Rômulo e Remo – Wikipédia, a enciclopédia livre

 Nota: Para o filme com Gordon Scott, veja Romolo e Remo.
Lupa Capitolina: loba com Rômulo e Remo.
Obra medieval que imita um original etrusco
Museus Capitolinos
Rômulo e Remo sobre a Casa da loba na Grand-Place de Bruxelas.
Eneias abandona Troia em chamas
Por Federico Barocci, ca. 1598
Galleria Borghese, Roma
Rômulo e Remo
Por Peter Paul Rubens, ca 1615-1616
Museus Capitolinos, Roma
Rômulo e Remo abrigados por Fáustulo
Por Pietro de Cortona, ca. 1643, Museu do Louvre, Paris
Rapto das Sabinas
Por Pietro de Cortona, ca. 1627-1629
Museus Capitolinos, Roma

Rômulo (português brasileiro) ou Rómulo (português europeu) e Remo são, segundo a mitologia romana, dois irmãos gêmeos, um dos quais, Rômulo, foi o fundador da cidade de Roma e seu primeiro rei. Segundo a lenda, eram filhos de Marte e de Reia Sílvia, descendente de Eneias. A data de fundação de Roma é indicada, por tradição, em 21 de abril de 753 a.C. (também chamado de "Natal de Roma" e dia das festas de Pales).

A primeira menção a Remo ocorre em uma das vertentes do mito de Eneias, onde este tinha um filho de nome "Rhomylocos", que, por conseguinte, era pai do fundador de Roma, "Rhomus".[1] Os primeiros relatos escritos acerca de Remo provêm de autores gregos, especialmente de Helânico de Mitilene (século V a.C.) e Quinto Fábio Pictor, que inspiraram o relato de autores clássicos como Tito Lívio, Plutarco e Dionísio de Halicarnasso.[2][3] Estes autores forneceram uma ampla base literária para o estudo da mitografia da fundação de Roma. Eles têm muito em comum, mas cada um é seletivo, segundo a sua finalidade. O relato de Tito Lívio é um digno manual, justificando a finalidade e a moralidade das tradições romanas para seus próprios tempos. Ele usa pelos menos uma fonte compartilhada por Dionísio e Plutarco, mas esses últimos, sendo etnicamente gregos, abordam os temas romanos como forasteiros interessados e incluem tradições de fundadores não rastreáveis a uma fonte comum - provavelmente tradições específicas de determinadas regiões, classes sociais ou tradições orais.[4][5] Um texto sobrevivente do período imperial tardio, Origo gentis Romanae ('A origem do povo romano') é dedicado às variantes, muitas vezes contraditórias, do mito da fundação de Roma.[6]

Tanto a loba como o pica-pau, animais sagrados relacionados ao mito dos gêmeos, assim como o estupro sofrido por Reia Sílvia são características dos relatos mais antigos, como, por exemplo, uma das passagens do Antigo Testamento (Êxodo 2:1-10).[7]

Na Eneida de Virgílio e na Ab Urbe condita libri de Tito Lívio, Eneias, filho da deusa Vênus foge de Troia com seu pai Anquises, seu filho Ascânio e os sobreviventes da cidade. Com este realiza diversas peregrinações que o levam, por fim, ao Lácio, na península Itálica. Lá ele é recebido pelo rei local Latino, que oferece a mão de sua filha, Lavínia. Isso provoca a fúria do rei dos rútulos, Turno, um poderoso monarca itálico que se havia interessado por ela. Uma terrível guerra entre as populações da península eclode, e, como resultado, Turno é morto. Eneias, agora casado, funda a cidade de Lavínio em homenagem a sua esposa. Seu filho, Ascânio governa na cidade por trinta anos até que resolve se mudar e fundar sua própria cidade, Alba Longa.[8][9][10][11][12][13][14][15]

Cerca de 400 anos depois, o filho e legítimo herdeiro do décimo-segundo rei de Alba Longa, Numitor, é deposto por um estratagema de seu irmão Amúlio. Para garantir o trono, Amúlio assassina os descendentes varões de Numitor e obriga sua sobrinha, Reia Sílvia, a tornar-se vestal (sacerdotisa virgem, consagrada à deusa Vesta).[16] No entanto, Reia Sílvia engravida do deus Marte, gerando os gêmeos Rômulo e Remo.[17][18] Como punição, Amúlio prende Reia Sílvia em um calabouço e manda jogar seus filhos no Tibre.[19] Miraculosamente, o cesto onde estavam as crianças acaba atolando em uma das margens do rio no sopé dos montes Palatino e Capitolino, em uma região conhecida como Germalo, onde são encontrados por uma loba, que os amamenta.[20] Próximo às crianças estava um pica-pau, ave sagrada para os latinos e para o deus Marte, que o protege.[21] Tempos depois, Fáustulo, um pastor de ovelhas, encontra os meninos próximo ao pé da Figueira Ruminal (Ficus Ruminalis), na entrada de uma caverna chamada Lupercal.[22][23] Ele os recolhe e leva-os para sua casa, onde são criados por sua mulher Aca Larência.[24][25][26]

Rômulo e Remo crescem junto com os pastores da região, praticando caça, corrida e exercícios físicos. Também saqueavam as caravanas que passavam pela região. Em um dos assaltos, Remo é capturado e levado a Alba Longa. Fáustulo, então, revela a Rômulo a história de sua origem. Este parte para a cidade de seus antepassados, liberta seu irmão, mata Amúlio, devolve a Numitor o trono e todas as honrarias que lhe eram devidas.[27][28][29] Percebendo que não teriam futuro na cidade, os gêmeos decidem partir junto com todos os indesejáveis, para fundarem uma nova cidade, no local onde haviam sido abandonados.[28][30] Rômulo queria chamá-la Roma e edificá-la no Palatino, enquanto Remo desejava nomeá-la Remora e fundá-la sobre o Aventino.[31][32] Como forma de decidir foi estabelecido que se deveria indicar, através dos auspícios, quem seria escolhido para dar o nome à nova cidade e reinar depois da fundação. Isso gerou divergência entre os espectadores e uma acirrada discussão entre os irmãos, que terminou com a morte de Remo.[33]

Uma versão alternativa afirma que, para surpreender o Rômulo, Remo teria escalado o recém-construído pomério quadrangular da cidade, após o que, tomado pela fúria, Rômulo teria assassinado o irmão.[34] Segundo a tradição, Remo foi sepultado em uma região ao sul do Aventino, conhecida como Remoria, sendo também comemorada em 9 de maio a festa chamada Remúria (ou Lemúria), em sua homenagem.[35][36]

Rômulo reinou sobre Roma por 38 anos, tendo sido o Rapto das Sabinas um dos fatos mais importantes de seu reinado. Rômulo faleceu em 11 de julho de 716 a.C., durante uma tempestade provocada pelo deus Marte, quando foi tragado para o firmamento e transformado no deus romano Quirino.[37][nt 1]

Em uma outra versão Rômulo é assassinado por ordem do senado romano.[40]

Caverna Lupercal

[editar | editar código-fonte]

Em novembro de 2007, arqueólogos italianos anunciaram que tinham descoberto a caverna em que os romanos celebravam a festa da Lupercália e onde, segundo a lenda, Rômulo e Remo supostamente viveram. O especialista Andrea Carandini disse que isto é um dos maiores achados arqueológicos já feitos.[41] A identificação da caverna não foi unânime. No entanto, arqueólogos como Fausto Zevi consideram que é na verdade, uma dependência do palácio imperial.[42]

Existe muita divergência, tanto entre autores antigos quanto modernos, sobre as datas em que ocorreram os principais eventos na vida de Rômulo e Remo. O quadro abaixo é uma síntese das datas propostas por diferentes autores.

Eventos na vida de Rômulo e Remo
Autor Concepção Nascimento Fundação de Roma Morte de Rômulo
Cefalão de Gergis Na segunda geração após a Guerra de Troia, por Romus, filho de Eneias[43]
Timeu da Sicília 38o ano antes da primeira olimpíada (814 a.C.) [43]
Diodoro Sículo 751 a.C. [43]
Pórcio Catão 752 a.C. [43]
Dionísio de Halicarnasso Durante a sétima olimpíada (752−749 a.C.)[43]
Quinto Fábio Pictor 748 a.C. [43]
Lúcio Cínto

(senador)

729 a.C. [43]
Eusébio de Cesareia Durante a segunda olimpíada (772−769 a.C.)[44] Durante a sétima olimpíada (752−749 a.C.)
Tarúcio, astrólogo a serviço de Varrão dia 23 do mês Choeac de 772 a.C. (durante um eclipse solar) [45] dia 21 do mês Tote de 771 a.C. [45] dia 9 do mês Farmuti[45]
Plutarco 13 de abril de 754 a.C. (durante um eclipse solar)[45] 5 de julho, após reinar 37 anos[46]
Jerônimo 773 a.C. [47] 21 de abril de 755 a.C. [47] 716 a.C.[47]

Notas

  1. Quirino é considerado por muitos como de origem sabina, tendo ele sido posteriormente relacionado ao deus romano Marte, após a incorporação dos sabinos pelos romanos. Além disso, não há evidências até o século I a.C. do sincretismo entre Rômulo e Quirino.[38][39]

Referências

  1. Bendlin 2001, p. 1130.
  2. Salles 2008, p. 112.
  3. Halicarnasso século I a.C., p. 1, 72-90; 2, 1-76.
  4. Momigliano 1990, p. 101.
  5. Dillery 2009, p. 78-81.
  6. Cornell 1995, p. 57-58.
  7. Beck 2001, p. 89.
  8. Pedro 2005, p. 69.
  9. Plutarco século I, p. 1.2.
  10. Floro século II, p. I, 1.4.
  11. Lívio 27-25 a.C., p. 1,3.
  12. Halicarnasso século I a.C., p. 1.71.
  13. Sículo século I a.C., p. VII, 5.
  14. Virgílio 19 a.C., p. VI, 767.
  15. Ovídio 12, p. IV, 35.
  16. Plutarco século I, p. 3. 2.
  17. Plutarco século I, p. 3. 4.
  18. «The Founding of Rome» (em inglês). Consultado em 17 de abril de 2012 
  19. Floro século II, p. I, 1.2.
  20. Lívio 27-25 a.C., p. I, 4.
  21. Plutarco século I, p. 4, 2-3.
  22. Varrão século I a.C., p. V, 54.
  23. Plutarco século I, p. 4. 1.
  24. Plutarco século I, p. 3, 5-6.
  25. Lívio 27-25 a.C., p. I, 5-7.
  26. Floro século II, p. I, 1.3.
  27. Plutarco século I, p. 7-8.
  28. a b Lívio 27-25 a.C., p. 1,6.
  29. Floro século II, p. I, 1.5.
  30. Plutarco século I, p. 9, 1-2.
  31. Floro século II, p. I, 1.6.
  32. Halicarnasso século I a.C., p. 1.85.
  33. Plutarco século I, p. 9, 5; 10, 1-3.
  34. Salles 2008, p. 111.
  35. Plutarco século I, p. 9, 4; 11, 1.
  36. Ovídio 12, p. 445-492.
  37. Engels 2007, p. 103-130.
  38. Evans 1992, p. 103.
  39. Fishwick 1993, p. 53.
  40. Irmscher 1987, p. 507.
  41. «Romulus and Remus cave may have been found - experts». Consultado em 29 de abril de 2012 
  42. «È uno splendido ninfeo, ma il Lupercale non era lì». Consultado em 29 de abril de 2012 
  43. a b c d e f g Eusébio de Cesareia, Crônica, Os Romanos [em linha]
  44. Eusébio de Cesareia, Crônica, As Olimpíadas Gregas, Uma lista desde a primeira olimpíada até a 247a quando Antonino, filho de Severo, era imperador dos romanos [em linha]
  45. a b c d Plutarco, Vidas Paralelas, Vida de Rômulo [em linha]
  46. Plutarco, Vidas Paralelas, Vida de Numa [em linha]
  47. a b c Jerônimo de Estridão, Chronicon [em linha]
  • Bendlin, Andreas (2001). Enzyklopädie der Antike. [S.l.: s.n.] ISBN 3-476-01470-3 
  • Sículo, Diodoro (século I a.C.). Biblioteca Histórica (em grego). [S.l.: s.n.] 
  • Pedro, Antônio; Lizânias de Souza Lima; Yone de Carvalho (2005). História Do Mundo Ocidental. São Paulo: FTD. ISBN 978-85-322-5602-7 
  • Virgílio (19 a.C.). Eneida. [S.l.: s.n.] 
  • Halicarnasso, Dionísio de (século I a.C.). Das antiguidades romanas. [S.l.: s.n.] 
  • Plutarco (século I). Vida de Rômulo. [S.l.: s.n.] 
  • Irmscher, Johannes (1987). Lexikon der Antike. [S.l.: s.n.] ISBN 3-323-00026-9 
  • Evans, Jane DeRose (1992). The Arte of Persuasion. [S.l.]: Michigan University Press. ISBN 0-472-10282-6 
  • Lívio, Tito (27–25 a.C.). Ab Urbe condita libri. [S.l.: s.n.] 
  • Engels, David (2007). Postea dictus est inter deos receptus. [S.l.: s.n.] 
  • Varrão, Marco Terêncio (século I a.C.). De lingua latina. [S.l.: s.n.] 
  • Momigliano, Arnoldo (1990). The classical foundations of modern historiography. [S.l.]: California University Press 
  • Fishwick, Duncan (1993). The Imperial Cult in the Latin West. [S.l.: s.n.] ISBN 90-04-07179-2 
  • Cornell, T. (1995). The Beginnings of Rome: Italy and Rome from the Bronze Age to the Punic Wars (c.1000–264 BC). [S.l.: s.n.] ISBN 978-0-415-01596-7 
  • Dillery, Andrew (2009). The Cambridge Companion to the Roman Historians. [S.l.]: Cambridge University Press 
  • Floro, públio Aneu (século II). Epitoma de Tito Livio bellorum omnium annorum. [S.l.: s.n.] 
  • Ovídio, Publius Ovidius Naso (12 d.C.). Fasti. [S.l.: s.n.] 
  • Salles, Catherine (2008). Larousse das Civilização Antigas. Vol. I Dos faraós à fundação de Roma. São Paulo: Larousse do Brasil. ISBN 978-85-7635-443-7 
  • Beck, Hans (2001). Die frühen römischen Historiker. [S.l.: s.n.] ISBN 3-534-14757-X