Transtorno da compulsão alimentar periódica – Wikipédia, a enciclopédia livre

 Nota: "Binge" redireciona para este artigo. Para binge drinking, veja consumo episódico excessivo de álcool.
Transtorno da compulsão alimentar periódica
Transtorno da compulsão alimentar periódica
Mais comum em pessoas ansiosas
Especialidade psiquiatria, psicologia, psicoterapia
Classificação e recursos externos
CID-10 F50.4
CID-9 370.50
CID-11 e 1535148777 1673294767 e 1535148777
MedlinePlus 003265
MeSH D056912
A Wikipédia não é um consultório médico. Leia o aviso médico 

O transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) (do inglês binge eating disorder) é caracterizado pela ingestão de grande quantidade de alimentos em um período de tempo delimitado (até duas horas), acompanhado da sensação de perda de controle sobre o que se come ou o quanto se come. Para caracterizar o diagnóstico, esses episódios devem ocorrer pelo menos dois dias por semana nos últimos seis meses, associados a algumas características de perda de controle e não acompanhados de comportamentos compensatórios extremos para a perda de peso como vômito e laxantes (pois nesse caso se classifica como bulimia).[1]

Na TCAP ocorrem episódios de compulsão alimentar pelo menos 2 vezes por semana por mais de 6 meses

Além da sensação de perda de controle e da quantidade de alimento consumido a compulsão alimentar [2] frequentemente também é acompanhada por sentimentos de angústia subjetiva, incluindo vergonha, nojo e/ou culpa. Os pacientes com TCAP possuem autoestima mais baixa, tem um lócus de controle mais externo e preocupam-se mais com o peso e a forma física do que outros indivíduos que também possuem sobrepeso mas não possuem o transtorno. Das pessoas com TCAP, 78.9% possuem algum outro diagnóstico psiquiátrico de eixo I (como depressão, transtorno bipolar e/ou transtornos de ansiedade).[3] Estima-se que 27 a 47% dos pacientes que fazem cirurgia bariátrica tenha esse transtorno.[4] Pacientes com transtorno do pânico são mais vulneráveis a desenvolver compulsão alimentar como forma de aliviar sua ansiedade. De forma semelhante, pacientes com transtornos de humor podem desenvolver compulsão alimentar como enfrentamento emocional ineficaz para lidar com suas emoções.[5]

Foi descrito pela primeira vez por Stunkard em 1959 e incluído no DSM IV em 1994 como F50-transtorno alimentar assim como a anorexia e bulimia.[6]

Assim como os outros transtornos alimentares, o TCAP geralmente começam na infância, por influência da família e mulheres são as mais afetadas

Nos EUA afeta 3.5% das mulheres e 2% dos homens, estando fortemente correlacionado aos consumidores de tratamentos para perda de peso como lipoaspiração e spa para emagrecer (cerca de 30% nos EUA)[7]. Sem tratamento psicológico, nutricional e médico a maioria eventualmente abandona quaisquer esforços de fazer dieta em razão de fracassos repetidos e acabam com sérias consequências para sua saúde. No Brasil cerca de 15% dos obesos mórbidos e 49% dos obesos que procuram tratamento para emagrecer possuem esse transtorno.[8] No mundo, a prevalência estimada de TCAP na população geral pode variar de 1,5 a 5% e em amostras clínicas de pacientes obesos encontra-se em torno de 7,5 a 30%.[9]

A escala americana Binge Eating Scale para diagnosticar esse transtorno foi traduzida e validada para o Brasil em 2002 com o nome de Escala de Compulsão Alimentar Periódica.[10]

Diagnósticos diferenciais

[editar | editar código-fonte]

O TCAP diferencia-se da hiperfagia, outra definição usada pela OMS para compulsão alimentar periódica, por não necessariamente estar associado a um evento traumático. Assim como outros transtornos alimentares, o TCAP geralmente começa na infância ou na adolescência por influência da família, de fatores hereditários, ambientais e sócio culturais.

Apesar de concordarem que o TCAP é uma psicopatologia séria, ainda existem médicos que consideram ela como sendo apenas uma forma de bulimia não-purgativa e que não é necessário utilizar essa terminologia.[11] Por outro lado, alguns médicos defendem essa distinção pois dividir grandes quantidades de indivíduos em um diagnóstico mais específico ajuda a formular um tratamento mais eficaz e serve para prever o tipo de resposta e prognóstico a diferentes tratamentos.[12]

Alguns autores propuseram que o TCAP na verdade seria um tipo de transtorno obsessivo-compulsivo,[13] porém, a análise da comorbidade entre esses dois transtornos identificou que a resposta medicamentosa é diferente, com um transtorno podendo persistir sem o outro, indicando que se trata de transtornos independentes. Além disso TOC, mesmo sendo um transtorno de ansiedade, não é uma comorbidades comum.[14]

Existem três classes de medicamentos mais utilizadas no tratamento TCAP. O tratamento mais frequente são feitos com antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS), que também servem para tratar os mais prováveis transtornos associados (depressão, ansiedade e TOC). Os ISRS (como fluoxetina, fluvoxamina, sertralina e o citalopram) têm sido descritos como capazes de reduzir significativamente o comportamento de compulsão alimentar e o peso. Mais recentemente, a sibutramina, um agente antiobesidade, e o topiramato, um agente neuroterapêutico, também demonstraram sua eficácia em testes duplo-cego com placebo.[15]

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) mostrou-se eficaz na manutenção da redução da frequência da compulsão alimentar (72% no final do tratamento e 64% após um ano) e no desaparecimento dos sintomas (remissão) (41% no final do tratamento e 33% após um ano).[16] Em outro estudo os pacientes que mantiveram remissão durante o seguimento perderam 6,4 kg; os com manutenção parcial perderam 4,1 kg; enquanto os que apresentaram recaída ganharam 0,4 kg no seguimento.[16] Os resultados foram melhores quando houve adesão a exercícios físicos regulares e terapias de manutenção nos 6 meses posteriores (61% de remissão).[17] Em vários estudos com TCC são observadas melhoras na autoestima, nas dificuldades interpessoais, no humor e na qualidade de vida, além de um aumento do sentimento subjetivo de bem estar porém com sem reduções significativas no peso corporal.[18]

A terapia humanista teve desempenho bastante inferior a TCC com remissão de 29,4% ao final do tratamento e de 17,6% três meses depois.[19]

Ainda faltam estudos mostrando a eficácia da psicoterapia combinada com medicamentos, exercícios regulares e acompanhamento nutricional porém este provavelmente é o tratamento mais eficaz.

Referências

  1. SPITZER, R.L.;YANOVSKI, S.; WADDEN, T. et al.- Binge Eating Disorder: its further validation in a multisite study. Int J Eat Dis 13: 137-53, 1993.
  2. Santos Silva Silas (2021). «Análise de Tomada de Decisão no consumo de Alimentos de estudantes universitários na perspectiva da neuroeconomia». CEP-HU-UFS, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão ,Monografia Graduação ,Bacharelado em Ciências Econômicas. Consultado em 21 de dezembro de 2024  Verifique data em: |acessodata= (ajuda)
  3. Hudson, JI; Hiripi, E; Pope Jr, HG; Kessler, RC (2007). "The prevalence and correlates of eating disorders in the National Comorbidity Survey Replication.". Biological psychiatry 61 (3): 348–58. doi:10.1016/j.biopsych.2006.03.040. PMID 16815322.
  4. WADDEN, T.A.; SARWER, D.B.; WOMBLE L.G. et al.- Psychosocial aspects of obesity and obesity surgery. Sur Clin North Amer 81: 1001-24, 2001.
  5. Yanovski SZ, Nelson JE, Dubbert BK, Spitzer RL. Association of binge eating disorder and psychiatric comorbidity in obese subjects. Am J Psychiatry 1993;150(10):1472-9.
  6. AZEVEDO, Alexandre Pinto de; SANTOS, Cimâni Cristina dos and FONSECA, Dulcineia Cardoso da. Transtorno da compulsão alimentar periódica. Rev. psiquiatr. clín. [online]. 2004, vol.31, n.4 [cited 2011-02-23], pp. 170-172 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832004000400008&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0101-6083. doi: 10.1590/S0101-60832004000400008.
  7. GRILO, C.M.- Binge eating disorder. In: Eating disorders and obesity: a comprehensive handbook. Fairburn, C.G.; Brownell K.D. (eds). 2 ed., pp. 178-82, 2002.
  8. Brito, CLS; Mombach, KD; Stenzel, L. Transtorno de Compulsão Alimentar em Obesos Mórbidos. Centro da Obesidade Mórbida da PUCRS (COMPUCRS)
  9. Stunkard AJ. Eating patterns and obesity. Psychiatr Q. 1959;33:284-95.
  10. Transtornos alimentares. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2002, vol.24, suppl.2 [cited 2011-02-23], pp. 79-81 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000600007&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462002000600007.
  11. Devlin MJ, Goldfein JA, Dobrow I. What is this thing called BED? Current status of binge eating disorder nosology. Int J Eat Disord. 2003;34[suppl.]:S2-S18.
  12. Kendell R, Jablensky A. Distinguishing between the validity and utility of psychiatric diagnoses. Am J Psychiatry 2003;160:4-12.
  13. McElroy SL, Casuto LS, Nelson EB, Lake KA, Soutullo CA, Keck PE, et al. Placebo controlled trial of sertraline in the treatment of binge eating disorder. Am J Psychiatry 2000;157(6):1004-6.
  14. PAPELBAUM, Marcelo and APPOLINARIO, José Carlos. Transtorno da compulsão alimentar periódica e transtorno obsessivo-compulsivo: partes de um mesmo espectro?. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2001, vol.23, n.1 [cited 2011-02-24], pp. 38-40 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462001000100010&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462001000100010.
  15. APPOLINARIO, José Carlos. Transtorno da compulsão alimentar periódica: uma entidade clínica emergente que responde ao tratamento farmacológico. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2004, vol.26, n.2 [cited 2011-02-23], pp. 75-76 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462004000200002&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462004000200002.
  16. a b Agras WS, Telch CF, Arnow B, Eldredge K, Marnell M. One–year follow–up of cognitive–behavioral therapy for obese individuals with binge eating disorder. J consult Clin Psychol. 1997;65(2):343–7.
  17. Pendleton VR, Goodrick GK, Poston WS, Reeves RS, Foreyt JP. Exercise augments the effects of cognitive–behavioral therapy in the treatment of binge eating. Int J Eat Disord. 2002;31(2):172–84.
  18. DUCHESNE, Mônica et al. Evidências sobre a terapia cognitivo-comportamental no tratamento de obesos com transtorno da compulsão alimentar periódica. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2007, vol.29, n.1 [cited 2011-02-23], pp. 80-92 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082007000100015&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0101-8108. doi: 10.1590/S0101-81082007000100015.
  19. Kenardy J, Mensch M, Bowen K, Green B, Walton J. Group therapy for binge eating in type 2 diabetes: a randomized trial. Diabet Med. 2002;19(3);234–9.