Massacre do Carandiru – Wikipédia, a enciclopédia livre
Massacre do Carandiru | |
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Corredor da Casa de Detenção de São Paulo repleto de sangue no chão após o Massacre do Carandiru | |
Local | Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru). Avenida Cruzeiro do Sul, 2630, Carandiru, Zona Norte, São Paulo, Brasil |
Data | 2 de outubro de 1992 10h (UTC−3) |
Tipo de ataque | Assassinato em massa |
Mortes | 111 oficialmente; 250 extraoficialmente (todos eram detentos) |
Feridos | número de feridos indefinido |
Responsável(is) | Ubiratan Guimarães ("Coronel Ubiratan"), cerca de 330 policiais do 1° Batalhão da Polícia de Choque — Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA) da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) |
O Massacre do Carandiru foi uma chacina que ocorreu no Brasil, em 2 de outubro de 1992, quando uma intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo, para conter uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), causou a morte de 111 detentos.
Histórico
[editar | editar código-fonte]Massacre
[editar | editar código-fonte]A rebelião teve início com uma briga de presos no Pavilhão 9 durante uma partida de futebol dos detentos da Casa de Detenção. A intervenção da Polícia Militar, liderada pelo coronel Ubiratan Guimarães, tinha como justificativa acalmar a rebelião no local. A promotoria do julgamento do coronel Ubiratan classificou a intervenção como sendo "desastrosa e mal-preparada".[1]
A intervenção da polícia foi autorizada pelo então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Pedro Franco de Campos, que deixaria o governo menos de um mês depois.[2] No entanto, ele negou ter consultado o governador Luiz Antônio Fleury Filho sobre a ação. Fleury, anos depois, afirmou que não deu a ordem, mas se estivesse em seu gabinete teria autorizado a invasão.[3]
Michel Temer assumiu a Secretaria de Segurança no lugar de Pedro Franco de Campos. Ao tomar posse, ele anunciou como reação ao massacre que recomendaria repouso e meditação para os policiais envolvidos.[4]
Julgamento
[editar | editar código-fonte]Um tribunal brasileiro condenou, em abril de 2013, 23 dos policiais militares a 156 anos de prisão cada um pelo seu envolvimento na morte de 12 presos durante o massacre. A sentença foi anunciada pelo juiz José Augusto Nardy Marzagão e corresponde apenas à primeira parte do julgamento, que está dividido em quatro etapas. Outros três policiais julgados nesta primeira fase foram absolvidos a pedido do próprio Ministério Público.
Em 3 de agosto de 2013, por volta das 4 horas da manhã, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo leu a sentença de 625 anos de prisão a 25 réus policiais militares que foram acusados de participação no massacre, especificamente na participação direta na morte de 52 detentos instalados no terceiro pavimento do pavilhão 9.[5][6]
Cinco júris condenaram 74 policiais militares envolvidos no massacre, porém, acabaram anulados por decisão da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em recurso relatado pelo desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, em 2016.[7][8]
Além do processo criminal, o advogado Carlos Alexandre Klomfahs, em nome dos familiares das vítimas do massacre, ingressou com uma ação pedindo ao Governo do Estado de São Paulo que reconhecesse a sua culpa pelas mortes e se desculpasse diante dos familiares via pronunciamento em rede nacional de rádio e TV.
Em junho de 2021, após recurso do Ministério Público de São Paulo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu as condenações anuladas pelo TJ-SP, determinando que o Tribunal de Justiça de São Paulo julgasse somente o recurso da defesa para rever as penas dos PMs condenados.[9]
Em agosto de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve integralmente a decisão do STJ, rejeitando um recurso da defesa dos policiais. Até 2022, nenhum agente policial envolvido no massacre foi preso e nenhuma autoridade da Secretaria de Segurança Pública de SP ou do governo do São Paulo foi responsabilizada.[10]
Absolvição e morte do coronel Ubiratan
[editar | editar código-fonte]Em junho de 2001, o coronel Ubiratan Guimarães foi inicialmente condenado a 632 anos de prisão por 102 das 111 mortes do massacre (seis anos para cada homicídio e vinte anos por cinco tentativas de homicídio).[11] No ano seguinte, ele foi eleito deputado estadual por São Paulo após a sentença condenatória, durante o trâmite do recurso da sentença de 2001. Por este motivo, o julgamento do recurso foi realizado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, ou seja, pelos 25 desembargadores mais antigos do estado de São Paulo, em 15 de fevereiro de 2006. O Órgão reconheceu, por vinte votos a dois, que a sentença condenatória, proferida em julgamento pelo Tribunal do Júri, continha um equívoco. Essa revisão acabou absolvendo o réu. A absolvição do réu causou indignação em vários grupos de direitos humanos, que acusaram o fato de ser um "passo para trás" da justiça brasileira.[12]
No dia 10 de setembro de 2006, o coronel Ubiratan foi assassinado com um tiro na região do abdômen.[13] No muro do prédio onde morava foi pichada a frase "aqui se faz, aqui se paga", em referência ao massacre do Carandiru.[14]
Consequências
[editar | editar código-fonte]Sequestro da filha de José Ismael Pedrosa
[editar | editar código-fonte]José Ismael Pedrosa foi o ex-diretor da Casa de Detenção de São Paulo por muitos anos, até o massacre dos 111 detentos em 1992. Ele foi responsável de ter autorizado.[15][16]
Em abril de 2001, a filha de Pedrosa, de 45 anos, foi sequestrada por integrantes do Primeiro Comando da Capital. Não houve pedido de resgate, mas os sequestradores condicionaram a troca da liberdade dela pela soltura de alguns dos líderes da facção que se encontravam presos em um dos pavilhões onde aconteceu o massacre.[17]
Ele recebia ameaças desde 2000, quando nove presos foram mortos durante uma rebelião na Casa de Custódia, o presídio era sob direção de Pedrosa e três dos detentos foram decapitados.[18]
Pedrosa também foi diretor da Casa de Detenção na época do massacre do Carandiru, em outubro de 1992. Na ocasião, uma ação policial resultou na morte de 111 presos.[19][20][21]
Fundação do Primeiro Comando da Capital
[editar | editar código-fonte]O massacre causou indignação em detentos de outras penitenciárias, os quais supostamente decidiram formar o Primeiro Comando da Capital (PCC) no ano seguinte ao do evento. Uma das afirmações iniciais do grupo era a de que pretendiam "combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e "vingar a morte dos cento e onze presos".[22] Entretanto, esta suposta origem do PCC, um dos principais grupos do crime organizado no Brasil, é muito questionada, não havendo provas claras de que haja qualquer ligação entre a facção criminosa e o massacre dos detentos.
Na cultura popular
[editar | editar código-fonte]Canções
[editar | editar código-fonte]- "Diário de um Detento" (Mano Brown, Jocenir) – Racionais MC's em Sobrevivendo No Inferno (1997)
- "Haiti" (Caetano Veloso, Gilberto Gil) – Caetano Veloso e Gilberto Gil em Tropicália 2 (1993)
- "Manifest" (Max Cavalera, Sepultura) – Sepultura em Chaos A.D. (1993)
- "A Promessa" (Humberto Gessinger e Paulo Cesarin - Engenheiros do Havaí) em Simples de Coração (1995)
- "19 Rebellions" (Andrade, Aniruddha Das, Pandit G, Steve Chandra Savale, Delbert Tailor) – Asian Dub Foundation em Enemy of the Enemy (2003)
- "Roleta Macabra" (Eduardo) - Facção Central em O Espetáculo do Circo dos Horrores (2006)
- "Aonde o Filho Chora e a Mãe Não Vê" (Eduardo) - Facção Central em O Espetáculo do Circo dos Horrores (2006)
- "O Retorno (ACDC A Prisão)" Sabotage - em Uma Luz que Nunca Irá se Apagar (2001)
- "11 Escombros - Invasores de Cérebros"
- "Homenagem Póstuma" (Eduardo) - Facção Central em O Espetáculo do Circo dos Horrores (2006)
- "Mandando Bronca" (Rhossi, Doze) - Pavilhão 9 (banda) em Cadeia Nacional (1997)
Filmes
[editar | editar código-fonte]- Carandiru (2003), de Hector Babenco
- Prisioneiro da Grade de Ferro - autorretratos (2003), de Paulo Sacramento
Livros
[editar | editar código-fonte]- Uma Porta para a Vida, de Celso Bueno de Godoy Junior
- Carandiru: o Caldeirão do diabo, de Celso Bueno de Godoy Junior
- Diário de um Detento, do ex-detento Jocenir
- Estação Carandiru (1999), de Dr. Dráuzio Varella
- O outro lado do muro - Ladrões, humildes, vacilões e bandidões nas prisões paulistas, 1997, de Silvio Cavalcante e Osvaldo Valente
- Pavilhão 9 - O Massacre do Carandiru, de Elói Pietá e Justino Pereira
- Vidas do Carandiru - Histórias Reais, 2003, de Humberto Rodrigues
Televisão
[editar | editar código-fonte]Ver também
[editar | editar código-fonte]Referências
- ↑ Terra.com.br Sob ameaça de anulação, julgamento do Carandiru acaba hoje de sexta, 29 de junho de 2001
- ↑ Ex-secretário de Segurança diz que autorizou entrada da PM no Carandiru. UOL, 16 de abril de 2013
- ↑ "Não dei a ordem de entrada da PM no Carandiru, mas teria dado", diz Fleury em júri. UOL, 30 de julho de 2013
- ↑ 'Os PMs do Carandiru merecem repouso e meditação', disse Temer na época do massacre. Brasil Post, 27 de setembro de 2016
- ↑ [1] Carandiru: PMs são condenados a 624 anos por massacre de sábado, 03 de agosto de 2013
- ↑ [2] Réus do massacre do Carandiru são condenados a 624 anos de prisão de sábado, 03 de agosto de 2013
- ↑ «TJ anula júris que condenaram PMs pelo massacre do Carandiru». G1. 27 de setembro de 2016. Consultado em 2 de janeiro de 2017
- ↑ Alexandre Hisayasu, Marco Antônio Carvalho (29 de setembro de 2016). «Desembargador que anulou Carandiru mandou prender ladrão de salame». Estadão. Consultado em 30 de setembro de 2016
- ↑ «STJ restabelece condenações de PMs pelo massacre do Carandiru». G1. 9 de junho de 2021. Consultado em 15 de outubro de 2023
- ↑ «Massacre em SP que matou 111 presos no Carandiru completa 30 anos sem prisões de PMs condenados ou desfecho na Justiça». G1. 1 de outubro de 2022. Consultado em 15 de outubro de 2023
- ↑ «CMI Brasil - Coronel Ubiratan: condenado a 632 anos de prisão tem sentença anulada». www.midiaindependente.org. Consultado em 8 de fevereiro de 2010
- ↑ «Folha Online - Cotidiano - TJ inocenta coronel Ubiratan por massacre do Carandiru - 15/02/2006». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 8 de fevereiro de 2010
- ↑ «Veja cronologia do caso da morte do coronel Ubiratan -». noticias.terra.com.br. Consultado em 8 de fevereiro de 2010
- ↑ «Muro em frente à casa de coronel Ubiratan é pichado -». noticias.terra.com.br. Consultado em 8 de fevereiro de 2010
- ↑ «Ex-diretor de Segurança do Carandiru diz que Rota chegou ao presídio atirando». Agência Brasil. Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ «Acusados de matar ex-diretor de Casa de Custódia de Taubaté serão julgados hoje». oglobo. Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ «"Tropa já chegou invadindo e metralhando", diz ex-diretor do Carandiru». Agência Brasil. Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ «Ex-diretor do Carandiru é assassinado após votar». Terra.com. Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ «Justiça de Taubaté condena acusados de matar ex-diretor do Carandiru». Estadão. Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ «Advogado de acusado de matar ex-diretor da Casa de Custódia de Taubaté desiste de defesa». oglobo. Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ Luis Kawaguti (ed.). «Matança no Carandiru motivou formação de facção criminosa». BBC.com. Consultado em 9 de dezembro de 2014
- ↑ «Matança no Carandiru motivou formação de facção criminosa - BBC - UOL Notícias». UOL Notícias