Bel e o Dragão – Wikipédia, a enciclopédia livre

Daniel engana os sacerdotes de Bel

A história de Bel e o Dragão, incorporada como o capítulo 14 das Adições em Daniel, foi escrita em aramaico por volta do final do século II a.C. e traduzida para o grego na Septuaginta. Este capítulo, assim como o capítulo 13, é considerado como deuterocanônico para as Igrejas Católica e Ortodoxas e considerado apócrifo pelos protestantes, geralmente não sendo encontrado em bíblias protestantes atuais, embora ainda fizesse parte da edição original de 1611 da edição da King James Version ("KJV"). A história está listada no artigo VI dos Trinta e Nove artigos da Igreja Anglicana.[1]

O capítulo é constituído de três narrativas independentes[2] que colocam Daniel na corte de Ciro II, rei dos persas: "Quando o rei Astíages foi ter com os seus ancestrais, Ciro, o persa, o sucedeu em seu reino.".[3] Lá, Daniel "foi um companheiro do rei e era o mais honrado entre eles" (14:1)

A narrativa de Bel (14:1-22) ridiculariza a adoração aos ídolos. Nela, o rei pergunta à Daniel: "Você não acha que Bel é um deus vivo? Você não vê que ele come e bebe todos os dias?", ao que Daniel responde que o ídolo é feito de argila coberta de bronze e, assim, não poderia comer e nem beber.

Enfurecido, o rei ordena que os setenta sacerdotes de Bel mostrem quem consome as oferendas feitas ao ídolo. Os sacerdotes desafiam o rei a depositar suas oferendas, como sempre fizera (que eram as "doze medidas grandes de farinha de boa qualidade, quarenta ovelhas e seis vasilhas de vinho"), e então a selar a entrada para o templo com seu anel: se Bel não consumisse as oferendas, os sacerdotes poderiam ser sentenciados à morte. Caso contrário, Daniel o seria.

Daniel então prova, através de um estratagema - ele espalhou cinzas por todo o perímetro do templo, na presença do rei e após os sacerdotes terem partido - que as oferendas sagradas de Bel eram, na realidade, consumidas à noite pelos sacerdotes e por suas esposas e filhos, que entravam por uma passagem secreta após as portas do templo terem sido seladas.

Na manhã seguinte, Daniel chama a atenção para as pegadas no chão do templo. Os sacerdotes de Bel foram então presos e, confessando seus atos, mostraram a passagem secreta que se utilizavam para entrar no templo. Eles, suas esposas e filhos, foram executados e Daniel obteve a permissão para destruir o ídolo de Bel e seu templo.

Daniel mata o dragão servindo-lhe pão envenenado, afresco de 1580 no Castelo de Parz, Áustria.

Na breve, e autônoma, narrativa seguinte sobre o dragão (14:23-30), "…havia um grande dragão, que os babilônios reverenciavam." Neste caso, o deus não é um ídolo. Porém, Daniel mata o dragão misturando piche, gordura e cabelos (trichas) para fazer pães (mazas, bolos de cevada, traduzido como "massas") que fizeram com que o dragão explodisse após comê-las. Em outras versões, outros ingredientes serviram ao mesmo propósito: em uma versão da Midrash, palha foi servida, na qual pregos estavam escondidos[4] ou peles de camelo foram preenchidas com carvão em brasa.[5] No ciclo alexandrino de romances, foi o próprio Alexandre, o Grande quem teria matado o dragão, servindo-lhe veneno e alcatrão.[6]

O paralelo com a disputa entre Marduque e Tiamat, no qual os ventos (sâru) controlados por Marduque fizeram Tiamat explodir, já foi percebida por muitos estudiosos,[7][8] com "pães de cevada" sendo substituída por "ventos".[9] Como resultado, os babilônios ficaram indignados: "O rei se tornou um judeu, ele destruiu Bel e matou o dragão, e assassinou os sacerdotes", eles afirmaram, e demandaram que Daniel lhes fosse entregue.

Daniel na cova dos leões

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Daniel na cova dos leões, por Briton Rivière

A terceira narrativa (14:31-42), Daniel na cova dos leões, é, aparentemente, a primeira ou a segunda viagem de Daniel. Ela já foi entendida como sendo uma consequência do episódio anterior, mas, na Septuaginta, o episódio é precedido de uma nota: "Da profecia de Habacuque, filho de Jesus, da tribo de Levi". Daniel não é molestado na cova e os sete leões foram alimentados pela milagrosa providência do profeta Habacuque. "No sétimo dia, o rei veio velar por Daniel. Quando ele se aproximou da cova, lá estava Daniel! O rei gritou alto: 'És grande, Ó Senhor, Deus de Daniel, e não há nenhum além de Ti!' Ele então libertou Daniel e jogou na cova os que haviam tentado destrui-lo e eles foram imediatamente devorados diante dos olhos do rei."

O texto grego de "Bel e o dragão" existe em duas versões. A primeira, representada na minoria dos manuscritos, às vezes chamadas de versão "Grega Antiga", que parece ser a tradução da Septuaginta, e que era evidentemente tão insatisfatória que a igreja antiga optou por substituí-las pela versão de Teodócio nas cópias oficiais da LXX que sobreviveram.

Referências

  1. «Article VI| publicado Anglicans Online.org» (em inglês). Consultado em 27 de dezembro de 2010 
  2. The Jerome Biblical Commentary (em inglês). 1. [S.l.: s.n.] 460 páginas  afirma, sobre o segundo episódio, "Embora tenha sido uma história independente, na sua forma atual está editado para se conformar à história anterior. Daniel J. Harrington escreveu sobre Daniel 14:23-42: "Esta adição é uma combinação de três episódios" (em Harrington. Invitation to the Apocrypha (em inglês). [S.l.: s.n.] 118 páginas ; Robert Doran escreve, porém, "As ligações entre todos os episódios em ambas as versões são tão difundidos que a narrativa deve ser vista como um todo. Histórias assim podem, teoricamente, ter existido independentemente, mas não há evidências disso." (em Doran. Harper's Bible Commentary (em inglês). [S.l.: s.n.] 868 páginas 
  3. Na versão grega que sobreviveu, a forma verbal parelaben é um sintoma de aramaismo, refletindo a versão aramaica qabbel, que aqui não significa "receber" e sim "suceder ao trono" (em ZIMMERMANN, F. (outubro de 1958). «4». Bel and the Dragon. Vetus Testamentum (em inglês). [S.l.: s.n.] 440 páginas 
  4. Zimmermann 1958:438f, nota 1 apud Neubauer, A. (1878). Book of Tobit (em inglês). Oxford: [s.n.] 43 páginas 
  5. Zimmermann 1958:439, nota 2 apud o tratado talmúdico Nedarim, ed. Krotoschin, (1866) 37d.
  6. Zimmermann 1958:439 nota 3 apud Spiegel. «293». Iranische Altertümer. II. [S.l.: s.n.]  e Theodor Nöldeke (1890). Beiträge zur geschichte Alexanderromans (em alemão). Viena: [s.n.] 22 páginas 
  7. Este artigo incorpora texto da Enciclopédia Judaica (Jewish Encyclopedia) (em inglês) de 1901–1906 (artigo "Bel and the dragon" por Crawford Howell Toy), uma publicação agora em domínio público.
  8. Encyclopaedia Biblica, verbete "Daniel" e Zimmermann 1958
  9. Zimmermann 1958:440.

Ligações externas

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