nunca em oceanos. Apresentam adaptações que permitem a sobrevivência de populações mesmo em locais áridos e semi-áridos, como ovos criptobióticos que eclodem após reidratação. Seu hábito alimentar é variado, com comportamento onívoro, detritívoro, suspensívoro e/ou predatório. Em algumas plantações de arroz são considerados pragas e, no entanto, também podem ser usados como controle biológico de mosquitos.

Dentro de Notostraca há apenas uma família, Triopsidae, com dois gêneros: Triops e Lepidurus. A quantidade de espécies em cada um é controversa devido a semelhanças morfológicas de populações isoladas e também à ocorrência de espécies crípticas.

São considerados fósseis vivos devido a pouca mudança corporal ao longo do tempo, porém análises moleculares apontam que a diversificação do grupo ocorreu recentemente durante o Cenozóico.

Morfologia externa

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Popularmente, notóstracos são conhecidos como “camarões-girinos” devido ao formato de seu corpo, que é semelhante à larva de anfíbios anuros, por obra de sua região dorsal em forma de domo com uma extensão afunilada.[1] A maioria dos organismos mede entre 2 a 10 cm de comprimento.[1]

Muito de sua morfologia está relacionada com seu hábito bentônico, de maneira a manter a eficiência hidrodinâmica.[2] O corpo do animal é formado por cabeça, tórax e abdome, com uma carapaça que o recobre quase totalmente, formando um escudo rígido[3] que protege a maioria dos apêndices torácicos.[2] Ela é uma estrutura expandida, contínua com o tegumento,[2] composta pelo escudo cefálico resultante da fusão dos tergitos cefálicos dorsais, e um dobramento do exoesqueleto.[1]

A cutícula é constituída por uma epicutícula, com cerca de quatro camadas, uma exocutícula, com aproximadamente dez camadas, e uma endocutícula, de sessenta a oitenta camadas.[2] O formato e a posição da carapaça dorsal provavelmente são aspectos que influenciam a forma de muitas de suas estruturas, em especial no tórax.[2]

A cabeça é formada por 5 segmentos e o ácron, que não é um segmento verdadeiro.[1] Os maxilípedes são ausentes. As antênulas são unirremes e as antenas vestigiais.[1]Possuem também mandíbulas grandes, adaptadas para trituração,[3] e um labro partindo da margem posterior do tegumento do escudo cefálico, constituindo uma estrutura que, diferentemente de outros branquiópodes. é achatada e protegida por uma cutícula que protege o animal da abrasão.[2] Não há, também, glândulas labrais.[2]

As mandíbulas de notóstracos são apêndices morfologicamente adaptados para morder, diferentemente das encontradas nos demais grupos da classe, que geralmente são rolantes, moedoras ou esmagadoras.[2] Contudo, ainda compartilham de muitas caraterísticas.[2] A estrutura se assemelha a um barco, porém a armação diferente consiste de cristas dentadas fortemente esclerotizadas e outros refinamentos adicionais.[2] A superfície que se articula é larga e não apresenta uma ponta como nos outros grupos.[2] Há, também, um tendão mandibular transversal massivo, homólogo a outros branquiópodes, porém com maior grossura.[2] Esse componente é suspenso, recebendo apoio de três ligamentos dorsais, além de um ligamento anteroventral e mais quatro músculos dorsais.[2] Posteriormente, o indivíduo possui um par de apódemas cuticulares complexas, que ancoram fibras para outras apódemas mais simples.[2]

Primeiro apêndice torácico, de função sensorial e com enditos alongados, de Triops cancriformis.

Algumas diferenças dos músculos mandibulares de Notostraca estão relacionadas com as diversas ações que as mandíbulas realizam.[2] Os músculos transversais começam no final no tendão mandibular transversal.[2] O fechamento acontece por músculos abdutores localizados dorsalmente, que não possuem contrapartida em outros grupos.[2] A superfície da articulação se movimenta por deslizamento quando esse conjunto de músculos contrai, fechando as regiões molares.[2]

Os paragnatos, maxílulas, maxilas e apódemas pós-mandibulares compõem uma formação funcionalmente integrada.[2] As maxílulas são as mais complexas dentro da classe: cada uma é segmentada em duas partes, em que a peça a proximal possui uma couraça elaborada.[2] Para seu movimento, tanto músculos instrínsecos quanto extrínsecos estão envolvidos. As apódemas pós-mandibulares, por sua vez, provêm ancoragem para os músculos ventrais do tronco.[2]

O tronco pode apresentar até 40 segmentos, porém a tagmose do tórax e do abdome é ambígua.[3] Os apêndices presentes na região anterior dele possuem diversas funções, tais como: postura, locomoção por natação, escavação do substrato, coleta e manipulação de alimento, subida em superfícies, transporte de ovos, respiração, além do papel sensorial.[2] Eles se desenvolveram de maneira a contornar a limitação da carapaça que recobre quase que todo seu corpo.[2]

Os apêndices posteriores, como são menos afetados pela carapaça, possuem exopoditos grandes que funcionam como remos e produzem uma corrente de água usada para a troca gasosa, além de estarem envolvidos com a manipulação de alimento.[2] Várias cerdas e espinhos são articulados na base, um arranjo importante para a alimentação.[2]

Os apêndices do tronco também apresentam sensilas, contrastando com os demais grupos de Branchiopoda, algo que provavelmente está ligado à diversidade de meios para a coleta de comida, bem como a sua manipulação, e que variam desde detritos a outros organismos inteiros como presas.[2]9 pares de apêndices do tórax servem justamente para alimentação.[3]Como os demais Branquiópodes, os protopoditos nesse animal são uniarticulados.[1]

Cada um dos segmentos correspondentes ao tórax possuem um par apêndices[3]do tipo filopódio,[1] sendo o 11° segmento o genital,[3] o qual, além de portar o gonóporo,[1] em fêmeas, possui uma modificação no par de apêndices, formando uma cápsula para ovos fecundados.[4] O assoalho dessa bolsa é composta por uma ampliação do protopodito e do exopodito, enquanto a parte de cima corresponde ao epipodito.[4] O primeiro par de apêndices do tronco é também modificado, com função sensorial.[3] Os segmentos posteriores ao genital se fundem e formam anéis que podem ter até 6 pares de apêndices.[3] As as divisões do abdome, no entanto, não possuem apêndices.[3]

Essa parte posterior do tronco é bem flexível, recoberto por uma cutícula, sem aparente divisão entre tergito e esternito, de forma que os segmentos se movimentam livremente entre si.[2] Essa habilidade de contorcimento auxilia o acasalamento em populações dioicas.[2]

A região do abdome bate ventralmente na natação e seu formato alongado e cilíndrico (além de apresentar um télson[3]) amplia a eficiência hidrodinâmica do animal diante de uma carapaça mais achatada.[2] A comprida furca caudal também ampara seu nado.[2] Além disso, é protegido por uma cutícula mais grossa e espinhos esclerotizados.[2]

As placas supra-anais de Lepidurus aparentam estar envolvidas com proteção e compõem um caráter para diferenciação entre os dois gêneros, uma vez que Triops não as possuem.[2]

Vídeo de Triops australiensis revirando o substrato com seus apêndices.

Estruturas sensoriais

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Parte anterior de espécie de Triops, com olhos compostos e olho simples à mostra.

Antênulas curtas e cilíndricas possuem direção ventral, muitas vezes tocando ou apenas ficando próximas ao substrato, especialmente quando a carapaça cefálica se direciona a essa direção.[2]

A antena, menor e ainda mais curta, é perdida em adultos de algumas espécies,[2] porém também se volta ventralmente. Similarmente, a segunda antena é bem reduzida nesses organismos.[4]

Enditos longos e providos de sensilas do primeiro apêndice anterior do tronco são órgãos sensoriais importantes, sendo maiores em Triops que Lepidurus.[2] Em L. articus em especial eles são bem pequenos em comparação com outros organismos, sendo essa espécie a que menos se externaliza, não ultrapassando tanto a margem da carapaça, provavelmente por causa da alta predação sobre ela.[2] Deixar os enditos muito compridos expostos os tornam mais vulneráveis, além de atrair maior atenção.[2] Em Triops, o segundo endito, o menor, se direciona ventralmente, o terceiro e o quarto, mais alongados, se estendem anteriormente, ultrapassando a cabeça, e o quinto endito se curva para a região posterior e lateral, de forma a atingir as regiões anterior, posterior e inferior do animal.[2]

Na região anterior dorsal há ainda olhos compostos sésseis,[3]havendo aproximação entre eles, sem fusão completa,[4] e um único olho simples perto da linha mediana da carapaça.[1]

Morfologia Interna

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O sistema digestório possui um trato digestivo composto por um tubo simples, em forma de “J”, com cecos digestivos curtos na cabeça.[3]

Possuem um coração como um tubo dorsal longo no tórax com 11 pares de óstios.[3]

Não há cefalização, porém o sistema nervoso é organizado de forma escalariforme.[3]

Os túbulos do par de glândulas maxilares ficam na carapaça.[3]

Hábitos gerais

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Alimentação

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Notóstracos possuem alta diversidade de hábitos alimentares diversos.[3] Podem ser onívoros, alimentando-se principalmente de matéria orgânica do substrato, além de saprófagos, suspensívoros, detritívoros ou predadores[3] oportunistas.[5]

Manter-se em posição, nadar e escavar são ações rotineiras e de grande importância na vida desses animais já que também se relacionam com os sua alimentação.[2] Como a maneira que eles adquirem nutrientes é por meio de partículas pequenas, e, por vezes, itens maiores[2] (como moluscos, crustáceos, pequenos peixes e girinos[3]) que requerem técnicas de manipulação. Eles costumam passar a comida para frente, ao longo ou adjacentemente à ranhura alimentar, de uma gnatobase à outra, até que alcancem as peças bucais. Em nenhum caso existe a filtração de correntes d’água.[2]

Habitat e locomoção

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Indivíduo da espécie Lepidurus articus.

Vivem em águas interiores com níveis variáveis de salinidade,[1] sendo típicos de água doce com baixa frequência em água salgada. Em geral encontram-se em habitats aquáticos temporários[5] e pequenos,[4] porém alguns indivíduos do gênero Lepidurus,[1] da espécie L. articus, foram encontrados em lagos e poças permanentes também.[5] Essa permanência em ambientes passageiros é possibilitado sobretudo pela capacidade de seus ovos se suportar a seca.[1]

Seu modo de vida é relacionado principalmente a substratos lodosos, diferentemente de outros grupos de Branchiopoda.[4] São bentônicos, passando a maior parte do tempo no fundo de corpos d’água, onde obtêm grande parte de seus nutrientes, mesmo possuindo a capacidade de natação, conduta[3] na qual utilizam o batimento metacronal dos apêndices torácicos.[1] Eles ocasionalmente se deslocam pela coluna d’água, principalmente para capturar organismos, nadando com a superfície ventral voltada para baixo, em um processo lento e intermitente que demanda grande esforço devido à ausência de mecanismos de flutuação e estruturas mais adaptadas para hábitos diferentes do bentonismo.[2]

Sob certas circunstâncias, é possível observar notóstracos nadando de forma invertida, com a face ventral voltada para cima.[2] Em Triops cancriformis, por exemplo, esse acontecimento está geralmente associado com situações mais extremas de hipóxia (uma vez que é uma espécie de certo modo tolerante a ambientes com menor concentração de oxigênio), ocorrendo próximo à superfície, supostamente para carregar a hemoglobina do sangue com oxigênio.[2] Quando há uma razão muito grande entre a área superficial e o volume do indivíduo na espécie, a natação invertida é raramente constatada.[2] Contudo, há outras hipóteses para as causas desse evento em notóstracos, como uma possível relação com a esfriamento do ar em dias de maior temperatura e com alta incidência solar, condições em que o fenômeno costuma ocorrer.[2]

Quando a ocasião demanda, são também capazes de escalar objetos.[2]

Apesar de serem membros da epifauna, esses crustáceos também podem eventualmente se enterrar superficialmente em depósitos em busca de alimento, revirando o substrato na procura por partículas de nutrientes e desenterrando presas escondidas.[2]

Ciclo de vida

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Larva náuplio de espécie de Notostraca.
Ovo de Notostraca eclodindo.

Todas as espécies têm vida curta, completando seu ciclo de vida em 30 a 40 dias.[1]O tamanho e a longevidade variam dependendo das condições ambientais. Triops cancriformis apresenta o tamanho negativamente correlacionado com a quantidade de indivíduos presentes na poça, indicando que seu desenvolvimento está fortemente ligado à oferta de alimento e à densidade populacional.[6]

Algumas espécies são exclusivamente gonocorísticas, outras podem incluir populações hermafroditas[1] ou até mesmo população contendo tanto indivíduos hermafroditas quanto machos.[5]

A quantidade de machos de uma espécie pode variar geograficamente, havendo populações com poucos, sem machos ou com proporções semelhantes entre machos e fêmeas, com ocorrência ou não de hermafroditismo.[7] Um exemplo disso é Triops cancriformis, que no norte da Europa, em regiões mais frias, machos são pouco comuns ou ausentes, enquanto acredita-se que as fêmeas sejam partenogenéticas[7]- apesar dos relatos iniciais de populações partenogenéticas ainda serem questionados,[1] já em regiões mais quentes, como no norte da África, apresentam reprodução dioica, sugerindo que a quantidade de machos e fêmeas seja equivalente.[7] Outras populações hermafroditas dessa mesma espécie, predominantemente composta por fêmeas, foram encontradas em plantações de arroz em Sibari e Palermo, ambos na Itália e considera-se também que se reproduzam por partenogênese e não auto-fecundação,[8] apesar de haver evidências de que hermafroditas sejam capazes de ambos.[7]

O hermafroditismo pode dificultar a diferenciação do dimorfismo sexual das espécies.[8]

Os ovos começam a ser produzidos e depositados quando os indivíduos possuem 10 dias, mesmo possuindo um tamanho corporal pequeno, já que a fase reprodutiva sobrepõe-se à fase de crescimento. Apesar do curto tempo de vida, há grande deposição de ovos antes de morrerem.[6]

Ovos fecundados são carregados pela fêmea em bolsas formadas no décimo primeiro par de apêndices do tronco antes de serem descarregados.[2]

Ovos de Triops têm uma camada externa de proteção composta pelo córtex exterior e uma ampla camada alveolar, o que contribui para sua resistência em ambientes com condições desfavoráveis como altas temperaturas, secas e congelamento.[2] Os de Lepidurus, por sua vez, costumam possuir uma camada alveolar mais delgada Depois de incubados, são depositados no substrato,[1] possuindo a capacidade de serem resistentes (criptobióticos) à dessecação, sendo que um período de seca é necessário para algumas espécies eclodirem.[3]

Há espécies que derramam os seus ovos livremente, porém há as que o anexam em um local.[2] Ovos, mesmo os que são liberados, podem possuir uma camada pegajosa que o fixa em certo ponto da região. Isso parece frustrar a dispersão, indo contra o pensamento de que esta ocorreria por ação do vento ou de outros animais.[2] Todavia, para espécies como L. articus que permanecem em lagos e lagoas garante que fiquem em um habitat propício, assim como para outras espécies como T. granarius, evita a dispersão, e consequente perda dos ovos, por tempestades de areia na estação de seca.[2] Ademais, é possível que a fixação deles à uma vegetação possa, na verdade, auxiliar sua distribuição por seres vivos como patos, além de que, com a morte da planta, poderiam ser levados pelo vento também.[2] Em condições laboratoriais, os ovos eclodem a partir do oitavo dia após a oviposição de maneira heterogênea, com muitos permanecendo em um estado dormente.[6] A dessecação dos ovos, bem como a exposição à luz são fatores que promovem a eclosão, sendo a escuridão total capaz de inibir o nascimentos de novos indivíduos.[6]

Tais características apontam que notóstracos sejam pioneiros na exploração de ambientes aquáticos de poças temporárias que passam por períodos de seca ou outras condições áridas.[6]

Indivíduo da espécie Triops newberryi revirando o substrato e depositando ovos.

O desenvolvimento pode ser indireto com larva náuplio ou metanáuplio (anamórfica), ou direto.[1] A larva náuplio pode ser reconhecido pelo olho naupliar, simples, mediano e 3 pares de apêndices com cerdas na cabeças, que tornar-se-ão em antênulas, antenas e mandíbulas.[1]

Em Triops, o mecanismo naupliar vai sendo gradualmente substituído pela do adulto.[2] O desenvolvimento segue sendo anamórfico, no entanto os apêndices correspondentes ao tronco são formados mais cedo que em Anostraca.[2]

Durante as fases iniciais de Triops não há mecanismos que possibilitem nem a coleta de alimento.[2] Após o terceiro estágio que há surgimento do aparato responsável pela alimentação, contudo já é essencialmente o mesmo tipo que o encontrado em adultos.[2] Mesmo ausente em adultos, alguns músculos mandibulares transversais são presentes em estágios primitivos do desenvolvimento.[2]

No período inicial, as larvas se utilizam de movimentos de remagem da antena para se propelirem, mas quando o ímpeto cessa, também cessa tal movimento e durante a recuperação do ciclo da antena as larvas movem-se para trás.[2] Com o passar do desenvolvimento, esse sistema é substituído pelo processo de movimentação adulto, utilizando os apêndices do tronco, já desenvolvidos, e há consequentemente o atrofiamento da antena.[2]

Comparativamente, os estágios primários de Notostraca e Anostraca indicam ancestralidade comum remota.[2]

Distribuição e ecologia

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Notostraca possui distribuição praticamente mundial,[3] salvo pela Antarctica. Apesar disso, a ocorrência desses organismos costuma ser esporádica mesmo em locais onde estão presentes, além de, em geral, se manifestarem menos em trópicos úmidos. Notóstracos chegaram, inclusive, a colonizar ilhas oceânicas remotas.[2]

Genericamente, os dois gêneros se distribuem de forma desigual.[2] Espécies de Lepidurus possuem menor disseminação, estando mais restritas a zonas climáticas subárticas e temperadas.[5] Fósseis demonstram, inclusive, sua ocorrência na Grã-Bretanha durante glaciações do Quaternário,[2] enquanto Triops comumente demandar condições mais quentes, em especial áridas e sub-áridas.[5] Uma explicação para sua sobrevivência e ampla distribuição talvez seja a produção de ovos resistentes à seca como adaptação à vida em habitats temporários, os quais geralmente eclodem após dessecamento.[9] A sua dispersão poderia ocorrer de forma passiva, pois os ovos, ligados ao substrato, seriam levados pelo vento ou carregados por outros animais.[9] Em Triops, eles são pequenos, leves e grudentos, auxiliando na disseminação das espécies.[9]

Devido a essa capacidade de produzir ovos resistentes à dessecação que eclodem após a reidratação, em 2008 uma espécie de Notostraca, Triops longicaudatus, foi tida como um praga em plantações de arroz no Missouri, EUA. O comportamento forrageio no fundo do ambiente impossibilitava que os grãos se desenvolvessem.[10] Porém, a mesma espécie pode ser utilizada como controle biológico de larvas de mosquitos predando os imaturos.[11]

Além de apresentarem comportamento predatório, espécies de Notostraca também possuem papel ecológico nos ambientes em que vivem por causarem bioturbulência, aumentando a quantidade de partículas suspensas, e, possivelmente, afetando as cadeias tróficas em diferentes níveis[12]

A Ordem Notostraca é constituída pela Família Triopsidae, dentro da qual há dois gêneros: Lepidurus e Triops.[5] A distinção entre os gêneros pode ser feita principalmente pela presença de placas supra-anais em Lepidurus, uma extensão do télson.[5] Apesar disso e da conservação da morfologia geral, a ordem possui grandes níveis de plasticidade fenotípica mesmo em linhagens e populações, o que dificulta distinção de espécies e subespécies.[5]

Em 1950, Longhurst estabeleceu quatro espécies para Triops e cinco para Lepidurus, havendo discussões em andamento sobre variados aspectos da filogenia de Notostraca.[5] Atualmente, por investigação de dados moleculares baseados em genes mitocondriais e nucleares,[5] a monofilia dos dois gêneros é mais corroborada, apesar de o suporte para o grupo Triops possuir menor força em comparação.[13] Também é mais aceita a existência de cerca de seis espécies de Triops, com mais quatro linhagens que podem ganhar o status de espécies, e oito de Lepidurus, apesar das correntes investigações sobre o assunto.[5]

Importância econômica

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Espécies de notóstracos são estudadas para certas aplicações econômicas. São considerados para controle biológico tanto de ervas-daninhas em plantações de arroz quanto para mosquitos em corpos d’água temporários.[14] Na California (EUA), experimentos com Triops em jardins de palmeiras com alagamentos intermitentes resultaram na diminuição na faixa de 73 a 99% em populações de mosquitos.[15] Todavia, por vezes se tornam pestes em plantios de arroz, título atribuído por mordiscarem radículas e plúmulas das plântulas,[2] além de turvarem a água ao revirarem o substrato[16] no forrageio,[10] prejudicando a realização da fotossíntese[16] e impedindo o desenvolvimento dos grãos.[10]

Ademais, organismos de Notostraca são comercializados em algumas regiões como animais de estimação para aquários, devido principalmente à eclosão rápida de seus ovos quando molhados, além de serem de criação e manejo relativamente fáceis.[17]

História evolutiva

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A existência de organismos de Notostraca é constatada desde o Triássico,[2] os fósseis mais antigos deles datam o Carbonífero Superior, constituindo-se de restos de carapaças.[5] Também foram encontradas trilhas fossilizadas de notóstracos pertencentes ao Paleozoico tardio.[2]

Frequentemente, notóstracos são descritos como “fósseis vivos” e citados como exemplares de estase evolutiva em virtude da existência de espécimes existentes nos dias de hoje que são morfologicamente semelhantes a fósseis de mais de 250 milhões de anos atrás, sugerindo uma origem remota.[5] Triops cancriformis, um organismo vivente, muitas vezes é referido como a espécie mais antiga, justamente por essa correspondência com fósseis do Permiano Inferior e Triássico Superior.[5] Essa longa história evolutiva sugeriria uma radiação antiga no grupo.[5]

Apesar disso, poucas evidências moleculares foram suportam uma radiação antes do Mesozoico, pelo contrário: as espécies atuais provavelmente originaram-se de uma radiação relativamente recente, na era do Cenozóico quando teria existido o ancestral comum mais recente dos Triopsidae vivos.[5] Isso infere que a similaridade entre táxons fósseis e contemporâneos pode existir devido a uma morfologia geral bem conservada somada a homoplasia.[5]

Desse modo, as espécies correntes seriam resultantes de uma radiação mais recente de uma linhagem ancestral que sobreviveu ao Terciário.[5] Essa visão pode contrastar com a denominação de notóstracos como “fósseis vivos”, um termo que, em geral, é usado para delimitar espécies antigas que, presumidamente, teriam sobrevivido até os dias de hoje.[5]

A estase morfológica verificada nesse grupo se deveria principalmente a dois fatores: em primeiro lugar a seu plano corporal simples, possuinte de uma carapaça e estruturas que se repetem seriamente, algo presente em outros “fósseis vivos”, como em Xiphosura e Polyplacophora, e, em segundo lugar, ao seu habitat característico, no qual se conservaram durante sua longa história evolutiva.[5] O aparecimento de peixes planctívoros no Devoniano e Carbonífero contribuiu para que crustáceos como os notóstracos se restringissem a locais sem a presença píscea, como os próprios corpos d’água temporários e lagos salinos.[5]

Não há relatos de populações atuais na África sub-saariana, apesar de existirem registros fósseis na região.[5] É possível que linhagens da Europa e do norte da América não tenham emergido como grupos monofiléticos, fato que sugeriria um contato secundário entre grupos neárticos e paleárticos, provavelmente facilitado pelo Estreito de Bering.[5] Essa dispersão também é insinuada pela distribuição circumárctica atual de L. articus.[5]

A ação de animais como mamíferos e aves, dispersores para outros invertebrados, pode ter assistido essa disseminação.[5]

O surgimento das quatro linhagens principais atuais presumivelmente ocorreu por meio da dispersão intercontinental, seguida por isolamento e consequente especiação.[5]

Referências

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