Teologia da Cruz – Wikipédia, a enciclopédia livre
A teologia da Cruz (em latim: Theologia Crucis)[2] ou estaurologia[3] (do grego koiné stauros: "estaca" ou "cruz" + -logia: "estudo de")[4] é um termo cunhado pelo teólogo Martinho Lutero[2] para fazer referência à teologia que propõe que a cruz é a única fonte de conhecimento sobre quem é Deus e como Ele salva em contraste com a teologia da glória (theologia gloriae),[2] que enfatiza as habilidades e a razão humanas.
Doutrina católica
[editar | editar código-fonte]O parágrafo 2015 do Catecismo da Igreja Católica ("CIC") descreve o caminho da perfeição como passando pelo caminho da cruz. "Não há santidade sem renúncia e sem uma batalha espiritual. O progresso espiritual implica ascese e mortificação que gradualmente levam à vida em paz e à alegria as beatitudes.".[5]
Definição de Lutero
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O termo "theologia crucis" foi raramente utilizado por Lutero. Ele o utilizou pela primeira vez e o definiu explicitamente em contraste à teologia da glória na Disputa de Heidelberg de 1518. Durante este debate, Lutero representou os agostinianos e apresentou suas teses, que depois seriam determinantes para o movimento da Reforma Protestante. As teses teológicas pertinentes eram[6]:
- A lei de Deus, [ou] a mais salutar doutrina de vida não tem o poder de avançar o homem em sua busca pela justiça e, ao invés disto, o atrapalha.
- Ainda menos as obras humanas, que são repetidas muitas e muitas vezes com a ajuda de preceitos naturais, por assim dizer, levam a este fim.
- Emboras as obras do homem sempre pareçam atraentes e boas, elas são, apesar disso, provavelmente pecados mortais.
- Embora as obras de Deus sempre pareçam pouco atraentes e ruins, elas são, apesar disso, méritos eternos na realidade.
- As obras dos homens não são, desta forma, pecados mortais (falamos de obras que são aparentemente boas), apesar de terem sido crimes.
- As obras de Deus (as que Ele realiza através do homem) não são, desta forma, méritos apesar de terem sido sem pecado.
- As obras do justo serão pecados mortais se elas não forem temidas como pecados mortais pelos próprios justos através de uma piedosa temência a Deus.
- Muito mais são as obras do homem pecados mortais quando são realizadas sem o temor e em uma auto-confiança maligna e não adulterada.
- Dizer que obras sem Cristo são mortas, mas não mortais, parece constituir uma perigosa rendição do temor a Deus.
- De fato é muito difícil envergar como uma obra pode ser morta e, ao mesmo tempo, não ser danosa e um pecado mortal.
- Arrogância não pode ser evitada ou a verdadeira esperança [pode] estar presente a não ser que o julgamento de condenação seja temido à cada obra.
- Aos olhos de Deus pecados são, então, verdadeiramente veniais quando são temidos por homens como sendo mortais.
- Livre arbítrio, depois da queda, existe apenas no nome e assim como ele [livre arbítrio] faz o que é capaz de fazer, ele comete um pecado mortal.
- Livre arbítrio, depois da queda, tem o poder de fazer o bem apenas de forma passiva, mas pode fazer o mal de forma ativa.
- E também não pode o livre arbítrio persistir num estado de inocência e nem, muito menos, fazer o bem de forma ativa, mas apenas de forma passiva.
- A pessoa que acredita que pode obter a graça fazendo o que está nela própria acrescenta pecado ao pecado tornando-se duplamente culpada.
- E nem falar desta forma dá motivos para o desespero, mas sim para inflamar o desejo de se humilhar e buscar a graça de Cristo.
- É certo que o homem deve se desesperar completamente de suas próprias habilidades antes de estar preparado para receber a graça de Cristo.
- Não merece ser chamado de teólogo aquela pessoa que estuda as coisas invisíveis de Deus como se elas fossem claramente perceptíveis nas coisas que já aconteceram.
- Merece ser chamado de teólogo, porém, aquele que compreende as coisas visíveis e manifestas de Deus vistas através do sofrimento e da cruz.
- Um teólogo da glória chama o mal de bem e o bem de mal. Um teólogo da cruz chama as coisas do que são.
- A sabedoria que vê as coisas invisíveis de Deus nas obras percebidas pelo homem é completamente inchada, cega e teimosa.
- A lei traz a fúria de Deus, mata, ultraja, acusa, julga e condena tudo o que não está em Cristo.
- Apesar disto, este conhecimento não é maligno e nem a lei deve ser evitada; mas sem a teologia da cruz, o homem utiliza o melhor da pior maneira.
- Não é justo aquele que faz muito, mas aquele que, sem obras, acredita muito em Cristo.
- A lei diz "faça isso" e isto nunca é feito. A graça diz "acredite nisto" e tudo já está feito.
- Devemos chamar a obra de Cristo uma obra em andamento e as nossas obras uma obra realizada e, desta forma, uma obra realizada agradável a Deus pela graça da obra em andamento.
- O amor de Deus não encontra, mas cria, o que é agradável a Si próprio. O amor do homem só existe através do que agradável a Ele.
Princípios
[editar | editar código-fonte]Lendo as teses é fácil perceber que Lutero insiste na completa inabilidade da humanidade em cumprir a lei de Deus. De forma consistente com sua doutrina evangélica inovadora, Lutero enfatiza o papel da graça de Deus como salvadora. As boas obras e o cumprimento da lei não tem o poder de melhorar a situação do homem.
Segundo Lutero, o teólogo da cruz prega o que parece tolo para o mundo (I Coríntios 1:18). Em particular, o teólogo da cruz prega que os humanos não podem, de forma alguma, merecer a retidão (ou justiça), que os humanos não tem como acrescentar nada à retidão da cruz e que qualquer retidão concedida à humanidade vem de "fora de nós" ("extra nos").
Em contraste, segundo Lutero, o teólogo da glória prega que os humanos tem o poder de fazer o bem que está dentro deles ("quod in se est"), que restou, depois da queda, alguma capacidade de escolher o bem e que os humanos não podem ser salvos sem participarem da u cooperarem com a retidão concedida por Deus.
Segundo a compreensão de Lutero, estas duas teologias partiam de dois pontos de partida radicalmente opostos: eles tinha diferentes epistemologias ("meios de se compreender") sobre como as pessoas conheciam Deus e o mundo. Para o teólogo da glória, a razão e os sentidos humanos devem ser aplicados para aumentar o conhecimento sobre Deus e o mundo. Assim, se uma ação parece ser boa ela deve ser boa. Para o teólogo da cruz, é apenas através da auto-revelação de Deus que as pessoas podem conhecer Deus e sua relação com Ele; e a mais perfeita auto-revelação de Deus é o Verbo de Deus encarnado, Jesus, o Cristo. Assim, mesmo se uma ação parecer boa, ainda assim Cristo morreu na cruz pelos pecados humanos e pela natureza pecaminosa do homem e, portanto, a ação não é tão boa como parece.
No sermão de Lutero "Dois Tipos de Retidão" (ou "Justiça") ele se refere à teologia da cruz como a "retidão estrangeira" e à teologia da glória como a "retidão propriamente dita" (por sua origem na percepção da pessoa que presume ter se justificado (ou "se tornado reto") por si próprio ou por suas obras).
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Augsburg Confession, Article XVIII: Of Free Will.
- ↑ a b c Ed. Lull, Timothy (2005). Martin Luther's Basic Theological Writings 2nd ed. Minneapolis: Fortress Press. p. 50
- ↑ Martin Luther's Basic Theological Writings, p. 251.
- ↑ occurrences on Google Books.
- ↑ «Catecismo da Igreja Católica § 2015». Site oficial do Vaticano
- ↑ Jaroslav Pelikan and Helmut Lehmann, gen. eds., Luther's Works, (St. Louis: Concordia Publishing House, Philadelphia: Fortress Press, 1955-86), 55 vols., 31:39-40.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Deutschlander, Daniel M. "The Theology of the Cross: Reflections on His Cross and Ours". Northwestern Publishing House, 2009.
- Forde, Gerhard. On Being a Theologian of the Cross. Eerdmans, 1997. ISBN 0-8028-4345-X .
- Hall, Douglas John. Lighten Our Darkness. Academic Renewal Press, 2001. ISBN 0-7880-9900-0.
- von Loewenich, Walter. Luther's Theology of the Cross. Augsburg, 1976. ISBN 0-8066-1490-0.
- McGrath, Alister. Luther's Theology of the Cross. Blackwell Publishing, 1990. ISBN 0-631-17549-0.
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Richardson, Alan; Bowden, John John (1983). «Cross, Theology of (pp. 135ss.)». The Westminster Dictionary of Christian Theology. Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press ISBN 0-664-22748-1; ISBN 978-0-66422-748-7
- Luther on the Theology of the Cross By Robert Kolb. Lutheran Quarterly
- (em italiano) Bollettino Staurós, "Staurós Bulletin" founded in 1975 at Recanati by the Passionists