História do vestuário e dos têxteis – Wikipédia, a enciclopédia livre
O estudo da história do vestuário e dos têxteis traça o desenvolvimento, uso e disponibilidade de vestuário e têxteis ao longo da história humana. Roupas e tecidos refletem os materiais e tecnologias disponíveis em diferentes civilizações em diferentes épocas. A variedade e distribuição de roupas e tecidos dentro de uma sociedade revelam costumes sociais e cultura.
O uso de roupas é uma característica exclusivamente humana e é uma característica da maioria das sociedades humanas. Sempre houve algum desacordo entre os cientistas sobre quando os humanos começaram a usar roupas, mas estudos envolvendo a evolução dos piolhos sugerem que começou por volta de 170 mil anos atrás. Os antropólogos acreditam que as peles de animais e a vegetação foram adaptadas em coberturas como proteção contra o frio, calor e chuva, especialmente quando os humanos migraram para novos climas.
A história têxtil é quase tão antiga quanto a civilização humana e, com o passar do tempo, a história têxtil foi se enriquecendo. A tecelagem de seda foi introduzida na Índia por volta de 400 d.C., enquanto a fiação de algodão remonta a 3000 a.C. na Índia.[1]
Os têxteis podem ser feltrados ou fibras fiadas transformadas em fios e, posteriormente, em rede, enroladas, tricotadas ou tecidas para fazer tecidos, que apareceram no Oriente Médio durante o final da Idade da Pedra.[2] Desde os tempos antigos até os dias atuais, os métodos de produção têxtil evoluíram continuamente, e as opções de tecidos disponíveis influenciaram a maneira como as pessoas carregavam seus pertences, se vestiam e decoravam seus arredores.[3]
As fontes disponíveis para o estudo de roupas e têxteis incluem restos de materiais descobertos por meio da arqueologia; representação de têxteis e sua fabricação na arte; e documentos relativos à fabricação, aquisição, uso e comércio de tecidos, ferramentas e roupas acabadas. A bolsa de estudos da história têxtil, especialmente em seus estágios iniciais, faz parte dos estudos da cultura material.
No Brasil
[editar | editar código-fonte]A história do vestuário e dos têxteis no Brasil pode ser contada a partir da colonização europeia em 1500, consolidando-se com a chegada da coroa portuguesa no Brasil, que trouxe consigo, de maneira direta, tecidos, tendências e padrões de beleza.
No Brasil, a indumentária, ao decorrer das décadas, é refletida diretamente no passado histórico colonialista e mercantilista do país, que suprimia a produção manufatureira interna e limitava o mercado consumidor. A fossilização do mercantilismo na formação brasileira resultou em uma constante subordinação às tendências e exigências da Europa, em um país cujo clima, cultura e hábitos se diferenciam dos europeus. Com isso, a moda brasileira teve de se adaptar ao longo dos anos às práticas estrangeiras e às exigências de uma nação tropical e miscigenada.[4]
O entendimento da história da moda brasileira, por sua vez, auxilia na construção de um olhar crítico sobre a história geral do Brasil e a compreensão de um sistema que se enraizou na estrutura do país durante sua formação. Além disso, estudar a história da moda no Brasil é essencial para perceber anos de reafirmação da identidade cultural do povo brasileiro.[4]
Período Colonial
[editar | editar código-fonte]Antes da chegada dos portugueses ao Brasil os povos originários tinham suas próprias vestimentas e adereços de acordo com suas crenças e a identidade de cada tribo. Foi só com a chegada da corte portuguesa no Brasil em 1808, que houve uma maior consolidação do que é entendido como “moda” na sua forma mais tradicional, em que os europeus trouxeram seus costumes e vestuários para a colônia e abriram os portos para o comércio internacional, até então restrito à Portugal.[5]
“ | A Moda não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações [...] a Moda é formação essencialmente sócio-histórica, circunscrita a um tipo de sociedade. | ” |
— LIPOVETSKY, Gilles, Império do Efêmero: a Moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 23.. |
O vestuário se estabeleceu como um dos mais importantes símbolos de representação da aristocracia, e a corte era a principal referência da moda no Rio de Janeiro da época. A estética vinha principalmente da nova moda europeia, que nasceu das ideias revolucionárias francesas . Algumas destas tendências eram o uso de espartilhos, vestidos amplos, mangas bufantes e outros. Além dos acessórios, como o leque, as joias, os adereços nas vestes, os adornos de cabelo, eram alguns dos itens usados na época, voltados majoritariamente para o público feminino.[5]
Entretanto, viu-se a necessidade de adaptação e alteração destas vestes, que possuíam panos pesados e diversas camadas de tecido, preparadas para o inverno europeu, para o clima tropical que se encontrava no território colonial.[5]
Século XIX
[editar | editar código-fonte]A independência do Brasil pôs um fim no pacto colonial, sendo crucial para a maior liberdade aduaneira brasileira, que intensificou suas relações econômicas com outros países, e, consequentemente, passou a importar produtos e aderir à estilos de vestimentas variadas. Ainda assim, a moda europeia chegava pelos portos (principalmente cariocas) e era consumida pelas camadas mais abastadas da sociedade, como a burguesia e os proprietários de terra. Além disso, a capital imperial tornou-se palco para o comércio glamuroso, bailes e recepções que repercutiam na imprensa e eram imitados pelo resto do território nacional, especificamente a moda de vestir.[6]
A revolução industrial introduziu diferentes tipos de maquinários na indústria têxtil, e, por volta de 1850, as máquinas de costura foram introduzidas no mercado. Com isso, diferentes moldes e escalas de tamanho facilitaram a produção em massa de roupas, e foram causa do processo de expansão dos ateliês de costura, que passaram a oferecer diversas categorias de roupa, como roupas de baixo, vestidos, camisas, uniformes e acessórios já prontos. Mesmo assim, permanecia a produção de produtos feitos sob medida, que teve sua obsolecência em meados do século XIX, com a confecção industrial em massa de roupas, principalmente, vestimentas padronizadas.[6] Essas mudanças foram registradas pelos missionários Kidder e Fletcher em seus diários:
“ | Quase todas as senhoras fazem os seus próprios vestidos ou pelo menos cortam-nos e arranjam-nos para as escravas costurarem, pelos últimos figurinos de Paris. Sentam-se no meio de um círculo de negrinhas, pois sabem bem que, se o olhar do mestre engorda o cavalo, da mesma forma o olhar da patroa faz a agulha andar mais depressa. | ” |
— apaud MONTELEONE, O Brasil e os brasileiros. v. 1. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. p. 18. |
Com isso, as discrepâncias sociais se explicitaram cada vez mais, com a elite brasileira almejando se adequar aos padrões europeus, com suas vestes requintadas e volumosas, completamente inadequadas para o clima tropical do país. Por mais que estas vestimentas fossem desconfortáveis, ela servia como uma afirmação de poder: a identificação das classes altas e sua semelhança com a Europa. Esse tipo de pertencimento a Europa inibia a criação de modas, modelagens e tecidos criados localmente e abria espaço para réplicas. Somente em meados de 1960, as roupas começaram a se adaptar melhor às estações do Brasil.[6]
Questões do século XXI
[editar | editar código-fonte]Na década de 2010, a indústria têxtil global foi criticada por práticas insustentáveis. A indústria têxtil demonstrou ter um “impacto ambiental negativo na maioria das fases do processo de produção.[7]
O comércio global de vestuário de segunda mão mostra-se promissor na redução da utilização de aterros, no entanto, as relações internacionais e os desafios à reciclagem de têxteis mantêm o mercado pequeno em comparação com a utilização total de vestuário.[8][9] O consumo excessivo e a geração de resíduos na cultura da moda global levaram marcas e varejistas em todo o mundo a adotar a reciclagem têxtil, que se tornou um foco principal dos esforços mundiais de sustentabilidade.[10] As marcas anunciam cada vez mais produtos feitos de materiais reciclados de acordo com as mudanças nas expectativas dos consumidores.[11] A partir de 2010, os investimentos em empresas de reciclagem têxtil cresceram para dimensionar as soluções de reciclagem para a demanda global,[12] com a Inditex apoiando a empresa de reciclagem têxtil-têxtil Circ em julho de 2022[13] ou a Goldman Sachs liderando um investimento em mecanização empresa de algodão reciclado Recover Textile Systems.[14]
Os avanços no tratamento, revestimento e corantes têxteis têm efeitos pouco claros na saúde humana, e a prevalência da dermatite de contato têxtil está a aumentar entre os trabalhadores têxteis e as pessoas comuns.[15][16]
Os estudiosos identificaram um aumento na taxa de compra de roupas novas pelos consumidores ocidentais, bem como uma diminuição na vida útil das roupas. Foi sugerido que a fast fashion contribui para o aumento dos níveis de desperdício têxtil.[17]
O mercado mundial de exportações de têxteis e vestuário em 2013, de acordo com a Base de Dados de Estatísticas do Comércio de Mercadorias das Nações Unidas, situou-se em 772 mil milhões de dólares.[18]
Em 2016, os maiores países exportadores de vestuário foram a China (161 bilhões de dólares), o Bangladesh (28 bilhões de dólares), o Vietnã (25 bilhões de dólares), a Índia (18 bilhões de dólares), Hong Kong (16 bilhões de dólares), a Turquia (15 bilhões de dólares) e a Indonésia (7 bilhões de dólares).[19]
Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ «History of Textiles». Textile School (em inglês). 16 de novembro de 2010. Consultado em 8 de abril de 2022
- ↑ Creativity In The Textile Industries: A Story From Pre-History To The 21st century Arquivado em 9 maio 2008 no Wayback Machine. Textileinstitutebooks.com. Retrieved on 1 January 2012.
- ↑ Jenkins, pp. 1–6.
- ↑ a b Rios, Jose Arthur (1972). «A tradição mercantilista na formação brasileira». FGV. Revista Brasileira de Economia: p.1
- ↑ a b c De Catro Santos, Georgia Maria; A estética da moda de luxo da corte portuguesa no vestuário feminino no rio de janeiro do início do século XIX. Universidade de Brasília, 2015
- ↑ a b c Do Prado, Luís André (2019). «Indústria do vestiàrio e moda no Brasil no século XIX a 1960». USP: p.49
- ↑ Keith Slater (2003). Environmental Impact of Textiles: Production, Process, and Protection. [S.l.]: Woodhead
- ↑ Pietra Rivoli (2015). travels of a t-shirt in the global economy, 2nd edition. [S.l.]: Wiley
- ↑ Gustav Sandin; Greg M. Peters (2018). «Environmental Impact of Textile Use and Recycling: A Review». Journal of Cleaner Production
- ↑ Hawley, J. M. (1 de janeiro de 2006), Wang, Youjiang, ed., «2 - Textile recycling: a system perspective», ISBN 978-1-85573-952-9, Woodhead Publishing, Recycling in Textiles, Woodhead Publishing Series in Textiles (em inglês), pp. 7–24, consultado em 24 de agosto de 2022
- ↑ Birkner, Christine (1 de maio de 2017). «How Clothing Brands Are Embracing Transparency to Meet the Growing Demand for Sustainable Apparel» (em inglês). Consultado em 24 de agosto de 2022
- ↑ «A Running Timeline of Sustainable Investments and M&A». The Fashion Law (em inglês). 12 de julho de 2022. Consultado em 24 de agosto de 2022
- ↑ «Inditex Enters 'Clean Tech' With Investment in Circular Start-Up Circ». The Business of Fashion (em inglês). 12 de julho de 2022. Consultado em 24 de agosto de 2022
- ↑ Armental, Maria (9 de junho de 2022). «Goldman Sachs Leads $100 Million Investment in Sustainable Textile Company Recover». Wall Street Journal (em inglês). ISSN 0099-9660. Consultado em 24 de agosto de 2022
- ↑ Farzad Alinaghi; et al. (29 de outubro de 2018). «Prevalence of Contact Allergy in the General Population: A systematic review and meta-analysis». Contact Dermatitis
- ↑ Motunrayo Mobolaji-Lawal; Susan Nedorost (1 de julho de 2015). «The Role of Textile in Dermatitis: An Update». Current Allergy and Asthma Reports
- ↑ Jerri-Lynn Scofield (10 de abril de 2017). «Faster Fashion Cycle Accelerates». naked capitalism
- ↑ «India world's second largest textiles exporter: UN Comtrade». Economic Times. 2 de junho de 2014
- ↑ «Exporters hardly grab orders diverted from China». thedailystar.net. 11 de agosto de 2017. Consultado em 8 de maio de 2018
Bibliografia
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Fontes primárias
[editar | editar código-fonte]- Sylvester, Louise M., Mark C. Chambers and Gale R. Owen-Crocker, editors, Medieval Dress and Textiles in Britain: A Multilingual Sourcebook, Woodbridge, Suffolk, UK, and Rochester, NY, Boydell Press, 2014. ISBN 978-1-84383-932-3
Ligações externas
[editar | editar código-fonte]- Textile production in Europe, 1600–1800, at the Metropolitan Museum of Art
- Spindle, Loom, and Needle– History of the Textile Industry
- Australian Museum of Clothing And Textiles Inc. no Wayback Machine (arquivado em 27 outubro 2009) – Why have a Museum of Clothing and Textiles?
- Linking Anthropology and History in Textiles and Clothing Research: The Ethnohistorical Method by Rachel K. Pannabecker– from Clothing and Textiles Research Journal, Vol. 8, No. 3, 14–18 (1990)
- The drafting history of the Agreement on Textiles and Clothing
- American Women's History: A Research GuideClothing and Fashion
- All Sewn Up: Millinery, Dressmaking, Clothing and Costume
- Gallery of English Medieval Clothing from 1906 by Dion Clayton Calthrop