Línguas celtas – Wikipédia, a enciclopédia livre
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Línguas celtas ou célticas descendem do proto-celta, ou "celta comum", um ramo da superfamília das línguas indo-europeias. O termo "celta" foi usado para descrever esse grupo de línguas por Edward Lhuyd em 1707, tendo sido usado muito antes por escritores gregos e romanos para descrever algumas aldeias da Gália central e da Península Ibérica. Durante o primeiro milênio a.C., essas línguas eram faladas na Europa, do golfo da Biscaia e do mar do Norte, na região do Reno e do Danúbio até o mar Negro e a península Balcânica Superior, chegando até a Ásia Menor (Galácia). Atualmente, as línguas celtas estão limitadas a algumas áreas na Grã-Bretanha, Ilha de Man, Irlanda, Ilha Cape Breton, na península da Bretanha, França e na Patagônia, Argentina. A difusão para a ilha Cape Breton e para a Patagônia ocorreu nos tempos modernos. Em todas essas áreas, as línguas celtas são atualmente faladas apenas por minorias.
Classificação e divisões internas
[editar | editar código-fonte]De acordo com o Glottolog, as línguas célticas dividem-se em três ramos principais:[1]
- Ramo celta nuclear, que se subdivide em pelo menos três ramos, dos quais dois contêm apenas línguas extintas:
- Sub-ramo cisalpino: inclui o gaulês propriamente dito e línguas de parentesco próximo como o lepôntico e o nórico. Essas línguas eram faladas em um vasto território na Europa, desde a Bélgica moderna ao norte da península itálica. Todas as línguas do sub-ramo gaulês estão extintas.
- Sub-ramo gálata: inclui o gálata propriamente dito, antigamente falado na região da atual Turquia, extinto há séculos.
- Sub-ramo celta insular: inclui as línguas celtas vivas nos dias atuais, as quais se subdividem em duas linhagens:
- Línguas goidélicas: incluem o irlandês, o gaélico escocês e o manês. O irlandês é falado atualmente em partes da atual Irlanda, mas há registros de falantes do irlandês na costa sudoeste da Inglaterra e nas costas norte e sul do País de Gales.
- Línguas britônicas: inclui o galês, o bretão, o córnico, o cúmbrico e possivelmente o picto, embora esse possa constituir um ramo separado ao invés de descender do britônico comum. Dessas línguas, apenas o galês e o bretão são falados nos dias atuais.
- Ramo celtibérico: inclui línguas extintas faladas na Península Ibérica pré-romana, [2] especificamente nas áreas de Portugal, na Cantábria, em Aragão, Castela e Leão, na Comunidade de Madrid e Castela-La Mancha, na Galiza, Astúrias e províncias de Leão, Zamora e Salamanca, tais como:
- O galaico, falado antigamente na Galécia, atual Espanha (Galiza) e Norte de Portugal.
- O lusitano, falado antigamente no sul de Portugal.
- Ramo venético: inclui o venético propriamente dito, falado outrora no norte da Itália. O venético é atestado em inscrições breves datando de vários séculos antes da conquista da Península Itálica pelos romanos. Extinto há séculos.
Desafios e controvérsias na classificação
[editar | editar código-fonte]O tratamento acadêmico das línguas celtas é por vezes bastante argumentativo devido à falta de dados de fontes primárias. Alguns estudiosos distinguem o celta continental e o celta insular, argumentando que as diferenças entre as línguas goidélicas e britônicas surgiram depois que essas se separaram das línguas celtas continentais. Outros estudiosos distinguem o celta-P do celta-Q, colocando a maioria das línguas celtas continentais no primeiro grupo (exceto pela celtibérica, que é celta-Q).
A língua bretã é britônica, não gaulesa, embora possa haver influência dessa. Quando os anglo-saxões chegaram à Grã-Bretanha, várias ondas de bretões ou galeses cruzaram o canal da Mancha e desembarcaram na região da atual França conhecida como Bretanha. Os imigrantes britônicos levaram consigo sua língua, que evoluiu para o bretão – que ainda é parcialmente inteligível com o galês moderno e o córnico.
No sistema de classificação P/Q, a primeira língua a se separar do proto-celta foi a gaélica. Ela possui características que alguns estudiosos veem como arcaicas, mas outros também a vêem como pertencente às línguas britônicas (ver Schmidt). Com o sistema de classificação insulares/continentais, a divisão da primeira em gaélicas e britônicas é vista como sendo posterior.
A distinção do celta nessas quatro subfamílias ocorreu muito provavelmente por volta de 900 a.C., de acordo com Gray e Atkinson, mas, por causa de incertezas de estimativas, poderia ser qualquer época entre 1200 e 800 a.C.. Contudo, eles levaram em consideração apenas a gaélica e a britônica. O artigo controverso de Forster e Toth incluiu a gaulesa e estabeleceu a ruptura muito antes, em 3200 a.C.. Eles apoiam a hipótese celta insular. Os primeiros celtas geralmente eram associados arqueologicamente com a cultura dos Campos de Urnas, a cultura de Hallstatt e a cultura de La Tène, embora a antiga suposição de associação entre língua e cultura seja agora considerada menos forte.
Celta-P e Celta-Q
[editar | editar código-fonte]Há dois sistemas concorrentes principais de categorização. O sistema mais antigo, sustentado por Schmidt (1988), entre outros, liga a gaulesa com a britônica em um nó celta-P, originalmente deixando apenas a goidélica como celta-Q. A diferença entre línguas P e Q é o tratamento do *kw proto-celta, que se tornou *p nas línguas celtas-P mas *k nas goidélicas. Um exemplo é a raiz verbal proto-celta *kwrin- "comprar", que se tornou pryn- em galês, mas cren- em irlandês antigo. Entretanto, uma classificação baseada em uma única característica é vista como arriscada por seus críticos, particularmente porque a mudança sonora ocorre em outros grupos linguísticos (osco e grego).
O outro sistema, defendido, por exemplo, por McCone (1996), liga a goidélica e a britônica como um ramo celta insular, enquanto a gaulesa e a celtibérica são referidas como celtas continentais. De acordo com essa teoria, a mudança sonora "celta-P" de [kʷ] para [p] ocorreu de maneira independente ou arealmente. Os defensores da hipótese celta insular apontam para outras inovações compartilhadas entre as línguas celtas insulares, incluindo preposições não flexionadas, ordem sintática VSO e a lenição de [m] intervocálico para [β̃], uma fricativa bilabial sonora nasalizada (um som extremamente raro). Porém, não se supõe que as línguas celtas continentais descendam de uma ancestral "proto-celta continental" comum. O sistema insular/continental, por sua vez, geralmente considera o celtibérico como o primeiro ramo a separar-se do proto-celta, e o grupo restante posteriormente teria se dividido em galês e celta insular.
Há argumentos acadêmicos legítimos em favor tanto da hipótese celta insular como da hipótese celta-P/celta-Q. Os defensores de cada sistema contestam a precisão e a utilidade das categorias do outro. Porém, desde a década de 1970 a divisão em celta insular e continental tornou-se a mais amplamente aceita (Cowgill 1975; McCone 1991, 1992; Schrijver 1995).
Ao se fazer menção apenas às línguas celtas modernas, visto que nenhuma língua celta continental possui descendentes vivas, "celta-Q" é equivalente a "goidélica" e "celta-P" é equivalente a "britônica".
Hipótese insular/continental
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Hipótese do ramo ítalo-celta
[editar | editar código-fonte]Dentro da família indo-europeia, as línguas celtas algumas vezes foram colocadas com as línguas itálicas em uma subfamília ítalo-celta comum. O ramo ítalo-celta seria um agrupamento dos ramos itálico e celta da família de línguas indo-europeias com base em características compartilhadas por esses dois ramos e nenhum outro. Contudo, há controvérsias sobre as causas dessas semelhanças[3].
Os pontos semelhantes entre os dois ramos poderiam ter convergido através de inovações independentes, as quais teriam se desenvolvido após a dispersão inicial dos falantes da língua proto-indo-europeia. É possível, contudo, que algumas das semelhanças não sejam inovações, mas sim traços retidos da língua ancestral, ou seja, características da língua proto-indo-europeia originais que desapareceram em todos os outros ramos da família linguística. Há também uma hipótese de contato linguístico entre as comunidades falantes do proto-celta e do proto-itálico. Alguns estudiosos ainda consideram a hipótese do ítalo-celta válida.[4]
Além das semelhanças gramaticais, há diversas palavras do vocabulário básico das línguas celtas e itálicas que apresentam um maior número de cognatos e, dentre os cognatos, maior semelhança fonética entre si que comparadas a palavras dos demais ramos, sobretudo no que tange às consoantes. A tabela abaixo compara palavras do português (ramo itálico) com o galês moderno (ramo celta) e línguas indo-europeias de outros ramos tais como islandês moderno (ramo germânico), polonês/polaco (ramo eslavo), grego moderno (ramo helênico) e armênio moderno (ramo armênico):
Língua itálica (português) | Língua celta (galês)[5] | Língua germânica (islandês)[6] | Língua eslava (polonês)[7] | Língua helênica (grego moderno[8]) | Língua armênica (armênio)[9] |
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cavalo | ceffyl a | hestur | koń | álago (άλογο) | dzi (ձի) |
touro | tarw | naut | byk | tavros (ταύρος) | ts'ul (ցուլ) |
peixe (cf. pescado) | pysgod | fiskur | ryba | psári (ψάρι) | dzuk (ձուկ) |
cão | ci | hundur | pies | kíon (κύων) | shun (շուն) |
mês | mis | mónadur | miesiąc | minas (μήνας) | amis (ամիս) |
lua | lleuad | tungl | księżyc | fengári (φεγγάρι) | lusin (լուսին) |
dente | dant | tönn | ząb | dónti (δόντι) | akkra (ակռայ) |
chifre (cf. corno) | corn | horn | róg | kérato (κέρατο) | yeghjiwr (եղջիւր) |
tu | ti | þú | ty | essi (εσύ) | duk' (դուք) |
nós | ni | við | my | emis (εμείς) | menk' (մենք) |
um | un | einn | jeden | enas (ένας) | mek (մէկ) |
dois/duas | dau/dwy | tveir/tvær | dwaj/dwie | dio (δύο) | yerku (երկու) |
dez | deg | tíu | dziesięć | deka (δέκα) | tasy (տասը) |
cantar | canu | syngja | śpiewać | tragudó (τραγουδώ) | yergel (երգել) |
nadar | nofio | synda | pływać | kolibó (κολυμπώ) | loghaly (լողալը) |
morrer | marw | deyja | umierać | petheno (πεθαίνω) | mahanal (մահանալ) |
a Note-se que, na ortografia galesa, a letra <c> sempre representa o som [k]; a letra <w> representa o som [u] e o dígrafo <ff> representa [f].
Ver também
[editar | editar código-fonte]Notas
Referências
- ↑ «Glottolog». Consultado em 21 de março de 2019
- ↑ Mapa etnográfico da Ibéria pré-romana (cerca de 200 a.C.)
- ↑ Watkins, Calvert (1966). «Italo-Celtic revisited». Ancient Indo-European dialects
- ↑ 1946-, Kortlandt, F. H. H. (Frederik Herman Henri), (2007). Italo-Celtic origins and prehistoric development of the Irish language. Amsterdam: Rodopi. ISBN 9781429481304. OCLC 166291751
- ↑ Meurig), Evans, H. Meurig (Harold (1993). Welsh-English, English-Welsh dictionary. New York: Hippocrene Books. ISBN 0781801362. OCLC 28174109
- ↑ R., Taylor, Arnold (1990). Icelandic-English English-Icelandic dictionary. New York, NY: Hippocrene Books. ISBN 0870528017. OCLC 21130196
- ↑ «Cambridge English-Polish Dictionary». Cambridge University. Consultado em 9 de março de 2019
- ↑ Niki., Watts, (2008). The Oxford New Greek Dictionary : Greek-English, English-Greek American edition ed. New York: Berkley Books. ISBN 9780425222430. OCLC 183267454
- ↑ Ourishian. «English Armenian Dictionary». Nayiri. Consultado em 9 de março de 2019
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Cowgill, Warren (1975). "The origins of the Insular Celtic conjunct and absolute verbal endings", in H. Rix (ed.): Flexion und Wortbildung: Akten der V. Fachtagung der Indogermanischen Gesellschaft, Regensburg, 9.–14. September 1973. Wiesbaden: Reichert, 40–70. ISBN 3-920153-40-5.
- Forster, Peter and Toth, Alfred. Towards a phylogenetic chronology of ancient Gaulish, Celtic and Indo-European. PNAS Vol 100/13, July 22, 2003.
- Gray, Russell and Atkinson, Quintin. Language-tree divergence times support the Anatolian theory of Indo-European origin. Nature Vol 426, 27 nov 2003.
- McCone, Kim (1991). "The PIE stops and syllabic nasals in Celtic". Studia Celtica Japonica 4: 37–69.
- McCone, Kim (1992). "Relative Chronologie: Keltisch", in R. Beekes, A. Lubotsky, and J. Weitenberg (eds.): Rekonstruktion und relative Chronologie: Akten Der VIII. Fachtagung Der Indogermanischen Gesellschaft, Leiden, 31. August–4. September 1987. Institut für Sprachwissenschaft der Universität Innsbruck, 12–39. ISBN 3-85124-613-6.
- McCone, K. (1996). Towards a Relative Chronology of Ancient and Medieval Celtic Sound Change. Maynooth: Department of Old and Middle Irish, St. Patrick's College. ISBN 0-901519-40-5.
- Schmidt, K. H. (1988). "On the reconstruction of Proto-Celtic", in G. W. MacLennan: Proceedings of the First North American Congress of Celtic Studies, Ottawa 1986. Ottawa: Chair of Celtic Studies, 231–48. ISBN 0-09-693260-0.
- Schrijver, Peter (1995). Studies in British Celtic historical phonology. Amsterdam: Rodopi. ISBN 90-5183-820-4.