Fascismo clerical – Wikipédia, a enciclopédia livre

Fascismo clerical é um conjunto ideológico que combina as doutrinas políticas e econômicas do fascismo com teologia ou religião tradicional. O termo tem sido usado para descrever organizações e movimentos que combinam elementos religiosos com fascismo, apoiados por organizações religiosas fascistas ou regimes fascistas nos quais o clero exerce uma liderança. Para o fascismo clerical católico o termo Integralismo Católico é em algumas vezes usado, todavia tem pontos de discordância com o fascismo. O fascismo clerical é reconhecido como supranacional por acadêmicos como Richard Falk.[1]

O termo é usado por historiadores que pretendem fazer uma distinção entre o fascismo autoritário e conservador de inspiração católica de variantes mais radicais de fascismo, como o nazismo.[2] Os fascistas cristãos focam-se em adotar políticas de inspiração religiosa, aprovando leis que reflitam a sua perspectiva do Cristianismo. Estes movimentos emergiram a partir da extrema-direita sobretudo durante o período entreguerras na primeira metade do século XX.[3]

Ver artigos principais: Tratado de Latrão e Questão Romana
Papa Pio XI na inauguração da rádio Vaticano acompanhado do cardeal Pacelli, futuro papa Pio XII, em 1931

O termo "fascismo clerical" surgiu no Reino de Itália no início da década de 1920 para se referir à facção católica do Partido Popular Italiano (PPI) que apoiava o regime de Benito Mussolini. O termo terá sido cunhado por Don Luigi Sturzo, um padre e líder democrata cristão que se opunha a Mussolini e que se viria a exilar em 1924.[4] No entanto, o termo foi usado anteriormente à Marcha sobre Roma, em 1922, para se referir aos católicos do Norte de Itália que defendiam uma síntese entre catolicismo e fascismo.[5] Sturzo distinguia entre os "folofascistas", que abandonaram o PPI entre 1921 e 1922, e os "fascistas clericais", que permanecera no partido após a Marcha sobre Roma e que defendiam a colaboração com o governo fascista.[6] Posteriormente, este último grupo viria a convergir com Mussolini, abandonando o PPI em 1923 e criando o Centro Nazionale Italiano. O PPI viria a ser extinto pelo regime fascista em 1926.[7]

Em 11 de fevereiro de 1929, Pietro Gaspari, Cardeal Secretário do Estado do Papa Pio XI e Mussolini, assinaram o Tratado de Latrão que colocava um fim na Questão Romana, a disputa de seis anos entre o papado e o reino da Itália.

O Tratado de Latrão de 1929 foi uma tentativa de acabar com um conflito que existia desde 1870-1871 entre o Estado italiano e a Igreja Católica Romana. Entre 1870 e 1929, os papas eram "prisioneiros do Vaticano", e eram opositores do "liberal" Estado italiano. A maioria dos políticos italianos eram abertamente anticlericais e procurou limitar o controle católico na educação e no casamento.[8]

Desde que Mussolini sabia ele não deveria atacar a Igreja Católica ou os seus apoiantes camponeses, ele posou como o "protetor" dos católicos italianos. Ele abriu negociações com o papado, em 1926, para curar a ferida entre a Igreja e o "poder usurpador", como oficiais da Igreja que se referiam ao Estado italiano. As negociações não foram fáceis, mas Mussolini logo mostrou que tinha vantagem quando proibiu a organização da juventude católica Exploratori cattolici.[9] A hierarquia da Igreja foi dividida entre "católicos sociais" que se opunham ao fascismo, e os conservadores e pragmáticos que aceitavam o governo de Mussolini como desejável. A maioria dos católicos italianos não eram antifascistas, pois o nacionalismo os empurrou para o fascismo. Outros viam em Mussolini o menor dos males, preferível à anarquia ou ao marxismo.[10]

Achille Ratti, Cardeal Arcebispo de Milão, tornou-se o Papa Pio XI em 1922. Ele havia testemunhado a luta dos comunistas e dos anarco-sindicalistas na área industrial milanesa. Ele também testemunhou a ascensão do fascismo, já que Milão foi um dos principais centros de atividade fascista.[11] Os fascistas milaneses serviram como fura-greves, espancavam adversários políticos e envolviam-se em brigas de rua com os comunistas. Mesmo assim, Pio XI, aparentemente, estava convencido de que o fascismo era uma força menos destrutiva do que o comunismo e que Mussolini seria um líder responsável.[12] Depois de se tornar Papa, ele ativamente promoveu uma frente política unida contra a Esquerda, repreendendo o Partito Popolari que queria se aliar-se com socialistas e outros contra a rápida ascensão do partido fascista. Um pequeno número de líderes católicos - por exemplo, aqueles em torno da revisão jesuíta La Civilità Cattolica - clamou que o fascismo tinha efetivamente sintetizado os valores do Popolari, tornado-o redundante.[12]

Recentemente a relação da igreja católica com o fascismo italiano voltou a ser discutido após uma reportagem investigativa do jornal britânico The Guardian. A reportagem revela que por trás de uma estrutura de paraíso fiscal disfarçada de empresa, o portfólio internacional da Igreja foi construído ao longo dos anos, usando o dinheiro originalmente entregue por Mussolini em troca do reconhecimento papal do regime fascista italiano em 1929, o jornal cita como fonte das pesquisas, arquivos públicos antigos e históricos de empresas, que indicariam que o início dos investimentos da Igreja aconteceu depois de milhões recebidos do regime fascista em troca da independência do Estado do Vaticano - e do reconhecimento do governo do ditador. Após anos, o capital se multiplicou e teria chegado a €680 milhões, cerca de US$ 904 milhões.[13][14] o Vaticano declarou que a reportagem como "um conjunto de notícias imprecisas ou infundadas, reunidas de forma tendenciosa e pouco rigorosa"[15][16]

  1. «Resisting the Global Domination Project: An interview with Prof. Richard Falk». www.wagingpeace.org (em inglês). Nuclear Age Peace Foundation. 2003. Cópia arquivada em 26 de agosto de 2018 
  2. H.R. Trevor-Roper, "The Phenomenon of Fascism", in S. Woolf (ed.), Fascism in Europe (London: Methuen, 1981), especially p. 26. Cited in Roger Eatwell, "Reflections on Fascism and Religion" Arquivado em 2007-05-01 no Wayback Machine
  3. Feldman, Turda & Georgescu 2008.
  4. Eatwell, Roger (2003). «Reflections on Fascism and Religion». Consultado em 14 de fevereiro de 2007. Cópia arquivada em 1 de maio de 2007 
  5. Walter Laqueur, "The Origins of Fascism: Islamic Fascism, Islamophobia, Antisemitism" Arquivado em 2008-01-14 no Wayback Machine, Oxford University Press, 25.10.2006
  6. Carlo Santulli, Filofascisti e Partito Popolare (1923-1926) (dissertation), Università di Roma - La Sapienza, 2001, p. 5.
  7. Carlo Santulli, Id.
  8. John F. Pollard (17 de novembro de 2005). The Vatican and Italian Fascism, 1929-32: A Study in Conflict. [S.l.]: Cambridge University Press. p. 15. ISBN 978-0-521-02366-5 
  9. Gaston Gaillard (1932). La fin d'un temps: au seuil d'un nouvel âge (em francês). [S.l.]: Éditions Albert 
  10. Thomas Bokenkotter (19 de maio de 2010). Church and Revolution. [S.l.]: Doubleday Religious Publishing Group. p. 369. ISBN 978-0-307-87486-3 
  11. John Pollard (13 de setembro de 2000). Unknown Pope: Benedict XV (1914-1922) and the Pursuit of Peace. [S.l.]: Continuum. p. 184. ISBN 978-0-567-49967-7  (em inglês)
  12. a b Ami Pedahzur; Leonard Weinberg (25 de março de 2004). Religious Fundamentalism and Political Extremism. [S.l.]: Taylor & Francis. p. 152. ISBN 978-0-203-01096-9  (em inglês)
  13. The Guardian, How the Vatican built a secret property empire using Mussolini's millions, 21/jan/2013 (em inglês)
  14. O Globo, Jornal diz que Vaticano construiu império com dinheiro de Mussolini, 22/01/2013
  15. L'Osservatore Romano, Não se deve maltratar a história, 1/fev/2013
  16. Revista Exame, Vaticano nega acordo com regime fascista italiano, 29/01/2013
  • Zanini, Paolo (20 de outubro de 2015). «Twenty years of persecution of Pentecostalism in Italy: 1935-1955». Journal of Modern Italian Studies. 20 (5): 686–707. ISSN 1469-9583 1354-571X, 1469-9583 Verifique |issn= (ajuda). doi:10.1080/1354571X.2015.1096522. Consultado em 26 de agosto de 2018 
  • Eatwell, Roger (2003). Reflections on Fascism and Religion. [S.l.: s.n.] 
  • Kertzer, David I. (2014). The Pope and Mussolini: The Secret History of Pius XI and the Rise of Fascism in Europe. New York City: Random House. ISBN 978-0-8129-9346-2 
  • Giordano, Alberto; Holian, Anna (2018). «The Holocaust in Italy». United States Holocaust Memorial Museum 
  • Pollard, John F. (2014). The Vatican and Italian Fascism, 1929-32: A Study in Conflict. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 978-0-521-26870-7 
  • Zanini, Paolo (2015). «Twenty years of persecution of Pentecostalism in Italy: 1935-1955». Journal of Modern Italian Studies. 20 (5): 686–707. doi:10.1080/1354571X.2015.1096522 
  • Risveglio Pentecostale. [S.l.]: Assemblies of God in Italy 
  • Berlet, Chip (2005). «Christian Identity: The Apocalyptic Style, Political Religion, Palingenesis, and Neo-Fascism». Fascism as a Totalitarian Movement. New York: Routledge. 196 páginas. ISBN 978-0-415-34793-8 
  • Berlet, Chip. «When Alienation Turns Right: Populist Conspiracism, the Apocalyptic Style, and Neofascist Movements». The Evolution of Alienation: Trauma, Promise, and the Millennium. [S.l.: s.n.] 130 páginas 
  • Mozaffari, Mehdi (março de 2007). «What is Islamism? History and Definition of a Concept». Totalitarian Movements and Political Religions. 8 (1): 17–33 
  • Bulajić, Milan (1994). The Role of the Vatican in the break-up of the Yugoslav State: The Mission of the Vatican in the Independent State of Croatia. Col: Ustashi Crimes of Genocide. Belgrade: Stručna knjiga 
  • Bulajić, Milan (2002). Jasenovac: The Jewish-Serbian Holocaust (the role of the Vatican) in Nazi-Ustasha Croatia (1941-1945). Belgrade: Fund for Genocide Research, Stručna knjiga 
  • Falconi, Carlo (1970). The Silence of Pius XII. Boston and Toronto: Little, Brown, and Company 
  • Rhodes, Anthony (1973). The Vatican in the Age of the Dictators 1922-1945. New York: Holt, Rinehart and Winston 
  • Cornwell, John (1999). Hitler's Pope; The Silence of Pius XII. London: Viking 
  • Rivelli, Marco Aurelio (1998). Le génocide occulté: État Indépendant de Croatie 1941–1945. Lausanne: L'age d'Homme 
  • Rivelli, Marco Aurelio (1999). L'arcivescovo del genocidio: Monsignor Stepinac, il Vaticano e la dittatura ustascia in Croazia, 1941-1945. Milano: Kaos 
  • Rivelli, Marco Aurelio (2002). "Dio è con noi!": La Chiesa di Pio XII complice del nazifascismo. Milano: Kaos 
  • Phayer, Michael (2000). The Catholic Church and the Holocaust, 1930–1965. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press 
  • Phayer, Michael (2008). Pius XII, the Holocaust, and the Cold War. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press 
  • Jasenovac: Proceedings of the First International Conference and Exibit on the Jasenovac Concentration Camps. [S.l.]: Dallas Publishing. 2005 
  • Fascism, Totalitarianism and Political Religion. [S.l.]: Routledge. 2005 
  • Biondich, Mark (2005). «Religion and Nation in Wartime Croatia: Reflections on the Ustaša Policy of Forced Religious Conversions, 1941-1942». The Slavonic and East European Review. 83 (1): 71–116 
  • Griffin, Roger (2007). «The 'Holy Storm': 'Clerical fascism' through the Lens of Modernism». Totalitarian Movements and Political Religions. 8 (2): 213–227 
  • Biondich, Mark (2007). «Controversies Surrounding the Catholic Church in Wartime Croatia, 1941–45». The Independent State of Croatia 1941-45. [S.l.]: Routledge. pp. 31–59 
  • Biondich, Mark (2007). «Radical Catholicism and Fascism in Croatia, 1918–1945». Totalitarian Movements and Political Religions. 8 (2): 383–399 
  • Clerical Fascism in Interwar Europe. [S.l.]: Routledge. 2008 
  • Rychlak, Ronald J. (2010). Hitler, the War, and the Pope Revised and expanded ed. South Bend: Our Sunday Visitor 
  • Novak, Viktor (2011). Magnum Crimen: Half a Century of Clericalism in Croatia. Jagodina: Gambit 
  • Kertzer, David I. (2014). The Pope and Mussolini: The Secret History of Pius XI and the Rise of Fascism in Europe. [S.l.]: Oxford University Press 
  • Catholicism and Fascism in Europe 1918-1945. [S.l.]: Georg Olms Verlag. 2015 
  • MAZZOLARI, Primo. A igreja, o fascismo e a guerra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1966. 98p. (Ecumanismo e humanismo; v.1).
Ícone de esboço Este artigo sobre religião é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.