Tratado de Amizade e Não Agressão Luso-Espanhol – Wikipédia, a enciclopédia livre
O Tratado de Amizade e Não Agressão Luso-Espanhol (1939), que deu lugar ao Pacto Ibérico e consequente proclamação do Bloco Ibérico (1942),[1] foi um tratado de 17 de março de 1939. Assinado pelo Presidente do Conselho de Ministros do governo autoritário de Portugal, António de Oliveira Salazar, e pelo embaixador de Espanha, Nicolás Franco (irmão mais velho de Francisco Franco). O pacto visava preservar a neutralidade da Península Ibérica em caso de um conflito mundial, num contexto em que Espanha simpatizava com as potencias do Eixo ao passo que as simpatias de Portugal pendiam para o lado Britânico. Nos termos do documento, Portugal e Espanha reconheciam mutuamente as respetivas fronteiras, estabeleciam relações de amizade e comprometiam-se a efetuar consultas diversas entre si, com vista a uma ação concertada em caso de conflito. Após o início da Segunda Guerra Mundial virá a ter um Protocolo Adicional assinado em 29 de Julho de 1940 também em Lisboa, reiterando a neutralidade peninsular. Este tratado e a diplomacia Portuguesa viriam a ter um papel importante na criação do um bloco Ibérico neutro em 1942 e na aproximação da Espanha Franquista aos Aliados da Segunda Guerra Mundial.
Esteve em vigor até 1977, sendo então substituído pelo Tratado de Amizade e Cooperação entre Portugal e Espanha, ratificado no ano seguinte, em plena Transição Espanhola.
História
[editar | editar código-fonte]Na Guerra Civil Espanhola, deflagrada em julho de 1936, estava fundamentalmente em causa a implantação de um regime republicano parlamentar ou um fascista em Espanha, que poderia influenciar toda a Península Ibérica, e até mesmo o resto da Europa. De um lado posicionaram-se as forças do nacionalismo espanhol e do fascismo, aliadas às classes e instituições tradicionais da Espanha (O Exército, a Igreja e o Latifúndio), apoiados internacionalmente pela Alemanha Nazi e Itália Fascista que se opunha à Frente Popular formada por Socialistas, Comunistas (estalinistas e troskistas), Anarquistas e Democratas liberais, apoiados internacionalmente pela União Soviética e México.[2]
Salazar, antiparlamentar e anticomunista, tinha várias razões para temer a Segunda República Espanhola e por isso apoiou ativamente Francisco Franco, servindo de retaguarda para apoio logístico, apoio financeiro, favorecimento para a aquisição de armas e munições, chegando inclusive a apoiar as tropas franquistas com um corpo de militares denominado "Viriatos".[3] Por outro lado os governos republicanos imbuídos de messianismo democratizante tinham apoiado a oposição ao regime ditatorial Salazarista e preconizavam uma Confederação de estados ibéricos que poderia colocar em causa, no futuro, a existência de Portugal enquanto país independente. Sendo os governos republicanos eram apoiados pela União Soviética, Salazar também temia a influencia que estes poderiam vir a ter na Península Ibérica. Salazar não hesitou, portanto, em apoiar o ditador espanhol desde a primeira hora e daí o enorme prestígio ganho por Portugal nas hostes franquistas. Salazar nomeia Pedro Teotónio Pereira para a delicada função de “Agente Especial” do Governo Português junto do Governo de Franco. Teotónio Pereira chega a Salamanca a 19 de Janeiro de 1938 encontrando uma atmosfera de grande simpatia do governo sediado em Burgos para com os diplomatas alemães e italianos e uma atmosfera de grande hostilidade para com os diplomatas dos restantes países.[4] Teotónio Pereira cedo começou a contrariar este ambiente e Portugal virá a ter um papel fundamental no afastamento da Espanha Franquista relativamente às Potências do Eixo, na aproximação aos Aliados e na criação de um Bloco Ibérico neutro,.[4][5] Este papel importantíssimo de Salazar e de Teotónio Pereira é reconhecido e objecto de copiosos elogios por parte de Carlton Hayes, o historiador e Embaixador Americano em Madrid durante a guerra no seu livro Wartime mission in Spain,1942-1945[6] e por parte do Embaixador Britânico, Samuel Hoare, no seu livro “Ambassador on a Special Mission”.[7][nota 1]
Em 28 de Abril de 1938 Salazar anuncia na Assembleia Nacional o reconhecimento político oficial do Governo de Franco, em 11 de Maio dissolve-se em Portugal a Junta de Representação do Estado Espanhol e a 20 de Setembro de 1938, o Embaixador de Portugal em Espanha, Pedro Teotónio Pereira, envia um telegrama sugerindo que se celebrasse um “Pacto de Não-Agressão” com a Espanha. Após longas negociações, a 17 de Março de 1939 é assinado em Lisboa o Tratado Luso-Espanhol de Amizade e Não-Agressão (também denominado "Pacto Ibérico). Em 14 de Abril de 1939 o Embaixador de Itália em Lisboa procura que Portugal adira ao Pacto anti-comunista subscrito pela Alemanha, Itália e Espanha, tendo esta proposta sido recusada.
Nos termos do documento, Portugal e Espanha reconheciam mutuamente as respetivas fronteiras, estabeleciam relações de amizade e comprometiam-se a efetuar consultas diversas entre si, com vista a uma ação concertada. Implicitamente, o que ficava consagrado era uma identidade de interesses e um pacto entre dois regimes essencialmente análogos, o Estado Novo e a ditadura do general Francisco Franco, que estava prestes a emergir da guerra civil.
As negociações que conduziram à assinatura do tratado tiveram o apoio ativo da diplomacia do Reino Unido, que via nesta aliança um vantajoso contraponto, no próprio continente, às tentações expansionistas da Alemanha Nazi e da Itália Fascista, potências que já marcavam presença forte na Guerra Civil Espanhola apoiando as tropas franquistas.
Em 5 de julho de 1940, após a capitulação da França, e com os tanques alemães nos Pirenéus, Salazar envia instruções para o Embaixador de Portugal em Madrid no sentido de “se poder levar um pouco mais longe o Tratado de Amizade e Não-Agressão” com a Espanha. Em 29 de Julho de 1940 é assinado em Lisboa o Protocolo Adicional ao Tratado de Amizade e Não-Agressão entre Portugal e Espanha, reiterando a neutralidade peninsular. Apesar disto o ditador espanhol mantinha no final desse ano, com grande secretismo, extensos planos militares para uma hipotética invasão de Portugal em larga escala, posterior ao primeiro passo que seria a ocupação de Gibraltar.[8]
Não obstante a Espanha manteve a sua posição de não-beligerância para com o Reino Unido da Grã-Bretanha e Estados Unidos ao longo da Segunda Guerra Mundial, embora alguns sectores políticos espanhóis se inclinassem para a intervenção alargada no conflito.[nota 2]
O tratado marcou um ponto de viragem nas relações entre Portugal e Espanha. Mais tarde, em entrevista ao jornal francês “Le Figaro”, a 13 de Janeiro de 1958, Francisco Franco viria a afirmar sobre o ditador português: “O homem de Estado mais completo, mais respeitável de entre todos os que conheci, eu dir-lhe-ei: Salazar. Tenho aqui um personagem extraordinário, pela sua inteligência, o sentido político, a humanidade. O seu único defeito é, talvez, a modéstia”.[9]
Notas
- ↑ Sobre Salazar, o Embaixador Britânico, no mesmo livro, diria: Salazar detestava Hitler e toda a sua obra…dado que o seu estado corporativo era fundamentalmente diferente do estado concebido pelo Nazismo ou o Fascismo, Salazar nunca me deixou dúvidas quanto ao seu desejo de uma derrota Nazi
- ↑ Ainda que a Espanha não tenha aderido oficialmente à II Guerra Mundial do lado da Alemanha nazi, o general Francisco Franco permitiu a formação da Divisão Azul que combateu a União Soviética
Referências
- ↑ «ABC MADRID 22-12-1942 página 10 - Archivo ABC». abc. 5 de agosto de 2019. Consultado em 30 de agosto de 2020
- ↑ «Geopolítica crítica: el Pacto Ibérico de 1939». www.ub.edu. Consultado em 30 de agosto de 2020
- ↑ Redondo, Jiménez; Carlos, Juan (1993). «La política del bloque ibérico: las relaciones hispano-portuguesas (1936-1949)». Mélanges de la Casa de Velázquez (3): 175–201. doi:10.3406/casa.1993.2671. Consultado em 30 de agosto de 2020
- ↑ a b Cruz, Manuel (2004). «Pedro Teotónio Pereira, Embaixador Português em Espanha durante as Guerras» (PDF). Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Consultado em 30 de agosto de 2020
- ↑ "Os aliados conseguem continuar a fazer publicar em Espanha notícias e fotografias que lhes são favoráveis. Os alemães atribuem essa propaganda dos aliados à "acção perigosa desenvolvida por Portugal junto do governo espanhol, conhecida a extraordinária influência pessoal e política do Embaixador de Portugal em determinados meios políticos e sociais de Espanha", especialmente junto dos Ministros de Assuntos Estrangeiros, das Finanças e da Indústria e Comércio, a quem se deveria o tratado Comercial com a França e o projecto de tratado com a Inglaterra, "feitos com a tenaz oposição da Alemanha", e a quem se devia a aproximação da Espanha aos países aliados." Manuel Braga da Cruz in Pedro Teotónio Pereira, Embaixador Português em Espanha durante as Guerras.
- ↑ Hayes 1945, p. 36 e 119.
- ↑ Hoare 1946, pp. 124-125.
- ↑ «El día en que España casi invadió Portugal: el plan militar de 99 páginas que Franco ocultó». El Confidencial (em espanhol). 14 de dezembro de 2019. Consultado em 30 de agosto de 2020
- ↑ No original: "Verá usted: si yo me pregunto cuál es el hombre de Estado más completo, más respetable entre todos los que he conocido, yo le diré: Salazar. He aquí a un personaje extraordinario, por la inteligencia, el sentido político, la humanidad. Su único defecto es tal vez la modestia."
Fontes
[editar | editar código-fonte]- Hayes, Carlton J.H (1945). Wartime mission in Spain, 1942-1945 (em inglês) 1 ed. NY: Macmillan Company 1st Edition. ISBN 9781121497245
- Hoare, Samuel (1946). Ambassador on Special Mission (em inglês) 1 ed. Londres: Collins. pp. 124 e 125
- Jiménez Redondo, Juan Carlos (2013). «Salazar y el salazarismo vistos desde el exterior: sistema político, atraso económico y realidad social». Espacio, tiempo y Forma, Serie V, Historia Contemporánea (em espanhol) (25): 187-214. Consultado em 30 de Novembro de 2015
- Jimenez Redondo, Juan Carlos (1993). «La política del bloque ibérico: las relaciones hispano-portuguesas (1936-1949)». Mélanges de la Casa de Velázquez (3): 175–201. doi:10.3406/casa.1993.2671. Consultado em 30 de agosto de 2020
- Kay, Hugh (1970). Salazar and Modern Portugal (em inglês). NY: Hawthorn Books
- Pereira, Pedro Teotónio (1987). "Correspondência de Pedro Teotónio Pereira Oliveira Salazar". [S.l.]: Presidência do Conselho de Ministros. Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista
- Pereira, Pedro Teotónio (1973). "Memórias". [S.l.]: Verbo - 2 Volumes
- Rezola, Maria Inácia (2008). «The Franco–Salazar Meetings:Foreign policy and Iberian relations during the Dictatorships (1942-1963)» (PDF). e-journal of Portuguese History (em inglês). 6 (2). Consultado em 24 de janeiro de 2015
- Tusell, Javier (1995). Franco, España y la II Guerra Mundial: Entre el Eje y la Neutralidad (em espanhol). [S.l.]: Ediciones Temas de Hoy. ISBN 9788478805013
- Rodríguez Garoz, Raquel. «Geopolítica Crítica: El Pacto Ibérico de 1939» in Scripta Nova: Revista Electrónica de Geogrfia y Ciencias Sociales, Universidade de Barcelona, ISSN 1138-9788, Vol. IX, núm. 198, 1 de outubro de 2005.