Psiquiatria forense – Wikipédia, a enciclopédia livre

Psiquiatria Forense é uma área de atuação da Psiquiatria, que atua na interface entre a Medicina e o Direito [1][2][3]. Para se tornar especialista em psiquiatria forense é necessário ter o Registro de Qualificação de Especialista (RQE), que é concedido após a conclusão da residência médica ou mediante aprovação em prova de título da especialidade [4]. Essa exigência se aplica a profissionais já formados em Medicina. A formação dos psiquiatras forenses no Brasil surgiu com base nas práticas assistenciais conduzidas em manicômios judiciários. No Brasil, o professor José Geraldo Vernet Taborda criou, em 2006, no Rio Grande do Sul, a residência com área de atuação em psiquiatria forense, realizada após o término da formação psiquiátrica geral. Atualmente existem programas específicos de residência em psiquiatria forense nos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

A Psiquiatria Forense, ontologicamente, pode ser considerada como parte tanto da psiquiatria quanto da medicina legal, fazendo uma interface entre a Medicina e o Direito, inclusive auxiliando na execução e elaboração de leis[1]. A interface entre a Psiquiatria e o Direito é complexa, pois, enquanto a terminologia médica abrange o estado do paciente em uma graduação que varia de severo a plenamente saudável, a linguagem jurídica é caracterizada por uma dicotomia: o indivíduo é considerado capaz ou incapaz, requer ou não internação, representa ou não uma ameaça[5]. Ao ser chamado para auxiliar na solução de uma demanda judicial, o Psiquiatra Forense vale-se de seu conhecimento e arte, sempre tendo como referencial ético a maior veracidade, a serviço da justiça.

O psiquiatra forense tem como objeto de sua atuação avaliar o estado mental dos indivíduos e analisar suas competências para o exercício de direitos, deveres ou atividades das quais decorram repercussões na esfera jurídica. Um psiquiatra forense pode atuar nas diferentes áreas do Direito (civil, criminal, militar, trabalhista, previdenciária, administrativa), identificando e compreendendo a relação dos transtornos mentais com os princípios legais vigentes, compreendendo a influência dos transtornos psiquiátricos sobre a capacidade civil, laboral, imputabilidade penal, dentre outras possibilidades.

A Psiquiatria, dentre as especialidades médicas, apresenta significativo vínculo com o Direito, já que os transtornos psiquiátricos podem influenciar o comportamento dos indivíduos[3][6].

Do ponto de vista histórico, a psiquiatria clínica e a psiquiatria forense remetem-se à mesma tradição histórica[7].

A Psiquiatria, como campo da medicina que se dedica ao estudo e tratamento dos transtornos mentais, enfrenta uma série de dilemas éticos complexos. Estes dilemas muitas vezes surgem devido à natureza delicada das questões envolvidas, como a privacidade do paciente, a autonomia individual, a coerção em tratamentos, a prescrição de medicamentos psicotrópicos e a estigmatização associada aos transtornos mentais, e a Psiquiatria Forense representa papel importante nessas discussões [8][9][10][11].

Uma das questões mais importantes debatidas no campo da psiquiatria forense são as internações involuntárias. A questão das internações involuntárias é um tema complexo e delicado, envolvendo considerações éticas, legais e clínicas[1][12]. De acordo com a Lei 10.216, de 2001[13], que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, são considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

As internações involuntárias na psiquiatria levantam questões éticas fundamentais relacionadas à autonomia, avaliação clínica, proteção dos direitos civis e disponibilidade de recursos. O equilíbrio entre a necessidade de intervenção para garantir a segurança e o respeito aos direitos individuais é um desafio constante que exige cuidadosa consideração e regulamentação adequada.

A psiquiatria forense, atuando como uma interface entre o campo jurídico e a psiquiatria, deve aspirar a um estado de equilíbrio e adequação entre a proteção individual e a proteção da sociedade. Nesse sentido, impor uma medida contra a vontade de um indivíduo, seja através de tratamento coercitivos, como a internação involuntária ou compulsória, ou limitar seus direitos civis, representa invariavelmente um ato de coerção. No entanto, é um ato que, em determinadas circunstâncias, pode ser considerado necessário para salvaguardar tanto o próprio indivíduo quanto a coletividade[3].


  1. a b c Barros, Daniel Martins de; Castellana, Gustavo Bonini (8 de janeiro de 2020). Psiquiatria Forense - 2.ed.: Interfaces Jurídicas, Éticas e Clínicas. [S.l.]: Artmed Editora 
  2. Barros, Daniel Martins de (17 de setembro de 2018). Introdução à Psiquiatria Forense. [S.l.]: Artmed Editora 
  3. a b c Abdalla-Filho, Elias; Chalub, Miguel; Telles, Lisieux E. de Borba (1 de dezembro de 2015). Psiquiatria Forense de Taborda - 3ed. [S.l.]: Artmed Editora 
  4. «CEM». cem.cfm.org.br. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  5. Barros, Daniel Martins de; Serafim, Antonio de Pádua (2009). «Parâmetros legais para a internação involuntária no Brasil». Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo): 175–177. ISSN 0101-6083. doi:10.1590/S0101-60832009000400008. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  6. Nogueira, Arthur Suman; Silva, Thiago Fernando da; Serafim, Antonio de Pádua; Castellana, Gustavo Bonini; Barros, Daniel Martins de (26 de maio de 2021). «Is All Psychiatry Forensic? Association between Mental Disorders and Legal Proceedings». Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo) (em inglês): 123–126. ISSN 0101-6083. doi:10.15761/0101-60830000000291. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  7. Berrios, G. E. (11 de abril de 1996). The History of Mental Symptoms: Descriptive Psychopathology Since the Nineteenth Century (em inglês). [S.l.]: Cambridge University Press 
  8. Miguel, Euripedes Constantino; Lafer, Beny; Elkis, Helio; Forlenza, Orestes Vicente, eds. (15 de novembro de 2020). Clínica Psiquiátrica: Os fundamentos da psiquiatria: Volume 1 2ª edição ed. [S.l.]: Editora Manole 
  9. Appelbaum, P. S. (1997). «A theory of ethics for forensic psychiatry». The Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law (3): 233–247. ISSN 1093-6793. PMID 9323651. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  10. Appelbaum, Paul S. (1 de novembro de 2007). «Clinical practice. Assessment of patients' competence to consent to treatment». The New England Journal of Medicine (18): 1834–1840. ISSN 1533-4406. PMID 17978292. doi:10.1056/NEJMcp074045. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  11. Castellana, Gustavo B; Schraiber, Lilia B; de Oliveira, Talita R; de Barros, Daniel M (março de 2019). «"I would prefer not to": Assessing competence to consent in a case of refusal of cancer treatment». Clinical Ethics (em inglês) (1): 42–45. ISSN 1477-7509. doi:10.1177/1477750919836648. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  12. Castellana, Gustavo B.; Schraiber, Lilia B.; da Silva, Thiago F.; Barros, Daniel M. (3 de fevereiro de 2020). «Decision-making for involuntary commitment in Brazil: elucidating misunderstandings between reasons and justification». Brazilian Journal of Psychiatry (em inglês): 108–109. ISSN 1516-4446. doi:10.1590/1516-4446-2019-0554. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  13. «LEI No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001 - Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental»