Feira – Wikipédia, a enciclopédia livre

 Nota: Para a extinta freguesia portuguesa, veja Feira (Santa Maria da Feira).
"Village Fair" (1590), pelo artista flamengo Gillis Mostaert

Uma feira é um evento em um espaço público em que as pessoas, em dias e épocas predeterminados, expõem e vendem mercadorias. Também é uma designação complementar dos cinco dias úteis da semana: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira. Pode ser, ainda, uma exposição ou um parque de diversão.

Stagshaw na Inglaterra é documentada por receber feiras anuais a partir de 1293, consistindo-se em comércio de animais. Juntamente à feira principal realizada em 4 de julho, a localidade também abrigava feiras menores ao longo do ano, onde tipos específicos de animais eram vendidos, como um evento para cavalos, outro para cordeiros, e outro para ovelhas.[1]

A Kumbh Mela, organizada a cada doze anos em Alaabade, é a maior feira da Índia, onde mais de 60 milhões de pessoas se congregaram em janeiro de 2001, tornando-a maior reunião pacífica do mundo.[2][3][4]

"The Horse Fair" (1853), pintura por Rosa Bonheur

Existem fontes que permitem afirmar que, em 500 a.C., já se realizava esta atividade no Médio Oriente, nomeadamente na cidade-estado Fenícia de Tiro. As referências a feiras na Antiguidade e na Idade Média aparecem correlatas a festividades religiosas e a dias santos. Nelas se reuniam mercadores de terras distantes, trazendo os seus produtos autóctones para troca por outros. A etimologia da palavra "feira" demonstra esta ligação da religião com o comércio. A palavra latina feria, que significa "dia santo ou feriado", é a palavra que deu origem à portuguesa "feira", à espanhola feria e à inglesa fair.

Na Idade Média, com a crise do feudalismo a partir de fins do século XI, a afirmação das feiras medievais indica o momento em que ressurge o comércio na Europa, associando-se à afirmação do poder régio, à génese dos burgos e da burguesia enquanto classe social. Desse modo, com a reabertura do Mar Mediterrâneo a partir das Cruzadas, os europeus puderam vivenciar um maior contacto com o Oriente, de onde chegavam mercadorias raras e exóticas (cravo, canela, pimenta, seda, perfumes, porcelana). Registrou-se, assim, o chamado renascimento comercial, de vez que esses produtos começaram a ser vendidos nas feiras que surgiam nas cidades. Foram chamadas de "burgos", em virtude de seus muros fortificados, e os habitantes de "burgueses", termo que posteriormente se aplicaria especificamente aos comerciantes enriquecidos com a sua prática.

Durante a realização das feiras medievais, interrompiam-se guerras; a paz era garantida para que os vendedores, dispostos lado a lado, pudessem trabalhar com segurança. Da mesma maneira, guardas vigiavam todo o perímetro do local do evento, de modo a evitar que algum desordeiro pudesse causar incómodos àqueles que por ali passavam e desejavam efectuar as suas compras. Os mercadores medievais realizavam as suas transações comerciais e intermediavam trocas numa actividade eminentemente itinerante. A ocasião era aproveitada por saltimbancos e outros artistas de rua, que procuravam atrair a atenção e a generosidade da população que afluía a esses eventos, quer para comerciar, quer para simplesmente se distrair.

As feiras medievais instalavam-se em locais estratégicos, como povoações que se pretendiam desenvolver, ou o cruzamento de rotas comerciais. Algumas chegaram mesmo a ter abrangência internacional. O renascimento do comércio tornou necessário o uso da moeda, prática que havia desaparecido quase que totalmente nos séculos anteriores. Nas feiras, que atraíam pessoas de vários lugares, havia uma grande variedade de moedas em circulação, o que desenvolveu os bancos e o câmbio.

O crescimento económico e demográfico dos séculos XII e XIII, no território que viria a constituir Portugal, permitiu a criação de excedentes, que eram objecto de escoamento nos mercados e feiras. Com o crescimento populacional dos centros urbanos, o consumo aumentou, acentuando-se a dependência da vila face ao extenso termo. As feiras foram uma das mais importantes instituições do período medieval em Portugal.

Como no restante da Europa, as feiras portuguesas constituíram-se num espaço de encontro de produtores, consumidores e distribuidores, realizando-se em datas e locais fixados, ao mesmo tempo em que procuravam superar as dificuldades de comunicação. A sua importância económica testemunhou a protecção dispensada às mesmas pelos sucessivos monarcas, que concediam privilégios, na vinda e na ida, aos mercadores que a elas concorressem. Quase todas as feiras se realizavam em épocas relacionadas com festas da igreja Católica e, no local onde se realizavam, existia uma paz especial, a chamada "paz da feira", que proibia todos os actos de hostilidade, sob severas penas em caso de transgressão.

No território português, a feira mais antiga que se conhece é a de Ponte de Lima, instituída em 1125, seguida, ainda no século XII, pelas feiras de Melgaço e de Constantim de Panóias (concelho de Vila Real). Posteriormente, nos inícios do século XIII, foram instituídas as feiras de Vila Nova de Famalicão e Castelo Mendo (concelho de Almeida). A feira desta última encontra-se estipulada em sua carta de foral, passada por Sancho II de Portugal em Vila do Touro, a 15 de março de 1229, com indicação de que será realizada por oito dias, três vezes por ano: na Páscoa, no dia de São João e no São Miguel. Todos os que a ela concorressem, tanto nacionais como estrangeiros, teriam segurança contra qualquer responsabilidade civil ou criminal que pesasse sobre eles.

A partir do reinado de Afonso III de Portugal multiplicou-se o número das feiras no reino e ampliaram-se as garantias e os privilégios jurídicos concedidos aos feirantes. As feiras deixariam de se confinar ao espaço a norte do rio Douro, ou próximo da fronteira do reino de Leão. Os principais centros urbanos do centro e sul ganhariam igualmente as suas feiras, sobretudo nos locais mais interiores, uma vez que o litoral se manteria alheado destes encontros por algum tempo. O fomento do comércio interno por meio da instituição de feiras, teve como consequência o aumento populacional de determinadas zonas até então pouco povoadas, para além de aumentar os rendimentos da Coroa.

Entre os privilégios que mais favoreceram o desenvolvimento das feiras portuguesas destaca-se aquele que isentava os feirantes do pagamento de direitos fiscais, nomeadamente portagens e que caracterizava as chamadas "feiras francas". Durante o reinado de D. Dinis activou-se o impulso dado anteriormente. As regiões de Entre Douro e Minho, a Beira e até o Alentejo presenciaram a multiplicação das feiras, nomeadamente do tipo "feira franca". A partir do reinado de D. Fernando, a situação começou a alterar-se, na medida em que as sucessivas guerras com o Reino de Castela prejudicaram grandemente o comércio ambulante. De seguida, a revolução de 1383-1385, teve como consequência um reforço da protecção real aos comerciantes das cidades e vilas em detrimento dos mercadores ambulantes. Apesar de, em 1528, ter sido instituída uma "feira franca" em Vila Viçosa e, em 1576, na cidade do Porto, parece poder considerar-se o fim do século XV como o período de enfraquecimento da importância das feiras em Portugal. As cidades e as vilas, desenvolvendo-se e prosperando, serviam mais adequadamente os interesses e as necessidades económicas da comunidade do que as feiras. Esse declínio se acentuou no século XVI, quando Portugal despontou como potência marítima e ultramarina, e o grande comércio se concentrou definitivamente nas cidades portuárias do litoral. A partir do reinado de D. Manuel as feiras entraram numa fase de decadência. No século XVIII ainda se instituíram feiras. Em 1720, criou-se, no Porto, uma feira franca de fazendas e animais.

Em 1776, durante o governo do Marquês de Pombal, realizou-se, em Oeiras, durante três dias, uma feira a que podemos chamar a primeira feira industrial portuguesa, com representação de todos os produtos da indústria nacional da época. Apesar de todas as vicissitudes, algumas feiras tradicionais persistem, como é o caso da feira de Espinho, às segundas-feiras; da feira dos Carvalhos, às quartas; ou da feira da Senhora da Hora aos sábados.

Referências

  1. Norderhaug, Jennifer; Thompson, Barbara (1 de agosto de 2006). Walking the Northumbria Dales: Un (em inglês). [S.l.]: Sigma Press. pp. 63–. ISBN 9781850588382. Consultado em 17 de setembro de 2019 
  2. «Millions bathe at Hindu festival» (em inglês). BBC News. 3 de janeiro de 2007. Consultado em 17 de setembro de 2019 
  3. «Kumbh Mela pictured from space - probably the largest human gathering in history» (em inglês). BBC News. 26 de janeiro de 2001. Consultado em 17 de setembro de 2019 
  4. Lewis, Karoki (22 de março de 2008). «Kumbh Mela: the largest pilgrimage» (em inglês). The Times. Consultado em 17 de setembro de 2019. Cópia arquivada em 29 de maio de 2010