Desfosforilação – Wikipédia, a enciclopédia livre
Em bioquímica, desfosforilação é a retirada de um grupo fosfato (PO43−) de um composto orgânico por hidrólise. É uma modificação pós-traducional reversível. Desfosforilação e sua contraparte, fosforilação, ativam e desativam enzimas por destacando ou anexando ésteres e anidridos fosfóricos. Uma ocorrência notável de desfosforilação é a conversão de ATP a ADP e fosfato inorgânico.
Desfosforilação emprega um tipo de enzima hidrolítica, ou hidrolase, a qual cliva ligações éster. A subclasse de hidrolases proeminentes usada na desfosforilação é fosfatase, a qual remove grupo fosfato por hidrolisar monoésteres de ácido fosfórico em um íon fosfato e uma molécula com um grupo hidroxila (-OH) livre.
A reação reversível fosforilação-desfosforilação ocorre em todos os processos fisiológicos, tornando o funcionamento adequado das proteínas fosfatases necessárias para a viabilidade do organismo. Como a desfosforilação de proteínas é um processo chave envolvido na sinalização celular,[1] fosfatases de proteínas estão implicadas em condições como doenças cardíacas, diabetes e doença de Alzheimer.[2]
História
[editar | editar código-fonte]A descoberta da desfosforilação veio de uma série de experimentos que examinaram a enzima fosforilase isolada do músculo esquelético de coelho. Em 1955, Edwin Krebs e Edmond Fischer usou ATP radiomarcado para determinar que o fosfato é adicionado ao resíduo de serina da fosforilase para convertê-lo de sua forma b a a via fosforilação.[3] Subsequentemente, Krebs e Fischer mostrou que esta fosforilação é parte de uma cascata de quinase. Finalmente, após purificar a forma fosforilada da enzima, a fosforilase a, de fígado de coelho, a cromatografia de troca iônica foi usada para identificar a fosfoproteína fosfatase I e II.[4]
Desde a descoberta dessas proteínas desfosforilantes, a natureza reversível da fosforilação e desfosforilação tem sido associada a uma ampla gama de proteínas funcionais, principalmente enzimáticas, mas também incluindo proteínas não enzimáticas.[5] Edwin Krebs e Edmond Fischer venceram o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1992 pela descoberta da fosforilação reversível de proteínas.[6]
Função
[editar | editar código-fonte]Fosforilação e desfosforilação de grupos hidroxila pertencentes a grupos neutros, mas aminoácidos polares tais como serina, treonina e tirosina dentro de proteínas-alvo específicas é uma parte fundamental da regulação de todos os processos fisiológicos. A fosforilação envolve a modificação covalente da hidroxila com um grupo fosfato através do ataque nucleofílico do alfa fosfato no ATP pelo oxigênio na hidroxila. A desfosforilação envolve a remoção do grupo fosfato através de uma reação de hidratação pela adição de uma molécula de água e liberação do grupo fosfato original, regenerando a hidroxila. Ambos os processos são reversíveis e qualquer mecanismo pode ser usado para ativar ou desativar uma proteína. A fosforilação de uma proteína produz muitos efeitos bioquímicos, como alterar sua conformação para alterar sua ligação a um ligante específico para aumentar ou reduzir sua atividade. A fosforilação e a desfosforilação podem ser usadas em todos os tipos de substratos, como proteínas estruturais, enzimas, canais de membrana, moléculas sinalizadoras e outras quinases e fosfatases. A soma desses processos é chamada de fosforregulação.[8] A desregulação da fosforilação pode levar à doença.[9]
Modificação pós-tradução
[editar | editar código-fonte]Durante a síntese de proteínas, as cadeias polipeptídicas, que são criadas pelos ribossomos que traduzem o mRNA, devem ser processadas antes de assumir uma conformação madura. A desfosforilação de proteínas é um mecanismo para modificar o comportamento de uma proteína, muitas vezes ativando ou inativando uma enzima. Os componentes do aparelho de síntese de proteínas também sofrem fosforilação e desfosforilação e, assim, regulam as taxas de síntese de proteínas.[10]
Como parte das modificações pós-traducionais, os grupos fosfato podem ser removidos da serina, treonina ou tirosina. Como tal, as vias de transdução de sinal intracelular dependem da fosforilação e desfosforilação sequenciais de uma ampla variedade de proteínas.
ATP
[editar | editar código-fonte]- ATP4− + H2O ⟶ ADP3− + HPO42− + H+
Trifosfato de adenosina, ou ATP, atua como uma "moeda" de energia livre em todos os organismos vivos. Em uma reação de desfosforilação espontânea, 30,5 kJ/mol são liberados, os quais são aproveitados para conduzir as reações celulares. Em geral, as reações não espontâneas acopladas à desfosforilação do ATP são espontâneas, devido à variação negativa da energia livre da reação acoplada. Isso é importante na condução da fosforilação oxidativa. O ATP é desfosforilado em ADP e fosfato inorgânico.[11]
No nível celular, a desfosforilação de ATPases determina o fluxo de íons para dentro e para fora da célula. Os inibidores da bomba de prótons são uma classe de medicamentos que atuam diretamente nas ATPases do trato gastrointestinal.
Desfosforilação em outras reações
[editar | editar código-fonte]Outras moléculas além do ATP sofrem desfosforilação como parte de outros sistemas biológicos. Diferentes compostos produzem diferentes mudanças de energia livre como resultado da desfosforilação.[12]
Molécula | Mudança na Energia Livre |
---|---|
Fosfato de acetila | 47.3 kJ/mol |
Glucose-6-fosfato | 13.8 kJ/mol |
Fosfoenolpiruvato (PEP) | -61.9 kJ/mol |
Fosfocreatina | 43.1 kJ/mol |
A psilocibina também depende da desfosforilação para ser metabolizada em psilocina e posteriormente eliminada. Nenhuma informação sobre o efeito da psilocibina na mudança na energia livre está atualmente disponível.
Importância da desfosforilação no fotossistema II
[editar | editar código-fonte]O primeiro complexo proteico das reações dependentes de luz do componente da fotossíntese é referido como fotossistema II. O complexo utiliza uma enzima para capturar fótons de luz, proporcionando o maior processo de fotossíntese com todos os elétrons necessários para produzir ATP. O fotossistema II é particularmente sensível à temperatura,[13] e desfosforilação tem sido implicado como um driver de plasticidade em responder a temperatura variada. A desfosforilação acelerada de proteínas em membranas fotossintéticas de tilacóides ocorre em temperaturas elevadas, impactando diretamente a desfosforilação de proteínas-chave dentro do complexo fotossistema II.[14]
Papel da desfosforilação em doença
[editar | editar código-fonte]Patologia
[editar | editar código-fonte]A desfosforilação excessiva das ATPases de membrana e bombas de prótons no trato gastrointestinal leva a taxas mais altas de secreção de ácidos pépticos cáusticos. Estes resultam em azia e esofagite. Em combinação com infecção por Helicobacter pylori, úlcera péptica é causada pelo pH elevado que a desfosforilação provoca.[15]
Referências
- ↑ Ardito, Fatima (agosto 2017). «The crucial role of protein phosphorylation in cell signaling and its use as targeted therapy (Review)». Int J Mol Med. 40 (2): 271–280. PMC 5500920. PMID 28656226. doi:10.3892/ijmm.2017.3036
- ↑ Hertog, Jeroen den (novembro 2003). «Regulation of protein phosphatases in disease and behaviour». EMBO Rep. 4 (11): 1027–1032. PMC 1326379. PMID 14578923. doi:10.1038/sj.embor.7400009
- ↑ FISCHER, EH; KREBS, EG (setembro de 1955). «Conversion of phosphorylase b to phosphorylase a in muscle extracts.». The Journal of Biological Chemistry. 216 (1): 121–32. PMID 13252012. doi:10.1016/S0021-9258(19)52289-X
- ↑ Khandelwal, RL; Vandenheede, JR; Krebs, EG (25 de agosto de 1976). «Purification, properties, and substrate specificities of phosphoprotein phosphatase(s) from rabbit liver.». The Journal of Biological Chemistry. 251 (16): 4850–8. PMID 8449. doi:10.1016/S0021-9258(17)33194-0
- ↑ Krebs, EG; Beavo, JA (1979). «Phosphorylation-dephosphorylation of enzymes». Annu. Rev. Biochem. 48: 923–59. PMID 38740. doi:10.1146/annurev.bi.48.070179.004423
- ↑ Raju, TN (junho 2000). «The Nobel chronicles. 1992: Edmond H Fischer (b 1920) and Edwin G Krebs (b 1918)». Lancet. 355 (9219). 2004 páginas. PMID 10859071. doi:10.1016/S0140-6736(05)72951-2
- ↑ PDB 1d5r;Lee, JO; Yang, H; Georgescu, MM; Di Cristofano, A; Maehama, T; Shi, Y; Dixon, JE; Pandolfi, P; Pavletich, NP (outubro 1999). «Crystal structure of the PTEN tumor suppressor: implications for its phosphoinositide phosphatase activity and membrane association». Cell. 99 (3): 323–34. PMID 10555148. doi:10.1016/S0092-8674(00)81663-3
- ↑ Beltrao, P; Trinidad, JC; Fiedler, D; et al. (junho 2009). «Evolution of phosphoregulation: comparison of phosphorylation patterns across yeast species». PLOS Biol. 7 (6): e1000134. PMC 2691599. PMID 19547744. doi:10.1371/journal.pbio.1000134
- ↑ Bononi, A; Agnoletto, C; De Marchi, E; et al. (2011). «Protein kinases and phosphatases in the control of cell fate». Enzyme Res. 2011. 329098 páginas. PMC 3166778. PMID 21904669. doi:10.4061/2011/329098
- ↑ Celis, JE; Madsen, P; Ryazanov, AG (junho 1990). «Increased phosphorylation of elongation factor 2 during mitosis in transformed human amnion cells correlates with a decreased rate of protein synthesis». Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 87 (11): 4231–5. Bibcode:1990PNAS...87.4231C. PMC 54082. PMID 2349232. doi:10.1073/pnas.87.11.4231
- ↑ Casiday, Rachel (5 de abril de 2013). «Energy for the Body: Oxidative Phosphorylation»
- ↑ Casiday, Rachel. «Oxidation-Reduction Reactions Experiment». Energy for the Body: Oxidative Phosphorylation. Department of Chemistry, Washington University. Consultado em 24 de abril de 2013
- ↑ Yamauchi, Yasuo (29 julho de 2011). «Plants switch photosystem at high temperature to protect photosystem II». Nature Precedings. doi:10.1038/npre.2011.6168.1
- ↑ Rokka, A; Aro, EM; Herrmann, RG; Andersson, B; Vener, AV (Agosto 2000). «Dephosphorylation of photosystem II reaction center proteins in plant photosynthetic membranes as an immediate response to abrupt elevation of temperature.». Plant Physiology. 123 (4): 1525–36. PMC 59108. PMID 10938368. doi:10.1104/pp.123.4.1525
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