Naturismo no Brasil – Wikipédia, a enciclopédia livre

Foto publicada pela revista Saúde e Nudismo (1953). Nela, as mulheres eram retratadas com homens e crianças em atividades cotidianas para afastar a ideia de pornografia.

Naturismo no Brasil surgiu nos anos 30, com um boom editorial nos anos 50. Ele misturava ideias tanto conservadoras quando progressistas que envolviam feminismo, educação sobre a sexualidade infantil, práticas de saúde e higiene e nacionalismo. O movimento foi perseguido durante seu surgimento, com muitos dos escritores da época sendo processados judicialmente.

Nudez feminina

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O movimento naturista foi uma série de discursos progressistas e moralistas que visavam aumentar a inserção da mulher dentro da cultura da época. Muitos buscavam o fim da submissão feminina, mas não havia o interesse de mudar os papéis de gênero. O nudismo buscava combater a vaidade, já que as mulheres esconderiam os corpos e dariam a ênfase ao rosto. Esta tentativa de esconder o próprio corpo acabaria levando a decepção masculina, por uma questão de expectativa exacerbada. Ainda, o nudismo também revelaria qualidades morais e religiosas da mulher, onde o pudor e ostentação ao vestir-se eram vistos como um erro. A beleza feminina também era descrita de maneira diferente nas revistas naturista da época, com o uso de adjetivos como "bronzeado", "flexível", "vivido", "harmonioso" e "sadio".[1]

As mulheres eram vistas como mais próximas da natureza devido a seus atributos biológicos, e davam-se explicações para a baixa adesão feminina no movimento como a proibição por parte dos seus maridos. De acordo com a revista Naturismo, o homem “não suporta a ideia de que sua esposa venha a ser exposta aos olhos de outros, atinando nisso ofensa aos seus direitos”.[1]

Nudez infantil

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A prática do nudismo também era incentivado às crianças. Houve uma mudança global do entendimento da sexualidade infantil causada por, entre outras pessoas, Sigmund Freud, que considerava a criança "naturalmente sexual". As ideias de Havelock Ellis foram muito importantes na mentalidade brasileira sob a nudez infantil, que tentava a analisar sob a ótica da razão.[2]

No Brasil, a discussão sobre a sexualidade infantil ocorria desde os anos 1920 para a "melhoria da raça", onde alguns viam o ensino sexual para as crianças como uma maneira de evitar problemas de ordem higiênica, cultural, social política e econômica, além da possibilidade de haver o monitoramento da atividade sexual infantil. A nudez também era considerada uma característica intrínsceca da infância, sendo vista como natural pelos setores mais laicos da sociedade. Os que iam contra muitas vezes eram religiosos e afirmavam que a prática corromperia as mentes infantis.[2]

Também buscava-se lutar contra as influências da modernidade, como a indústria, lazer e entretenimento (cinema, moda, etc.), que muitas vezes eram ligadas a uma sexualidade extrema. Países da Europa e os Estados Unidos eram divulgados como lugares onde já havia ocorrido um grande "avanço civilizatório". Com isso, o naturismo também tinha uma faceta nacionalista, onde ele estaria ligado a uma educação que levaria a um grande Brasil.[2] Também, por vezes eram pregadas noções conservadoras, incluindo cristãs, pelas publicações naturistas, incluindo a defesa da família e de uma pureza espiritual.[3]

O nudismo infantil também estava ligado com a educação, pois passava a ideia de paz em meio a natureza, contrapondo-se ao ambiente urbano. Em outras palavras, tratava-se de uma psicologia experimental cujo objetivo era retornar ao estado infantil, antes da mente ser corrompida pela sociedade.[2] Um grande argumento do movimento naturista era o estudo da anatomia.[3]

Higiene e saúde

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Outro ponto importante foi o contraponto as ideias pregadas pelos médicos e eugenistas. O Brasil era um país assolado por problemas de saneamento básico, e a nudez era sinônimo de deformidades e doenças. Por isso, a exibição do corpo, ou até mesmo o nudismo, era uma demonstração de formas de ser que envolviam noções básicas de saúde.[4] Entre as práticas de higiene e saúde defendidas no país, estavam o vegetarianismo, ginástica, banho de mar,[3] heliopatia e prevenção de doenças venéreas.[5]

Foto publicada pela revista Saúde e Nudismo (1952). Algumas das imagens da revista eram consideradas pornográficas.

Anos 1930 a 1950

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O naturismo no Brasil surgiu em meados 1930, onde algumas das ideias circulavam na imprensa carioca. Porém, houve um boom editorial em 1950.[2] O nudismo era apoiado por parte da intelectualidade brasileira, como médicos, jornalistas e generais.[5] Entre as principais autores da época estava Dora Vivacqua, dançarina conhecida como Luz del Fuego, que escreveu o livro A Verdade Nua (1948), que defendia a prática do nudismo.[1] Em 1949, ela também criou o Partido Naturalista Brasileiro (PNB), que defendia a criação de campos de nudismo, o que ela realizou em 1952, na ilha do Sol. Entre os que frequentavam o local, estava o general Osmar Paranhos.[5] Outro autor importante foi Fernando de Azevedo, que em 1920 escreveu um manifesto defendendo a educação física para mulheres, para que elas pudessem ter força para gerar filhos.[1] José de Albuquerque e Arthur Ramos foram dois pensadores importantes na época que tentavam repensar o ensino da sexualidade para a criança, indo diretamente contra o que era pregrado pelos religiosos. O primeiro via a sexualidade de maneira mais funcional, e tentava cunhar uma nova moralidade sexual saindo do pressuposto de que esta servia para a reprodução da espécie. O segundo lutava contra uma "cultura do silêncio", apesar de ver a educação sexual como problema.[2][3] Apesar da defesa ao menos parcial das ideias por intelectuais e militantes, a prática era feito às escondidas.[5]

Entre os críticos ao naturalismo estava Tristão de Ataíde, que em 1950 escreveu para a Folha de S.Paulo matéria chamando o movimento, juntamente com o ateísmo, de uma ameaça a civilização cristã.[6] Álvaro Negromonte pregava contra a nudez e a educação sexual infantil.[3]

Além disso, circularam ao menos dez revistas que escreviam artigos e publicavam fotos de mulheres e crianças nuas.[2] Entre elas, estão Naturalismo (1951), Naturalismo (1952), Saúde e Nudismo, Revista Venus, Nudismo e Beleza, Saúde, Sol e Alegria, Nu e Beleza, Nu Artístico e Álbum Livre-Culturista. Não raramente, os escritores eram médicos liberais que assinavam com pseudônimos e faziam parte da Associação Livre-Culturista. As revistas eram vendidas para maiores de 21 anos e custavam até três vezes mais do que revistas como O Cruzeiro.[5] As revistas afirmavam que seu conteúdo não era pornográfico, e tinham como objetivo de regulamentar a nudez coletiva, trazendo uma estética em tese dessexualizada que retratava indivíduos ou famílias em atividades cotidianas. Algumas das revistas admitiam publicar nus artísticos sob o pretexto de servir de propaganda e atrair pessoas ao naturismo. Elas foram uma das primeiras publicações que traziam já na capa imagens de mulheres completamente nuas e tornaram-se um sucesso editorial.[4] Além disso, os pelos pubianos não eram censurados.[5] A pornografia era de difícil acesso e a masturbação era considerada pecado gravíssimo pela igreja e como um vício da imaginação por psiquiatras. O pouco material resumia-se a musas do cinema, propagandas de roupa íntima de marcas como Valisère e Vivian e revistas femininas como A Cigarra, Jornal das Moças e o Anuário das Senhoras.[5] O debate da época sobre as revistas girou principalmente sobre as imagens, e não sobre o texto. Os jornais mudaram bruscamente a maneira como tratavam o nudismo e exigiam explicações das publicações editoriais.[4] Mesmo que muitas das revistas pregassem a prevenção de doenças venéreas, elas eram consideradas como uma desculpa para espalhar obscenidades e até mesmo promover orgias.[5]

Estas revistas sofreram grande perseguição e censura no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Houve protagonismo da Delegacia de Costumes, que apreendeu muitas das edições, pois elas se enquadravam nos artigos 233 e 234 do Código Penal de 1940. Os infratores por publicarem material obseno poderiam ser presos por seis meses a dois anos ou pagarem dois mil a cinco mil cruzeiros. Os editores foram processados judicialmente, porém as decisões foram criticadas pelas revistas usando por base casos que haviam ocorrido nos Estados Unidos, e parte dos editores passaram a apoiar a criação de comissões de especialistas para determinar se uma publicação era pornográfica ou não. Algumas das decisões judiciais foram revertidas, e as publicações passaram a ser vendidas dentro de envelopes.[2][4] As revistas tiveram vida curta, mas seu impacto foi grande na sociedade brasileira.[3]

Anos 1960 a 1980

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O movimento entrou em uma segunda fase após a chegada da Ditadura Militar, em 1964. Paulo Pereira escreveu um perfil da Luz del Fuego para a revista alemã Freies Leden, escreveu dois livros sobre nudismo, Corpos nus e Naturalmente, e fundou a Associação Naturista Brasileira juntamente com Daniel de Brito Filho e Tácito Antonio Heit. [5]

1990 a atualidade

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Com o fim da Ditadura, houve um aumento na atividade naturista no país, principalmente com a abertura de praias de nudismo, como a praia do Pinho e a praia do Abricó. As ideias naturistas também foram espalhadas por novas revistas, como a Brasil Naturalista e Olho Nu, além da internet. Em 2009, havia cerca de 250 mil adeptos ao nudismo no Brasil. Porém, ainda há resistência. Em 2009, a praia do Abricó estava com ação no STJ que arriscava fechar o local.[5]

Praias de nudismo

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A Federação Brasileira de Naturismo reconhece oito praias de nudismo como naturistas:[7]

Referências

  1. a b c d Herold Junior, Carlos; Solera, Bruna; Tortola, Eliane Regina Crestani; Dalben, André; Lara, Larissa Michele (26 de novembro de 2021). «Mulheres e nudez no movimento naturista brasileiro nos anos de 1950». Universidade Federal de Santa Catarina. Revista Estudos Feministas: e70179. ISSN 0104-026X. doi:10.1590/1806-9584-2021v29n370179. Consultado em 4 de junho de 2024 – via Scielo 
  2. a b c d e f g h Herold Junior, Carlos (16 de outubro de 2020). «INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E NUDEZ NO MOVIMENTO NATURISTA NA DÉCADA DE 1950 NO BRASIL». Universidade de Campinas. Cadernos CEDES: 233–242. ISSN 0101-3262. doi:10.1590/CC220949. Consultado em 4 de junho de 2024 
  3. a b c d e f «INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E NUDEZ NO MOVIMENTO NATURISTA NA DÉCADA DE 1950 NO BRASIL». Centro de Estudos Educação e Sociedade. Educação & Sociedade. 40 (112). 1 de janeiro de 2020. doi:10.1590/CC220949. Consultado em 10 de junho de 2024 
  4. a b c d Herold Junior, Carlos; Machado, Alisson Bertão; Campanholi, Carolini Aparecida; Solera, Bruna; Parizotto, Pedro Gabriel Gil (2 de maio de 2022). «O CORPO A PARTIR DO MOVIMENTO NUDISTA: RIO DE JANEIRO NA DÉCADA DE 1950». Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Movimento. 24 (1): 49–64. ISSN 0104-754X. doi:10.22456/1982-8918.65075. Consultado em 5 de junho de 2024 
  5. a b c d e f g h i j Gonçalo Júnior (10 de dezembro de 2009). «Pelada ficava a sua vó». Trip. Consultado em 5 de junho de 2024. Cópia arquivada em 5 de junho de 2024 
  6. Tristão de Ataíde (9 de abril de 1950). «Pascoa, vitoria da vida». Folha da Manhã. Consultado em 5 de junho de 2024 
  7. Gabriel Croquer (31 de julho de 2022). «Conheça as oito praias oficiais de nudismo no Brasil». G1. Consultado em 10 de junho de 2024. Cópia arquivada em 10 de junho de 2024