Queermuseu – Wikipédia, a enciclopédia livre

Manifestante protesta contra o fechamento da exposição defronte ao prédio do Santander Cultural.

Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira foi uma exposição artística brasileira apresentada no Santander Cultural, na cidade de Porto Alegre. A exposição gerou polêmica devido a inúmeras acusações de apologia à pedofilia, à zoofilia e ao vilipêndio religioso.[1] Propagadas em redes sociais principalmente pelo Movimento Brasil Livre, essas acusações eram parte de um pânico moral sobre a educação infantil.[2] Por causa de toda polêmica envolvida nessa exposição, qualquer exposição que trabalhasse com temas relacionadas à família, sexualidade, religião etc poderia sofrer a mesma ação de grupos conservadores. O temor levou expositores a colocarem classificação indicativa nas exposições, mesmo a legislação não contemplando isso, como foi o caso da exposição sobre Farnese de Andrade que ocorreu em Curitiba no mesmo contexto da Queermuseu.[3]

O Santander reagiu às críticas e pressões dos segmentos religiosos e conservadores e cancelou a exposição. Isso gerou ainda mais críticas, desta vez em prol da liberdade de expressão e do fazer artístico.

Depois de uma campanha de financiamento coletivo, em 2018 a exposição foi reinaugurada no Parque Lage, no Rio de Janeiro. O curador da Queermuseu, Gaudêncio Fidelis, relatou que a reinauguração foi visitada por mais de dez mil pessoas. Ele ressaltou que recebeu inúmeras ameaças de morte por causa da exposição.[4]

A exposição gerou grande debate nas redes sociais.[5] O evento foi aberto no dia 15 de agosto e seguiria até o dia 8 de outubro, contando com 270 obras que abordavam as "questões de gênero e diferença", mas foi cancelada no dia 10 de setembro.

Grupos cristãos, especialmente católicos, junto com o Movimento Brasil Livre e o deputado Marcel van Hattem,[6] alegaram que havia imagens que desrespeitavam símbolos religiosos católicos, e imagens associadas à pornografia, à pedofilia e à zoofilia.[7] Segundo esses grupos, foram expostas imagens de hóstias com inscrições dos nomes de órgãos sexuais, além de imagens de pessoas penetrando e masturbando animais. Ainda segundo essas alegações, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus foi associada à homossexualidade. As acusações de pedofilia se basearam em imagens de crianças retratadas de forma travestida e sensualizada, segundo as alegações.[8][9] Um outro argumento utilizado pelos acusadores da exposição foi a falta de classificação etária, que permitiu o acesso de menores de idade à exposição. O uso de recursos públicos na exposição promovida por um banco privado também foi criticado.[10] Como resultado, aconteceram muitas manifestações contrárias desses grupos nas páginas oficiais da Queermuseu nas redes sociais. Essas manifestações pediam o fechamento da exposição e até mesmo o encerramento de contas dos clientes do Santander, o banco que promoveu o evento.[8][11] Agências do banco chegaram a ser vandalizadas por críticos da mostra.[5]

Audiência interativa para ouvir depoimentos referentes à exposição "Queermuseu" é adiada. À mesa, relator da CPIMT, senador José Medeiros (Pode-MT)

A Arquidiocese de Porto Alegre divulgou uma nota, na qual “manifesta a sua estranheza diante da promoção da exposição realizada junto ao Santander Cultural, na capital gaúcha, que utiliza de forma desrespeitosa símbolos, elementos e imagens, caricaturando a fé católica e a concepção de moral que enleva o corpo humano e a sexualidade como dom de Deus”. A nota ressaltou que se tem "assistido ataques discriminatórios à cultura judaico-cristã que contribuiu na formação cultural do ocidente" e afirmou que "eliminar as dificuldades jamais pode significar desrespeitar o outro e suas crenças".[9][12]

Diante dessas ocorrências o Santander decidiu encerrar a exposição no dia 10 de setembro. O banco lançou uma nota pedindo desculpas e afirmando que "ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo".[9][7][11][5] O curador da exposição, Gaudêncio Fidélis, disse que não foi comunicado antes do anúncio do encerramento antecipado da exposição e que soube do assunto pela rede social Facebook.[5] ONGs de defesa da diversidade sexual afirmaram ter a intenção de promover um ato de protesto, em frente ao Santander Cultural, além de emitirem uma nota de repúdio ao cancelamento da exposição.[11]

Para explicar as acusações à Queermuseu, Gaudêncio Fidelis foi convocado coercitivamente a depor no Senado Federal pelo senador Magno Malta (PR-ES), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus-tratos Infantis. No depoimento, Fidélis desqualificou qualquer relação da CPI com a exposição e afirmou que as acusações de pedofilia, zoofilia e vilipêndio eram difamatórias por que selecionavam apenas cinco das 263 obras que compunham a exposição. Gaudêncio ressaltou que as acusações retiraram as obras de seu contextos artístico e distorceram seus sentidos originais. O relator da CPI, senador José Medeiros (Pode-MT), apresentou uma das obras usadas nas acusações contra a exposição, perguntando se a mesma fazia parte da Queermuseu. Gaudêncio confirmou não fazer parte e destacou que aquela e inúmeras obras artísticas que não participaram da exposição foram usadas na difamação da Queermuseu. Ele explicou que a distorção do conceito da obra de Lygia Clark, O eu e o tu,[13] foi iniciada durante uma entrevista em Porto Alegre, quando acusações de pedofilia foram feitas por uma coordenadora do MBL e causaram profundo constrangimento ao filho da artista[14][15] em uma atitude descrita como próxima do fascismo pela jornalista Maria Flor, da Revista Fórum e também por Pablo Villaça, crítico de cinema.[16][17]

Uma das obras da exposição, da artista Adriana Varejão, foi acusada de apologia à zoofilia ao retratar duas figuras masculinas indistintas com uma cabra; Adriana Varejão ressalta que "busca jogar luz sobre coisas que muitas vezes existem escondidas" e que Cena do Interior II é "uma obra adulta feita para adultos".[18][19]

Esta é uma obra adulta feita para adultos. A pintura é uma compilação de práticas sexuais existentes, algumas históricas (como as shungas, clássicas imagens eróticas da arte popular japonesa) e outras baseadas em narrativas literárias ou coletadas em viagens pelo Brasil. O trabalho não visa julgar essas práticas. Como artista, apenas busco jogar luz sobre coisas que muitas vezes existem escondidas. É um aspecto do meu trabalho, a reflexão adulta.
— Adriana Varejão[18]

Após a polêmica do cancelamento da exposição, o Santander Cultural, em acordo com o Ministério Público, pagou uma multa no valor de R$ 420 mil. Metade desse valor foi destinado para o edital "Eu Sou Cultura", focado em projetos destinados aos direitos humanos.[20] Dentre eles, a Associação Chico Lisboa lançou a "Mostra Fora da Margem: Panorama Subjetividades Queer" em 2021, uma mostra com artistas LGBTQIA+ em resposta ao fechamento do queermuseu.[21]

O valor da multa também foi destinado para financiar a Parada Livre de Porto Alegre nos três anos que se seguiram.[20]

Referências

  1. Martín, María (4 de outubro de 2017). «Crivella veta no Rio a exposição Queermuseu, censurada em Porto Alegre». EL PAÍS 
  2. Balieiro, Fernando de Figueiredo; Balieiro, Fernando de Figueiredo (2018). «"Não se meta com meus filhos": a construção do pânico moral da criança sob ameaça». Cadernos Pagu (53). ISSN 0104-8333. doi:10.1590/18094449201800530006 
  3. Di Carlo, Josnei (2018). «Política da existência». PROA 
  4. Simões, Mariana (28 de agosto de 2018). «"Eu recebi mais de cem ameaças de morte", diz curador da exposição Queermuseu». Agência Pública – via El País 
  5. a b c d Em nota a clientes, Santander explica encerramento de mostra LGBT em Porto Alegre. Jornal O Globo. Acesso em 11 set 2017. Requer assinatura
  6. «Gender diversity art show closed over protests in Brazil». Washington Post (em inglês). Consultado em 13 de setembro de 2017 
  7. a b Santander Cultural cede à pressão e cancela mostra sobre sexualidade. JC Online. Acesso em 11 set 2017.
  8. a b Veja imagens da exposição cancelada pelo Santander, no RS. Veja. Acesso em 11 set 2017.
  9. a b c Exposição blasfema é encerrada depois da mobilização de católicos. ACI Digital. Acesso em 11 set 2017.
  10. «Após 'Queermuseu', ministro da Cultura defende classificação indicativa em exposições - Cultura - Estadão». Estadão 
  11. a b c Museu de Porto Alegre encerra exposição sobre diversidade sexual após ataques em redes sociais. G1. Acesso em 11 set 2017.
  12. Nota da Arquidiocese de Porto Alegre sobre exposição no Santander Cultural. Arquidiocese de Porto Alegre. Acesso em 11 set 2017.
  13. «Lygia Clark. O eu e o tu (The I and the you). 1967». The Museum of Modern Art (em inglês). Consultado em 27 de novembro de 2017 
  14. CPIMT - Maus-Tratos - Queermuseu - TV Senado ao vivo - Parte 2. TV Senado. 23 de novembro de 2017. Consultado em 27 de novembro de 2017 
  15. «Em depoimento à CPI, curador da Queermuseu diz que acusações são difamatórias». revistacult.uol.com.br. Consultado em 27 de novembro de 2017 
  16. Os fascistas do MBL vão obrigar Alckmin a fechar o Museu da Diversidade Sexual?
  17. VILLAÇA: O MBL É UMA MILÍCIA FASCISTA
  18. a b Gustavo Foster (11 de setembro de 2017). «"Queermuseu": quais são e o que representam as obras que causaram o fechamento da exposição». Zero Hora. Consultado em 12 de setembro de 2017 
  19. Mendonça, Heloísa (13 de setembro de 2017). «Queermuseu: O dia em que a intolerância pegou uma exposição para Cristo». EL PAÍS. Consultado em 29 de agosto de 2020 
  20. a b «Multa paga pelo Santander após fechamento da exposição Queermuseu financiará projetos sobre direitos humanos». G1. Consultado em 1 de junho de 2022 
  21. «Exposição aborda expressões LGBTQIA+ em resposta ao cancelamento da 'Queermuseu' em Porto Alegre». G1. Consultado em 1 de junho de 2022